sexta-feira, 16 de abril de 2010

Noite e Sono

Um copo cheio de leite. Leite puro, branquinho. Bem do lado da janela, em cima do parapeito. Sentado na minha grande poltrona amarela, o meu olhar páira da janela, etéreo por esse reino todo que não é meu. Corrido de boca alheia que leite combate insônia, eu protesto. Cogitar que pode a minha própria mente pregar tão cruel brincadeira... Tenho uma vida me esperando amanhã, tenho uma vida da qual me despedir hoje, essa é uma ponte que eu preciso atravessar. Inda sim, me sustam as pálpebras, que me arremetem à mil dilemas quando fechados.

Um gole aqui. A noite está trancada atrás das nuvens impassíveis, eu não consigo espiá-la. Tudo à minha frente é uma única cor melancólica. Nuvens de chuva. Opacas como como desaforos. Sinto-as como papéis de parede excêntricos numa casa enlutada. As luzes da cidade parecem tolas. Não adianta olhar o relógio. Eu puxei a tomada, eutanásia temporal. Navego agora num mar cinzento sem tempo nem rumo. Quanto tempo faz que estou aqui? O leite quente já está frio. Desliguei o relógio pouco depois de meia noite. Estou aqui há mil anos. Estou velho e pesado, cansado.

Um gole mais. Eu esvaziei a caixinha de leite. Egoísmo meu, não tem mais para o café da manhã de quem precisa. Demorei para entender que o que eu achava ser necessário, nunca em nada me acrescentou. Fiz furtar de quem precisava de verdade.

Um gole ainda. Deus não permita que eu esteje aqui para saudar o Sol quando ele também despertar. Ele trás preocupações e ocupações de um alguém que ainda não sou eu.

Um gole então. Tem rum na despensa. Talvez, se eu impugnar este copo quase vazio com ebriez, eu encontre uma saída do labirinto que se tornou esta noite. Mas que homem seria eu, fugisse dos meus problemas me escondendo atrás de venenos?

Um gole. Se este quarto não tivesse janela, poderia chamá-lo alcova. Faz sentido dizer então que ele é apenas minha cova?

Acabaram-se os goles, finalmente esgotaram-me os recursos. E agora? Para onde correr?

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