tag:blogger.com,1999:blog-81530860624464785602024-03-13T11:24:19.091-07:00nadaDireitoHaroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.comBlogger71125tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-47988420209817404952014-01-28T13:48:00.004-08:002014-01-28T13:48:55.699-08:00Essa boca de povo<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“<b>As pessoas não querem sair do cinema pensando</b>”, disse um agente da companhia
Paris Filmes, responsável por algumas das comédias nacionais de maior sucesso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eu estava lendo uma reportagem
sobre a comédia brasileira moderna (onde encontrei a citação acima) e reuni
alguns fatos interessantes: o cinema nacional é basicamente sustentado pelo
gênero da comédia. Antes vista como “<b>porcaria
disfarçada pelo desfile de mulheres peladas</b>”, esse nicho foi ressuscitado e
recauchutado num processo que teve início com o filme “Se eu fosse você”, de
2006. Desde então, a bilheteria tupiniquim vem se regozijando com as
impressionantes cifras abocanhadas pelas comédias de maior sucesso – valores de
monta tal que pagam custos de produção totais de menos 6 milhões de reais com
lucros de mais de 30 milhões. Interessante é que, na pesquisa feita pela
reportagem, esclarece-se que de cada 20 salas de cinema responsáveis pelo
sucesso comercial, no mínimo 13 estão em locais de periferia/ baixa renda. Isto
ilustra o público alvo: gente com instrução desinstruída. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pera, não fui eu que disse isso.
Os próprios roteiristas e produtores dos filmes foram quem expuseram esse fato.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“<b>Não fazemos comédia para alemães ou suíços</b> (<i>gente instruída = não brasileiros</i>). <b>Se tiver muita sutileza ou uma tirada sobre Nietzsche, o público não
vai entender</b> (<i>porque são imbecis e
incapazes de conhecer noções filosóficas <u>com mais de 100 anos de idade</u></i>)”,
disse um dos produtores de “Até que a sorte nos separe 2”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aliás, viram o que eu fiz ali em
cima? Botei entre parênteses a interpretação apropriada para a citação, em caso
de você ser brasileiro (<b><i><u>babaca</u></i></b>). Então, espero que vocês
entendam onde isso tudo me toca: o cinema brasileiro é, em sua maior parte, uma
bela bosta. Sério. Meu deus, como eu odeio a comédia brasileira. Eu tenho
acompanhado alguns filmes recentemente, como “O concurso”, “De pernas pro ar 1”,
“Meu passado me condena”, “Até que a sorte nos separe 2”, e preciso congratular
os responsáveis por esses títulos, pois eles conseguiram algo no mínimo
impressionante: transformar cinematografia podre, atuação moribunda e roteiros
comatosos em minas de ouro. Aliás, acho que, somando as experiências de
assistir a todos esses filmes, eu devo ter perdido uns 52 pontos de QI no total.
Acho que vou baixar e assistir ao “Se eu fosse você” e finalmente perder a
capacidade de entender o funcionamento de maçanetas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O mais recente destes a que
assisti foi “Até que a sorte nos separe 2”, e preciso dizer que o Anderson
Silva, o lutador de MMA que faz uma pontinha no filme, tem o talento de uma
lamparina para a atuação. Mas eu relevei; afinal, ele é um excelente lutador. O
que eu não relevei foi o desempenho do protagonista, Leandro Hassum, que atua
tão bem quando o Anderson (ou uma lamparina). Aliás, gostaria de expressamente
avisar aos meus amigos que por ventura tenham tendências suicidas para que
fiquem longe do filme, já que eu mesmo, saudável e contente com a minha vida
como sou, tive vontades acachapantes de enfiar o nariz no copo de refrigerante
e me afogar na Coca-Cola em busca de um fim mais aceitável. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como bem sabem as pessoas que
escrevem esses filmes, o público brasileiro é idiota e vai pagar para assistir
babaquice. Como bem sabem as pessoas com desígnios políticos, a sociedade
brasileira é idiota e vai votar para eleger mentiras mal contadas e partidos
incompetentes. Ao menos há harmonia no cenário nacional, não é mesmo? Enfim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eu não sei se há esperança para o
Brasil, gente. Eu realmente não sei. Eu me pego pensando com frequência: “Que
país é esse?”. Brasileiro não lê, acho que é esse o problema fundamental.
Brasileiro só lê livro de receita da Ana Maria Braga e livro de autoajuda
financeira (aliás, o “Até que a sorte nos separe” é baseado num livro desse
tipo). Vocês já notaram que até os nossos jornais estão em franco processo de “abestalhamento”?
Aqueles “25 Centavos” da vida, sei lá o nome real, que colocam na primeira
página mulheres seminuas (“<b>porcarias
disfarçadas por mulheres peladas</b>”), com matérias redigidas em tom coloquial
(porque o povo não entende escrita minimamente formal) e manchetes ofensivas são
um exemplo. É a cultura do Bolsa-família, da política alienante que busca a alienação
política. A política brasileira obriga o brasileiro a votar e em contrapartida
emburrece o brasileiro para que ele não entenda seu meio social e vote errado.
E o Leandro Hassum fica rico no entremeio. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A grande maior parte dos 155
milhões de brasileiros é alienada, desinformada, sub-educada e resignada. Até
os nossos embates políticos tem alma efêmera (20 centavos) e amplitude mínima. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Acho que quanto mais eu caminho
em direção a uma maturidade intelectual, mais estou fadado a detestar o meio sociocultural
onde me encontro. Acho que o “jeitinho brasileiro”, tão ovacionado e conhecido,
é de fato o responsável pela ignorância massificada. Acho, acima de tudo, que o
jeitinho existe porque o brasileiro simplesmente não tem jeito real. E acho
que, como cinéfilo de coração, estou fadado a viver numa nação de mediocridade <i>à lá</i> Leandro Hassum: volumosa e sem propósito. <o:p></o:p></div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-27308802852413894132014-01-24T06:58:00.000-08:002014-01-24T06:58:05.460-08:00Blackfish e South Park<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;">Um dos meus ditados pessoais é: </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><br /></span></div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><div style="text-align: justify;">
"Não há tópico de relevância social que já não tenha sido devidamente levantado e satirizado por South Park". </div>
</span><div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><br /></span></div>
<span style="background-color: white; color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><div style="text-align: justify;">
Já sei o que você vai fazer: não vai nem ler o resto porque South Park é baboseira, né? Haha, não leia mesmo. Não é pra você que pensa assim =*</div>
</span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; display: inline;"><div style="text-align: justify;">
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><br /></span></div>
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><div style="text-align: justify;">
O desenho é insanamente bem escrito, principalmente levando em consideração que já é antigo (17 temporadas e 1 filme!!), e, por mais que 95% das pessoas achem que eu exagero quando falo da relevância do programa, possui qualidade inegável sustentada pelo sucesso de crítica que o acompanha temporada após temporada, assim como pelos muitos Emmys já recebidos.</div>
</span><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><div style="text-align: justify;">
Você fala em humor crítico moderno, eu penso primeiro em South Park.</div>
</span><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><div style="text-align: justify;">
E lógico, mais uma vez, me peguei pensando no desenho enquanto assisto Blackfish, o documentário que está causando rebuliços intensos na população norte-americana ao advogar pelo melhor tratamento das baleias utilizadas em shows aquáticos (e que passou a chamar ainda mais atenção ao ser esnobada pelos Oscars). </div>
</span><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><div style="text-align: justify;">
Finalmente, pela primeira vez, o público está prestando atenção nesse tópico que tem plano de fundo cultural de ligação umbilical com o desenvolvimento norte-americano.</div>
</span><span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><div style="text-align: justify;">
Mas ei, as cabeças (que se dizem) pensantes do país podem até ter se voltado para este problema apenas agora, ou quiçá em 2010 com a morte da treinadora Dawn durante um show exibido em 2010 no Sea World de Orlando, mas South Park já levantou o tópico MUUUUUITO antes, em 2005. Foi em Novembro de 2005 que o programa exibiu um episódio onde os protagonistas vêem que as condições em que as baleias são tratadas são insatisfatórias e precárias, assim como a razão para tal (os ticket$$$ do público) é frívola, além do que elas mesmas são um perigo para os treinadores. Decidem, portanto, salvá-las. </div>
</span><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><div style="text-align: justify;">
O problema, e que é menos problema do que é objetivo primário dos autores, é que o aspecto infantil e as piadas grosseiras afastam tanto o público que se diz "culto" e "sofisticado", que muita (MUITA) coisa passa batida. E eu digo que é objetivo dos autores simplesmente porque, de fato, o mundo não está preparado para a carga violenta de humor engajado do programa. Os autores estão muito à frente da capacidade popular de digerir sátiras. Por isso eles foram obrigados a acatar esse formato aparentemente infantil: para não serem manchete todo santo dia (e olha que eles já são manchete até demais! haha). </div>
</span><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><div style="text-align: justify;">
Vocês querem saber o desfecho do episódio? As crianças mandam a baleia para a Lua. Idiota? Idiota ou uma crítica extremamente cínica em relação à impossibilidade de convivência entre a ganância humana e a fragilidade do Meio Ambiente? </div>
</span><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><div style="text-align: justify;">
Lembrem-se: há muita babaquice no humor moderno, muita mesmo. Mas em South Park... pouquíssima.</div>
</span><div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="color: #333333; font-family: 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px;"><div style="text-align: justify;">
Palmas para Blackfish, que é EXCELENTE. Mas desculpa, você chegou depois.</div>
</span></span>Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-56901067530296807562013-12-30T14:36:00.000-08:002013-12-30T15:26:19.567-08:00Loja de BonecosEste texto foi escrito e esquecido por mim em Abril de 2012. Achei-o hoje e decidi publicá-lo, mesmo sem final, por achá-lo interessante!<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Essa loja de brinquedos é diferente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Os bonecos que ela vende, ela é que manufatura.
Não sei que produção é essa, não sei que meticulosas mãos são essas que
delineiam e detalham os produtos de forma tão insanamente
perfeccionista. Os resultados finais são obras-primas tão íntegras, tão símiles,
que o toque às mãos deixa emocionado qualquer que o ouse. Encostar nos bonecos
é como encostar em pele real, talvez sinta-se até o calor por baixo dela. Seus
olhos parecem emitir aquela luz dos olhos das coisas que vivem. Os cabelos
estão lá, só falta crescerem, seus fios tão belos e naturais que muitos humanos
se curvariam em inveja. Até seus lábios possuem uma maciez tentadora; tudo isso
em bonecos de 10 cm de altura. A única coisa que denuncia sua artificialidade é
um pequeno botão localizado naquela parte das costas que humano adulto algum
consegue encostar com seus dedos. O que fazia o botão foi uma curiosidade que
me consumiu desde o primeiro minuto em que os vi na vitrine. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Fascinado, comprei dois: um casalzinho. Levei-os
para casa na sacola contagiado por uma emoção de difícil explicação. Ao chegar,
coloquei-os numa cômoda larga; fiquei abismado ao notar o quão fácil era
deixa-los de pé. Seus pezinhos formavam base perfeita que, combinada com o peso
e a inclinação da coluna, sustentavam os bonecos quase como se assim eles
desejassem. Observei-os por minutos a fio, tentando absorver cada detalhe, cada
minúcia de seus corpinhos. O rapaz imitava perfeitamente um jovem entre seus 25
e 30 anos, com traços de barba, trajando blusa e jeans. A garota, não com menos
perfeição, era uma mocinha de idade semelhante que portava um vestido azul.
Decidi então descobrir finalmente o que fazia o botão; peguei o rapaz e
pressionei o botão em suas costas. Fiquei então olhando sua face, esperando
qualquer sinal de movimentação. Ele apenas continuou me olhando da mesma forma
estática. Frustrado, coloquei-o de volta na cômoda, derrubando a mocinha de
costas no processo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Voltei-me e fui procurar a caixa da loja na
sacola. Achando-a, tentei localizar seu número de telefone, pronto para soltar
alguns palavrões ao dono, acusando-o de vender bonecos problemáticos.
Lembrava-me bem que o senhor me prometera que os bonecos faziam algo
simplesmente inacreditável quando pressionados seus botões. Mera baboseira,
falsa propaganda para atrair os consumidores incautos como eu. Achando o
número, peguei o telefone e disquei-o. No ato, virei-me novamente para encarar
o produto defeituoso. A surpresa que tive fez com que eu derrubasse não apenas a
caixa que eu segurava em uma mão como o telefone que eu segurava na outra; e a
boca, fazendo sumir qualquer intenção de me utilizar de palavras feias. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Na mesa, o rapazinho de 10 cm de joelhos estava,
ao lado da mocinha, e lhe sacudia os ombros. Falava-lhe baixinho, segurava suas
mãos, tentava chamar-lhe atenção de toda forma. Suas pernas e seus membros em
geral não possuíam articulações visíveis, mas até os dedinhos agora se
dobravam, se abriam e se fechavam como se por baixo da camada suave de pele
houvesse as mais complexas e minúsculas peças de engenharia. Sua boca se mexia
deixando visualizar esporadicamente fileiras de dentes branquinhos. Logo
percebi que o bonequinho não me notava ou era incapaz de me dar atenção, mesmo que por vezes olhasse ao redor, como que
procurando alguém que pudesse ajudar a outra bonequinha. <br />
Movido por uma sensação
estranha de urgência, peguei a bonequinha de onde ela se encontrava. Notei que
o boneco, por sua vez, ao que retirado o objeto de sua atenção da frente de seus olhos, simplesmente
permaneceu imóvel. Rapidamente pressionei o botão da bonequinha. Olhei-a ainda em minhas mãos, sem saber o que
esperar. Nenhum movimento. Depositei-a então onde antes estava, da mesma forma
que havia lhe tirado. Vi então ela piscar os olhos e começar a se mover. Na
mesma hora, o boneco que antes estava imóvel voltou a mover-se. Seus olhinhos
diminutos se encontraram. A coisa mais estarrecedora aconteceu a seguir:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Os dois bonequinhos se abraçaram. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Levei as mãos à testa, sem conseguir acreditar no
que meus olhos me ofereciam.</div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
(Não lembro por que não dei prosseguimento!)<o:p></o:p></div>
<br />Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-38741917258880739002013-11-28T01:14:00.002-08:002013-11-28T01:14:14.956-08:00Resenha literária: "A visita cruel do tempo"
<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: center;">
<span style="font-family: Calibri;">Resenha: “A visita
cruel do tempo”/ “A visit from the goon squad”, de Jennifer Egan<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: Calibri;">O ramo da
música está decaindo, mas não é por causa da internet. Pelo menos de acordo com
o livro “A visita cruel do tempo”, de Jennifer Egan, a culpa real deste fato é
a notória ausência de talento da nova geração de artistas. Não que o seu
interesse neste tema seja essencial para que você se apaixone por essa
espetacular obra; apesar de ser um dos temas do livro, ele não é, nem de longe,
o seu fio de meada. Não: ele, como todas as outras estórias do romance, são apenas
formas que a autora utilizou para abordar o tópico real: a passagem do tempo.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Centrado
num conjunto de personagens vagamente conectados (alguns mais do que outros), o
livro é contado através de 13 capítulos, sendo o foco interpretativo de cada um
centrado em personagens distintos. A estória se passa no decorrer de 40 anos, e
prioritariamente na cidade de Nova York. Comumente, cada personagem narrado já
foi apresentado anteriormente através dos olhos de outro personagem. O interessante
é que sempre que essas personagens são apresentadas pela primeira vez, elas estão
em algum ponto confortável de suas vidas; quando o livro decide que é a sua vez
de tomar o centro, entretanto, comumente somos levados a um momento turbulento
de suas vidas. Não que isto seja uma regra primordial, ou que sempre que acompanhamos
alguém, este encontra-se na mais miserável situação de sua vida, não. Mas
indubitavelmente, ressalta-se o interesse da autora em aproveitar os conflitos mais
significativos de cada um, ao mesmo tempo que assegura-se ao leitor o proveito
de uma narrativa bem sincronizada e no ritmo ideal. Quiçá haja leve tropeço no
desenvolvimento do último capítulo, que é de longe o mais fictício (tendo em
vista que se passa numa Nova York <i style="mso-bidi-font-style: normal;">do
futuro</i>), isto pode facilmente ser perdoado com o desfecho emocionante da
estória. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Aliás,
há no livro um capítulo narrado exclusivamente através de slides Power Point;
sim, este instrumento moderno que é, de outro modo, um recurso chato utilizado
por gente chata para apresentar conteúdos ainda mais chatos, aqui é posto em ação
para contar esclarecer certas dificuldades familiares de uma forma extremamente
inocente, tocante e memorável. Aliás, vale dizer: este capítulo em particular
ajudou a cercar o livro de um buzz espetacular, atiçando a curiosidade de
leitores e críticos em comum. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Jennifer
Egan é brilhante. Sua narrativa, no mais das vezes, segue o estilo de terceira
pessoa. Mas capítulos há em que a narrativa é em primeira pessoa. Há um
capítulo, inclusive, em que ela narra VOCÊ! Isso mesmo! Narrando as desventuras
de Robb, ela trata o personagem por “você”. Isto saltou-me aos olhos de forma
agradável e acendeu-me uma curiosidade literária bem forte, coisa que
certamente se passou com todos os outros que dedicaram ao fato alguma consideração.
Como se vê, a autora não tem medo de esbanjar seu talento, e as narrativas são sempre
eficiente e obedecem a um propósito: seja aproximar, seja distanciar quem lê
das ações e sentimentos de quem é descrito. Super eficiente é esta artimanha,
até mesmo para ajudar o leitor a se apaixonar por Sasha Blake, que, juntamente
a Bennie Salazar, são as duas personagens mais bem exploradas pela obra.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Todas
as personagens são ligadas de alguma forma à indústria da música: produtores,
assistentes de produtores, músicos, RP’s, jornalistas... Não impossivelmente,
atribuo isto ao desejo da autora de imiscuir sua obra com um profundo conteúdo <i style="mso-bidi-font-style: normal;">pop</i>, de modo a localizá-la bem num ramo
prático, comum e que definitivamente vêm ele próprio recebendo uma cruel visita
do tempo. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“A
visita cruel do tempo” recebeu o Pulitzer de 2011, e é uma das melhores obras
que eu já li. Fortemente recomendo sua leitura, tanto àqueles que gostam de
livros descomplicados quanto àqueles que preferem algo engajado. Não conheço os
livros anteriores de Jennifer (o que pretendo remediar nos próximos meses), mas
se eu fosse um homem de apostas, apostaria isto: guarde este nome, pois dentro
em alguns anos ele será muito reconhecido. Aliás, Egan já foi listada pela
Times como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo no ano de lançamento
deste livro, mas o que eu quero dizer é que o reconhecimento que ela já tem
pouco se compara ao que ela alcançará, simplesmente porque ela é dotada de um
talento maduro e acachapante que, se bem explorado, gerará obras que definem gerações;
como esta em especial já fez.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<o:p><span style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-15441562571126397922013-11-16T12:28:00.002-08:002013-11-16T12:32:41.595-08:00Miles Scott, o Batman e outras histórias espetaculares<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O Batman é real. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eu sempre tive minhas suspeitas,
sabe? Mas agora eu tenho certeza. E ao final deste artigo, você vai ter também.
<o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Miles Scott, natural de Tulelake,
na California, é uma criança de 5 anos com leucemia. O diagnóstico aconteceu quando
o pequeno tinha apenas 1 ano e 6 meses de vida, e desde então ele vêm
batalhando a doença; pode-se dizer que ele passou, de fato, a maior parte de
sua vida em hospitais e em consultórios, tomando remédios e fazendo
quimioterapia, não podendo brincar e não podendo aproveitar sua saúde.
Recentemente, entretanto, a doença entrou em remissão, que é um estado em que
ela fica assintomática. Sendo este o escopo de todo o tratamento, considera-se
que o pequeno Miles “venceu” sua batalha. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tomando conhecimento da sofrida
história de vida de Miles, a fundação Make-a-Wish foi até ele e perguntou-lhe
qual era o seu maior desejo. A coisa com que ele mais sonhava, seu desejo abstrato
mais louco. Ele disse apenas que, oras, queria ser o Batman. É bem o tipo de
coisa que uma criança de 5 anos diria, não? <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ué, sem problemas, disse a
Make-a-Wish. A fundação rapidamente iniciou um projeto ambicioso, contatando as
autoridades da cidade de San Francisco, que é a principal cidade do norte da
Califórnia, e espalhando seus planos na internet. Os planos eram “simples”: por
um dia, San Francisco seria Gotham City, o pequeno Miles seria o Batman, e ele
combateria o crime a pedido do comissário de polícia da cidade. Logo a ideia da
fundação se espalhou e os internautas começaram a demonstrar seu suporte: Miles
virou sensação nas redes sociais e o plano de transformar San Francisco em
Gotham conseguiu 12 mil voluntários. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tudo veio à fruição ontem (15/11),
quando Miles foi conduzido a San Francisco sob o pretexto de ir receber uma
bela fantasia do Cavaleiro das Trevas. Chegando à cidade, foi surpreendido com
a bela verdade dos planos. Lá, além de receber a prometida fantasia, participou
de um circuito bem elaborado que envolvia passear pela cidade num Lamborghini
pintado de Batmóvel, conduzido por um dublê do próprio Batman, enquanto vivia
simulações que envolveram capturar o supervilão “Charada” no meio de um assalto
a banco, assim como salvar o mascote da cidade das mãos do “Penguim”, no meio
do estádio municipal. Ao final de suas missões, o jovem foi recebido pelo
prefeito numa cerimônia pública, onde recebeu a Chave da Cidade. O tempo todo o
“Batkid” (como foi oficialmente apelidado) foi seguido por milhares de
espectadores, que gritavam pelo seu nome e torciam por ele. <o:p></o:p><br />
<br />
<br /></div>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://3.bp.blogspot.com/-SFPzbqaQ1gA/UofT9D4pTGI/AAAAAAAAAYI/1mjmgc0-tlI/s1600/batkid1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; display: inline !important; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img border="0" height="210" src="http://3.bp.blogspot.com/-SFPzbqaQ1gA/UofT9D4pTGI/AAAAAAAAAYI/1mjmgc0-tlI/s320/batkid1.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Poxa, eu já ia ficar feliz só de passear num Lamburghini...</td></tr>
</tbody></table>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://4.bp.blogspot.com/-iufzzIbNdGo/UofUDWyTmbI/AAAAAAAAAYQ/VStousJ8hSg/s1600/batkid2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="213" src="http://4.bp.blogspot.com/-iufzzIbNdGo/UofUDWyTmbI/AAAAAAAAAYQ/VStousJ8hSg/s320/batkid2.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Miles e a chave da cidade</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Esse conto verídico trata, como
se constata, da beleza do altruísmo humano. O jovem Miles, ainda em tenra
idade, tem como herói e inspiração uma figura oriunda das histórias em
quadrinho. O que ele não sabe é o valor de sua vitória: a conquista de uma das
doenças mais cruéis pelo ser humano em seu estado mais frágil e inocente; esse
tipo de história ressoa no coração de qualquer um, simplesmente porque sabemos
que a infância é um momento ímpar no desenvolvimento do homem, tanto pela sua
fragilidade quanto pela sua fugacidade e sua magia. <o:p></o:p><br />
<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Miles arrastou-se pelas veredas
de sua guerra contra a leucemia movido, dentre outras coisas, em grande parte
pela admiração por seu super-herói favorito. Batman, em muitos aspectos, salvou
sua vida. Digo isto sem querer, logicamente, atentar contra a importância factual
do apoio familiar e médico da criança, mas com o objetivo de ressaltar o lado
mais introspectivo do assunto. O Cavaleiro das Trevas ajudou Miles a esquecer
da anemia, dos inchaços, das hemorragias, da fatiga, das náuseas, das dores, das
constipações, das mudanças nervosas, das mudanças na memória, e dos muitos outros
sintomas da Quimioterapia, e fê-lo encontrar força, fé e um motivo para não
desistir da vida simplesmente por ser uma das suas fontes de inspiração. E no
final, tudo o que Miles queria era poder viver um pouco das aventuras do Homem
Morcego, apenas porque acha que elas é que são aventuras espetaculares.
Enquanto isto, os milhares de espectadores que foram prestigiá-lo estavam lá
para conhecer outro tipo de super herói, e conhecer um outro tipo de aventura
totalmente diferente, um tipo mais maduro, mais plausível e muito, mas muito
mais espetacular: a aventura de uma criança que sobreviveu a uma doença
implacável.<o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Porque vencer o Coringa de vez em
quando é incrível sim, mas vencer a Leucemia antes de se aprender a atravessar
a rua sozinho... Isto sim, caro leitor, é heroico. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E se Miles diz que o Batman realmente
o ajudou, não creio haver argumentos lógicos o suficiente em lugar algum que me
façam duvidar de sua existência. Desejo inclusive que o Batman também esteja lá
para todas as outras crianças que precisem de sua ajuda, como Miles Scott
precisou. <o:p></o:p></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-WI0n71SafJ0/UofVONNuqBI/AAAAAAAAAYc/FQozZNfAvjY/s1600/batkid3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="http://3.bp.blogspot.com/-WI0n71SafJ0/UofVONNuqBI/AAAAAAAAAYc/FQozZNfAvjY/s320/batkid3.jpg" width="167" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-14511810964556191232013-09-28T05:40:00.001-07:002013-09-28T13:08:12.010-07:001.1. Angie<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<div style="text-indent: 37.7952766418457px;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Era um dia
quente em meados de novembro. Angie apertava
com força o cabo de sua grossa espada de aço – embainhada - com uma das mãos, enquanto com a outra
afastava seus cabelos castanhos ensopados de suor da testa. Seu olhar se perdia
em algum ponto elevado. Ela usava uma completa armadura de ferro, pesada e
resistente, que infelizmente fazia o calor natural crescer em progressão alarmante.
Do jeito que estava suando, Angie começava a temer uma desidratação. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
- E então,
capitã? – perguntou Howard, seu segundo em comando. Howard era um homem com sobrancelhas
grossas, pele morena queimada de sol e com um semblante que fazia extrapolarem
os palpites acerca de sua idade. Howard estava, igual sua capitã, trajando uma
armadura completa, só que lhe faltava a peça do ombro direito. À frente deles, uma
grande e íngreme montanha erguia-se até onde a visão da pequena infantaria liderada
por Angie conseguia escalar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Boatos haviam
se espalhado pela alta sociedade do reino de que os (poucos) remanescentes da
família Morcerick poderiam estar usando a montanha como esconderijo. Motivados pelo
sentimento de vingança, a alta corte pressionou o rei Fidelis para que ele
mandasse uma infantaria para enterrar até o último membro da família Morcerick,
responsável por uma grande traição na década anterior que culminara com uma
tentativa fracassada de assassinato do rei, mas que por vias indiretas provocou
a morte de seu filho. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Angie ainda
tremia quando voltava à sua memória aquele
sentimento que lhe preenchera o peito quando descobriu a morte do jovem príncipe. Retornava
às terras do castelo após um excelente dia de caça para descobrir seu o corpo
gelado de seu irmão desfalecido em seus aposentos. Ela gritara e gritara, por
meio das lágrimas, até que alguém finalmente apareceu e a afastou do corpo
frio. Seu pai, o rei, veio a passos pesados pelos corredores e entrou no quarto
acompanhado por 20 soldados armados. Ele olhou impassível o cadáver, e depois
seus olhos se concentraram na filha remanescente. Ele tomou sua mão e murmurou
palavras doces para que ela ouvisse. Em seguida, rapidamente tomou o caminho da
saída do quarto. Angie sentiu o próprio coração cair dentro de sua caixa
torácica, olhando do corpo do irmão para o pai que se afastava. Levantou-se num
impulso e gritou: <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
- És mais frio
que o corpo agora eternamente imóvel de teu filho, pai! – O rei e sua comitiva estancaram,
mas ele não virou o rosto para encarar a filha. Os outros servos presentes nos
aposentos a olhavam com tanta pena em suas faces que ela não conseguiu se
conter, deixando fluir a necessidade de se expor ainda mais. “O teu filho jaz
no chão de rocha nua trajando nada mais que os robes os mais caseiros, dentro
da casa que é nossa e dentro do cerne de nossa segurança, claramente vitimado
por aqueles que não desejam o teu bem, pai, e tu dás as costas e vais embora?
Não tens coração? Não sequer te aproximas do corpo uma última vez? Que pai é esse?”- ela
lutava para terminar as sentenças, pois estava agora aos prantos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
O rei virou o
rosto apenas para observá-la, mas logo em seguida deu-lhe as costas, entrou
pelo corredor e sumiu de vista, acompanhado de perto pela sua guarda real.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
- Devo esperar
eu o mesmo tratamento se algum dia encontrarem meus restos expostos e
dilacerados n’alguma trincheira afundada enquanto travamos os combates de nosso
reino? É isso pai? É ISSO? – ela gritava, e por um momento tentou correr pela
porta para alcançar o pai, para fazer sabe-se-lá-o-quê, mas rapidamente 3
soldados atrapalharam seu intento. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Quando levaram
o cadáver para a ala hospitalar do castelo, sangue começou a vazar por todos os
orifícios do seu corpo. Angie assistiu horrorizada enquanto os robes brancos do
irmão iam mudando de cor ao se misturarem com o escarlate de seu sangue.
Naquela noite, Angie fugiu do castelo e passou os dois dias e duas noites seguintes
perambulando pelas terras próximas, matando animais selvagens e se alimentando
apenas do que conseguia manufaturar. Durante o tempo todo, não disse palavra.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Eventualmente
vir-se-ia a saber que a causa da morte fora envenenamento; um veneno tão forte
e aplicado em tanta quantidade no alimento que após matar o jovem príncipe, começara
a derreter seus intestinos. O alimento envenenado havia sido uma cesta de
sortes dada por um terceiro comandado pela família Morcerick; isto não foi, entretanto,
descoberto com facilidade. Um ano de inquérito se seguiu a essa noite, e houve várias
prisões. Infelizmente para a família Morcerick, Angie supervisionara aquele
inquérito como se fosse a última coisa que faria. Ela própria sofrera um
atentado similar, mas mal sabiam o perpetrantes do atentado que Angie agora só
comia aquilo cuja produção e preparo ela supervisionava; que, por sua vez,
muito frequentemente consistia daquilo que ela mesma caçava. Um servo acabou
falecendo após furtar a tal cesta, e enquanto os guardas reais conduziam Angie
pelas vielas da cidade-estado, ela já ruminava suspeitas que apenas se
confirmaram quando seus olhos encontraram o corpo imóvel do servo na poça rubra
de sangue e colcha que se tornara sua cama. A mulher do rapaz chorava aos
soluços enquanto Angie observava a cena, sentindo uma chama ferver seu
interior. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Dessa vez,
entretanto, Angie estava preparada. Ela tinha seus próprios informantes
circulando pelo castelo, infiltrados entre os servos e prontos para conduzir
qualquer situação suspeita de forma profissional, atenta e com tanta
naturalidade que, após o atentado fracassado, Angie não precisou mais do que
conversar com seu informante-chefe para obter uma reconstituição fiel da proveniência
da cesta e de quem a havia trazido. A partir daí, o inquérito não tardou mais
do que algumas semanas até apontar Matteus Morcerick, o filho mais velho da
família, como principal responsável pelo envio dos alimentos envenenados. Com
pouco tempo ela conseguiu a ordem real e encaminhou-se com a guarda até a
residência da família, onde ela coordenou uma grande matança. As crianças foram
separadas de seus pais e enviadas para longe do reino, enquanto os adultos
foram esquartejados e suas cabeças postas à mostra nos portões da cidade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Num contorno
triste do destino, no dia em que Angie carregara as ordens do pai, alguns
membros da família estavam ausentes em viagem; um deles, claro, era Matteus
Morcerick. Desnecessário dizer que desse dia em diante, nunca mais se ouviu
falar de nenhum deles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Até
recentemente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Angie olhava
para o cume da montanha, imaginando como que conseguiria subir aquilo. Era
muito íngreme; uma pessoa normal jamais conseguiria. Talvez alguém mais
treinado e com menos equipamento de guerra, conseguisse; mas ninguém na sua
infantaria obteria sucesso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
O que Angie
precisava era de... magia. E ela sabia exatamente onde conseguir. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
De repente, o
celular de Angie começou a tocar, interrompendo a música que saía de seus fones
de ouvido. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 1.0cm;">
...<o:p></o:p></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 1.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Era seu pai,
perguntando onde diabos ela estava e por que ela não tinha aparecido na aula de
francês. Ela explicou que tinha finalmente descoberto o endereço do idiota que
havia envenenado a ração de Toddie, e que o sujeito morava num condomínio
luxuoso no centro da cidade. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
- Ah, Ângela...
Eu te disse para esquecer isso...- disse seu pai, com um pouco de tristeza na
voz. “Eu vou aí te pegar”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Mas Angie não lhe deu atenção. Logo após a ligação ser desligada, a música
voltou a sair pelos seus fones de ouvido e ela já estava na armadura novamente,
olhando para o prédio e imaginando como diabos faria para entrar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Afinal, não era
surpresa nenhuma que o rei Fidelis, após anos de aguda paranóia, em toda a sua precaução exagerada, houvesse
proibido quaisquer atos de perseguição aos Morcerick. Angie estava ali por
conta própria, com os poucos homens que decidiram lutar por sua causa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 1.0cm;">
...<o:p></o:p></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 1.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Entrando no
carro, o pai de Angie deu a ignição enquanto murmurava impropérios. Desde que o
cachorro de sua filha havia morrido, ela estava em polvorosa. Não que a imaginação
de sua filha necessitasse de muito estímulo para abrir asas e decolar, mas
deste então a garota ficara em estado quase catatônico. Ia para a escola,
voltava, almoçava rapidamente e logo trancava-se no quarto para jogar vídeo games,
assistir suas séries, ler seus livros e ouvir sua música. Se em algum momento
saía, estava com fones de ouvido e olhos tão distantes da realidade que o resto
da família era capaz de passar despercebido. Aliás, a última vez que ela tivera
algum contato real com o pai foi para dar-lhe um carão por não se importar mais
com o falecimento do animal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
A situação só
fez piorar quando, alguns dias depois, Ângela viu acontecer o mesmo com o
cachorro do vizinho do outro lado da rua. Aí que a jovem ficou ainda mais
reservada, não saindo do quarto senão para ir à escola e a seus cursos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 1cm;">
Aliás, ele não conseguia
imaginar qual seria a reação da filha se ela descobrisse quais eventos realmente
levaram ao falecimento dos pobres animais. <o:p></o:p></div>
</div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-23998253400128096952013-08-23T16:37:00.005-07:002013-08-23T16:37:54.985-07:00Concursos Públicos nas nossas vidas<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Domingo agora, dia 25 de Agosto, é a prova do concurso
público do Ministério Público do Amazonas, e eu gostaria de mandar um alô para
os guerreiros que vão fazê-la. Parece que foi ontem que eu estava numa luta idêntica
para me preparar para o concurso do Tribunal de Justiça, então eu me vejo
obrigado a escrever algumas palavras para os desafiantes dessa próxima grande
peleja.<o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Pra quem não sabe, concurso público é um dos eventos mais
disputados do país em questão de mercado de trabalho. É quando os interessados
em ingressar na carreira de servidor público veem a oportunidade de finalmente ascender
àquele tão sonhado emprego de boa carga horária e boa remuneração, além de
prestigioso e estável. E é quando esses mesmos interessados se veem esmagados
por editais com conteúdos programáticos simplesmente quilométricos, esperando
para matar ou morrer, numa corrida que mais parece impossível do que plausível.
E como se as provas já não exigissem bastante do candidato, ainda tem a concorrência:
vêm gente do país todo pra sua região, atraídos pelo odor da oportunidade.
Gente que você não conhece, gente que pode ter se preparado melhor que você,
gente que está apostando mais alto que você... Inimigos mais do que letais. <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Eu sei como é essa tensão pré-concurso. Eu agora estou
falando com a galera que, como eu no concurso anterior, não tem vergonha de
admitir que se preparou, que está com as fichas na mesa e apostando alto. <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Foram meses e meses estudando, né? Tanta coisa que vocês
deixaram de fazer. Tanta vida social e tanta juventude deixada de lado,
sonhando com o momento em que vocês finalmente vão poder voltar para casa e
dizer para os pais de vocês “Ei gente, eu conquistei um pedacinho do mundo,
sabiam? Eu existo. Eu faço acontecer!”. Mas lembrem-se que é um olho no prêmio
e um olho no treinamento, o tempo todo. <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Primeiramente, não se permitam sentir na mente de vocês que
vocês já pertencem ao lugar onde querem entrar. Nada de se materializar
aprovados, jamais. Enquanto vocês se virem como o estrangeiro faminto olhando
pela janela, vocês vão poder focar em se preparar para derrubar a porta que os
separa do calor e do aconchego que há lá dentro. Não se permitam sonhar muito e
morrer de hipotermia lá fora, sozinhos e no escuro da noite. <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Segundo, garra. Gente, sério, vocês já se imaginaram
lutadores? Lutadores como aqueles que a gente vê na TV, no MMA e no Boxe? Não?
Porque se não, tá na hora. Aqueles caras acordam e tem o cronograma do dia todo
programado. 8 AM, Jiu Jitsu, 11 AM, Muay Thay, 13 PM, almoço... E vocês? 8 AM,
Constitucional, 11 AM, Administrativo, 15 PM, resolução de questões... Vocês
acham que eu estou brincando? Que eu estou me deixando carregar pelas minhas
palavras? Não, eu estou falando de uma situação real, de um cotidiano tão real
que cria marcas. Quem aqui nunca sacrificou o bem estar físico na busca por
esses sonhos de aprovação? Quem aqui não teve que se virar um cronograma
desses? Quem nunca ficou realmente doente nessa corrida? Eu sei que eu tive de
tudo: enxaquecas, dores nas costas, pelo corpo todo, enjoos e até um princípio
de gastrite. E é aí que entra a Garra: é a vontade de conquista, de disciplina
e determinação mesmo em face da decepção. Meu deus, e as questões que você faz
e erra? O tempo todo! As provas anteriores que você refaz e refaz e ainda assim
não consegue acertar uma quantidade satisfatória de questões! <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Já passei por isso. Já me frustrei muito, já me deixei
desesperar. Já atirei todo o material de estudo no chão tantas vezes, já até
quebrei canetas com as mãos em momentos de raiva (2 vezes). Uma vez fiquei tão
estressado com o meu desempenho que fui dormir 7 horas da noite, porque não conseguia
mais me concentrar. Mas aí, você, colega que se dedica também, sabe o que
acontece. Nós, eu e você, acordamos no dia seguinte, limpamos a mente e
voltamos pro treino. Mais uma sessão de sparing, vamos lá. Refazer aquela prova
(de novo e de novo). Tudo de novo, do início. Garra! Cada gota de suor agora é
uma lágrima a menos no futuro. <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Terceiro, e talvez mais importante: aceite que você pode não
ser aprovado, perder tudo. Perder é sempre uma opção, como já diz um certo
lutador norte-americano. Derrota é, na verdade, a mais imediata e valorosa, em
termos de custo-benefício, opção que há. Você pode não aceitar o risco. Você
dizer “Ah, deixa pra lá”. Convencer-se de que aquilo não é pra você. Você pode
aceitar o seu lugar como aquela pessoa que anda por aí, feliz em poder dizer “Não
passei, mas também nem estudei”. Como se isso valesse os dois centavos furados
do seu bolso. Como se houvesse alguma hipótese em que “não estudar” te ganhou
alguma coisa. Como se você estivesse mais próximo dos seus sonhos agora.
Novidades: você não passou. Isso é chato. Mas você não se dedicou? ISSO é
idiota. Isso é falta de previdência. É impossível achar alguém que tenha se danado
mais por isso do que... você. Se você não vai passar, que seja estudando.
Sério, estude mesmo. Entre na linha de frente: só ganha alto quem aposta alto. Não
passou? Tem um próximo. E adivinha: você já tá na vantagem se você se dedicou
antes. <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">E mais uma vez eu friso: nada de se colocar num lugar em que
você não está. Nada de dizer que já passou sem nem ter feito a prova. Nada de
fazer planos ou promessas, porque o sofrimento desse tipo de fracasso é muito próximo
ao insuportável, e provavelmente vai te desestabilizar e desmotivar pelos
concursos seguintes. Pode parecer insano, mas é importante que vocês lembrem
que uma coisa que vocês nunca tiveram não deve atrapalhar vocês em conseguir
outras, possivelmente até melhores que a que vocês deixaram passar! <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">A vida é assim, altos e baixos. O que fica é o seu coração e
a sua preparação. Estejam sempre prontos! O sucesso não vem aos que dormem.
Quando sentarem-se na cadeira de prova no dia do concurso, apreciem por um
momento as folhas a sua frente. Sem abri-la! Apenas observe-a. Pense no quanto
você batalhou para estar ali. Pense em como você merece gabaritar aquela
maldita. De repente, lembre-se: aquela prova, aquela desgraçada ali na sua
frente, a uma palma de distância depois de meses evadindo e prometendo
desafios, ela é vai ser a melhor coisa que já te aconteceu. Ela é a sua melhor
amiga, ela é o seu amor. Sabe por quê? Porque ela é o seu trabalho. Ela é a sua
chance de mostrar o que você veio <i style="mso-bidi-font-style: normal;">provar</i>.
Ela é tudo o que você queria. De repente, ela não é mais assustadora. Ela não é
maligna. Ela é só as suas próximas 4 horas. Depois você vai pra casa,
comemorar, de preferência. <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Eu sei que eu fiz isso. <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Então, basicamente é isso. Muita boa sorte aos meus queridos
que vão prestar o concurso e que tem no coração a certeza de que fizeram tudo o
que puderam para se preparar. Lembrem-se, o prêmio de Nocaute ou Submissão da
Noite é pra pouquíssima gente, mas o prêmio de Luta da Noite tá só esperando
você, que se dedicou que nem um louco pra conseguir o que quer! <o:p></o:p></span></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 8pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Rumo ao MP, galera!<o:p></o:p></span></div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-44143869584327102142013-06-19T04:00:00.000-07:002013-06-19T04:00:11.228-07:00Vocês querem falar Revolução? Vamos falar Revolução.<br /><div class="MsoNormal">
Esse movimento-protesto tem ganhado muita força e chamado
atenção em âmbito nacional, o que eu acho interessante. O Brasil tem de fato ido
às ruas para levantar a clava forte; todo dia vemos notícias de mais e mais
protestos com mais e mais gente e até mesmo mais e mais violência. <br />
E isso, diga-se de passagem, mesmo sem o apoio da mídia de massa. A Rede Globo
finalmente está expondo a tirana que é, negando firmemente todo o conteúdo dos
protestos, fazendo o que pode para desvirtuá-lo, ajudando assim o público em
geral a enxergar a farsa manipuladora que ela é e que sempre foi. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Mas então, eu estava aqui pensando em participar do ato de
quinta-feira e percebi que não sei o que
escrever no meu piquete. Isso mesmo, não sei quais palavras erguer sobre a cabeça
lá, no meio da confusão. Pelo que esses protestos querem ser lembrados? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Não me entendam mal, minha mente é tão revolucionária quanto
se pode conceber. Quem me conhece sabe o que penso dos Poderes Políticos
(Executivo e Legislativo), sabe o que penso do responsável pela aniquilação da
democracia nestes últimos anos (PT), sabe o que penso de um monte de coisas. Você
quer falar em revolta? Acredite, eu sei falar em revolta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Aí chego num impasse: sobre o que estamos protestando?
Claramente não é por causa dos 20 centavos, então não colocarei isso. Todo bom
escritor sabe o tópico de seu texto, tanto quanto todo bom revoltado sabe o
motivo de sua insatisfação. Os motivos mais nobres que vejo são o combate aos
infamosos projetos de lei (PEC 33, PEC 37, etc...), mas paremos para refletir: <br />
Povo, vocês sabem o que é um projeto de lei? Pois é. Projeto de lei é o que
cada político legislativo faz todo santo dia no Congresso. Existem MILHARES
deles, e esses poucos que nos ultrajam são uns dos poucos que ouvimos falar. E
detalhe: se um projeto de lei é descartado este ano, ele pode ser proposto
novamente na próxima sessão legislativa, isto é, ANO QUE VEM.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Se eu botasse nominalmente “PEC 33, PEC 37, etc” no meu
piquete, eu me sentiria um belo idiota. É como tampar o sol com a peneira, é
como tentar conter o fluxo de um rio com duas colheres de chá. É imbecil.
Então, com certeza não é isso que vou botar no cartaz. E aí, sobra o quê? De
repente, não me parece mais uma boa ideia para as ruas. Não para conferir o meu
aval a este movimento. <br />
Vocês querem saber o que eu quero? Porque eu tenho ideias, sim senhor. Eu sei
muito bem o que fede nesse país. Eu sei muito bem o motivo pelo qual me ultrajo todo dia quando
leio notícias políticas. Eu sei o que está impedindo este país de ir para
frente. Eu sei.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Vocês querem fazer esse movimento valer a pena? Então sabe o
que eu exigira? CABEÇAS.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sim, CABEÇAS. Cansei de pedir migalhas para receber farelos. </div>
<div class="MsoNormal">
<br />
CABEÇAS no aspecto político da coisa. Eu exigiria a PERDA DOS DIREITOS
POLÍTICOS da GRANDE MAIORIA DAS PESSOAS QUE VOCÊS MESMOS BOTARAM NO SENADO
FEDERAL, NA CÂMARA DOS DEPUTADOS E NA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Vocês querem
falar Revolução? Falemos Revolução. Impeachment da PresidentA Dilma no dia 1. Rebenta
arrebentada e ilegitimada do Lula e do PT, ela não vale as roupas que veste. É
a maior evidência do controle irracional e tirânico que o partido exerce sobre esta
população de idiotas. Deve ser a primeira coisa a partir. SEGUNDO? Julgamento
do Lula pelo seu envolvimento no mensalão e em outros escândalos. JOGUEM O
DITADOR NO FOSSO. Deem-no ao STF, pois o STF sabe o que fazer com gente
corrupta. Terceiro dia? Congresso Nacional. Vamos retirar do Legislativo toda a
podridão intelectual que lá existe. Quero perda do direito político de quase
todo mundo que está lá, principalmente dos filhos da puta da bancada
evangélica, que ultimamente tem tentado meter o dedo em todos os orifícios políticos
e judiciais desse país. Porque, se vocês não querem mais ver projetos de lei
IDIOTAS E RETRÓGRADOS, retirem do poder gente IDIOTA E RETRÓGRADA. <br />
PAREM DE PENSAR PEQUENO. NÃO É SOBRE 20 CENTAVOS, É SOBRE FAZER O QUE É CERTO
PARA O PAÍS. NÃO É ISSO QUE VOCÊS FALAM? NÃO É ISSO QUE VOCÊS QUEREM? POIS
VOCÊS PODEM AUFERIR O QUE DESEJAM, POIS VOCÊS SÃO O POVO. <o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
REVOLUÇÃO? REFORMA POLÍTICA. HOJE. AGORA. PERDA DOS DIREITOS
POLÍTICOS.<br /><br />COMEÇAR DE NOVO, COMEÇAR BEM. <o:p></o:p></div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-21061005735073759162013-03-26T11:33:00.002-07:002013-03-26T11:33:23.549-07:00Jim Carrey e a impopularidade<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
Jim Carrey
sempre foi um ator popular, mas dessa vez ele se meteu na linha de fogo de
metade da população americana. E da metade que realmente tem porte de arma...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
Ontem, o ator
publicou no site FunnyOrDie um vídeo de sua autoria e com sua atuação e cantoria com um objetivo
muito simples: atacar o direito nacional (e polêmico) vigente no país que permite
a comercialização pouco criteriosa de armas de fogo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
Como tópico
frasal do vídeo, Jim Carrey satiriza Charlton Heston, ator falecido e histórico
na cinematografia americana. O ator era conhecido pela sua ligação à armas de
fogo, e no vídeo Jim Carrey chega a mencionar que ele não teria conseguido
entrar no céu, pois não houve anjo que conseguisse lhe tirar os revólveres
(uHAUAHUA). Usando a figura como porta de entrada na mente dos amantes das
armas, Carrey procura passar uma mensagem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
Infelizmente, a população americana que aprecia a faculdade de ter ou não porte de arma, que é a maioria do país, não gostou nem um pouco da iniciativa do ator e tem retaliado bastante. O ator tem sido bombardeado no Twitter e no You Tube com mensagens-respostas pouco agradáveis. Ele, sempre de bom humor, apenas enfatiza que tem direito à opinião. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
Eu demorei a
conseguir achar o vídeo, mas vou logo publicar para vocês terem uma opinião
própria. Confesso desde já que gostei do curta, achei engraçado e apreciei a
crítica social por trás dele. Não vou julgar a opinião do Jim Carrey, já que
não moro nos EUA e nunca vivi seu estilo de vida. Mas de uma coisa eu sei: como
é bom ver o comediante de volta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
Jim Carrey
começou sua carreira como comediante stand-up, o que pude prestigiar apenas
recentemente através de vídeos antigos postados no You Tube. Inútil dizer que o
cara era talentoso demais, né? Infelizmente, nos últimos anos o comediante por
trás do ator sumiu, enquanto ele se dedicou a produzir longas que, bons ou
ruins, nada tinham a ver com o seu humor ácido de início de carreira. Agora,
ele retorna à forma com esse excelente vídeo que explora tudo que o deixou
famoso: ideias malucas, boas piadas, aptidão física para caretas e sonoplastias
e conteúdo cômico. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
Para mim, o
humor tem que ser assim mesmo: audacioso, desbravador. E vocês, o que acham? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
http://www.funnyordie.com/videos/0433b30576/cold-dead-hand-with-jim-carrey<o:p></o:p></div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-81258868637654309392013-03-09T11:11:00.001-08:002013-03-09T11:16:00.057-08:00Coração de Lutador, parte 3.<span style="color: white; text-indent: 21.25pt;"><i style="background-color: black;"> Subtítulo: Mudança nas regras</i></span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;"> 37 anos tinham chegado e partido. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">O coração do Médico estava acelerado quando os
seus pés desceram do carro ao chão. A casa à sua frente era exuberante, fiel
rebento da bela arquitetura. Não chegava a ser a mansão que ele imaginava, mas
o bom gosto não se mede em metros quadrados. O motorista que lhe levara ali
logo se adiantou para conduzi-lo à porta da frente. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Dentro da casa, uma senhora que trabalhava era a
única pessoa à vista. Na sala onde o Médico foi deixado para esperar, retratos
de família e pôsteres de outros tempos adornavam mesas e paredes. Metade dos
pôsteres mostrava o dono da casa nos tempos em que ainda lutava, e o Médico
sabia identificar todos os eventos.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Muitos anos no passado, apesar de não gostar de
MMA, o Médico forneceu seus serviços em um evento de lutas, e foi o suficiente
para modificar sua opinião sobre o esporte. Logo na sua primeira intervenção, o
Médico tomara uma decisão em relação ao diagnóstico de um lutador que acabara
evitando que o seu oponente, que era o favorito, ganhasse. O Dono desse evento
dissera que tomaria as providências para que ele nunca mais fosse convocado
para diagnosticar lutadores novamente, e assim o fez. O médico não mentiria se
dissesse que aquilo pouco lhe importara; na verdade, aceitara a oportunidade
apenas para prestar favor a um colega e não chegara a pretender tornar aquilo profissão.
O que importou de fato foi o efeito que aquilo lhe causou: entrara no octógono
pela primeira vez um crítico do esporte, saíra amante. Daquele dia em diante,
acompanhou todas as lutas de artes marciais de que teve oportunidade. E era por
isso que conseguia nomear cada uma das lutas ali representadas, seu ano, seus
vencedores e outros detalhes técnicos. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">- Vejo que minha coleção pessoal lhe agrada,
doutor. – uma voz de repente deu vida ao ambiente em volta do Médico, que não
conseguiu conter a empolgação . <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Aquele por quem o Médico quebrara as regras
médicas, e que posteriormente o mundo
consagrou como “O Lutador Paciente”, estava ali, bem na sua frente, como apenas
uma única vez esteve antes, 37 anos atrás. E o Médico ficou chocado. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Há tempos não se via fotos do Lutador. Aposentado
aos 42 anos, o lutador abraçou o ostracismo não muito tempo depois. Não saía
mais de casa, e quando o fazia tomava as precauções para não ser capturado pelo
olhar ou câmera de ninguém. Não se sabia explicar por quê. A fama em excesso
havia lhe exaurido, diziam. O Médico, aliás, pessoalmente, sempre acreditara
nesta teoria.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Responsável em grande parte pela popularização do
MMA como esporte, o Lutador Paciente foi erguido ao status de ídolo mundial.
Dono de uma personalidade magnética que encantava qualquer um, junto com uma
qualidade sem precedentes nas artes marciais, o Lutador foi explorado em
excesso pela mídia. Alvo das grandes revistas e das grandes manchetes por anos,
ele parecia dificilmente obter sossego. O interessante é que, apesar de tudo, de
onde quer que se olhasse, ele manteve uma conduta exemplar. Nunca fora sequer
parado por dirigir alcoolizado. A dedicação ao esporte, por sua vez, era
perceptível a qualquer um que assistisse lutas suas em sequência; as melhoras
eram sempre evidentes. Após a vitória na noite em que o Médico evitara que ele
fosse impedido de lutar, o Lutador Paciente precisou vencer mais três lutas
para conseguir a disputa pelo título, empreitada em que foi igualmente bem
sucedido. A luta aconteceu em 2 anos no evento, e o Paciente contava então 25
anos de idade. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Deteve o cinturão dos médios durante 11 anos,
estabelecendo um recorde folgado. Durante seu sexto ano de reinado, ele subiu à
categoria dos meio-pesados, em desafio ao campeão desta, e o venceu,
tornando-se detentor de 2 cinturões, que manteve por mais 4 anos. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Até que sofreu sua primeira derrota na organização,
na sua 4ª defesa de cinturão nos meio-pesados. Com 35 anos, seus reflexos
começaram a minguar. Conseguiu defender o cinturão de sua categoria original,
os médios, mais uma vez. Logo em seguida, perdeu-a também. Despido de ambos os
títulos, e apesar das especulações da mídia acerca de sua aposentadoria, o
Lutador procurou se recuperar e obteve mais algumas vitórias para disputar
novamente contra o campeão, angariando no caminho prêmios diversos, inclusive pelas
melhores lutas de 3 anos consecutivos. Não obstante, nunca mais conseguiu
reaver título algum; a pontuação dos juízes sempre frustrava suas empreitadas. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Até que, na 2ª tentativa de reaver o título dos meio-pesados,
o Lutador Paciente sucumbiu a um soco direto seguido por uma avalanche de
marteladas na cabeça durante o terceiro round, sofrendo o primeiro nocaute de
sua carreira. Foi, indiscutivelmente, a noite mais chocante em vários anos da
tele transmissão de eventos de MMA. A equipe de médicos do evento abriu as
portas do octógono e logo se aglomeraram ao seu redor. Durante 4 minutos, o
mundo assistiu em silêncio enquanto o Lutador Paciente permanecia estirado no
chão do octógono, braços e pernas abertos, imóvel enquanto sua respiração rouca
puxava ar com dificuldade e barulho (o Médico nunca mais esqueceu aquele
barulho: um ranho intermitente, quase inumano, causado pelo nariz quebrado). Após
os 4 minutos, que mais pareceram uma eternidade, o Paciente lentamente
readquiriu o movimento do corpo e se sentou no banquinho; quando finalmente o
fez, foi sob uma salva de palmas. Durante semanas a fio aquela cena assombrou a
mente do Médico, que sempre sentira alguma espécie de ligação com o Lutador
Paciente, quase como se fossem amigos distantes. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">E aquela não foi a sua última luta. Após um ano
parado, o Lutador voltou novamente ao octógono, tão destemido como sempre, mas
incapaz de reunir vitórias em sequência. Antes de se aposentar, chegara a
vencer várias vezes ainda, assim como perder outras tantas; destas, pelo menos
outras 4 por nocaute. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Agora, à sua frente, o Lutador Paciente era um
senhor. Cabelos prateados, corpo emagrecido, coluna torta. O Lutador precisava
de uma bengala agora. Sua face estava já bem enrugada; as cicatrizes dos cortes
sob ambas as sobrancelhas eram pronunciadas. O nariz, quebrado algumas vezes no
decorrer dos anos, era grosso e lhe dava uma aparência ainda mais rústica. O
Paciente tinha 60 anos, mas parecia ter 80. Uma dor indefinida percorreu todo o
corpo do Médico, pois a noção de que chamara jovem àquele homem quando o vira
pela primeira vez, somada a tantos anos assistindo-lhe lutar, havia tornado
impossível desassociar sua imagem do conceito de <i>vitalidade</i>. Agora, entretanto, ele parecia <i>velho</i> e <i>frágil</i>.<i> Mortal</i>. O sorriso que se abriu em seu
rosto, no entanto, por algum milagre incompreensível, era exatamente o mesmo
que, quando jovem, abria na lembrança do Médico, pouco antes de botar a mão no
peito e falar: <i>“Coração, doutor”</i>, 37
anos no passado. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">- Quanto tempo, doutor! – falou o Lutador
Paciente, estendendo-lhe a mão. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Cumprimentaram-se cordialmente, trocaram palavras
de apreço. O Médico, que estava ali a pedido do próprio lutador, aproveitou
para agradecer-lhe: sua viagem tinha sido à custa dele. Afastando o
agradecimento com a sacudida da mão e agradecendo ele próprio pela presença do
médico ali, o lutador chamou-o para sentarem-se. Longa e descompromissada
conversa foi entabulada, onde, em diversos momentos, o Médico esquecia-se de
conter a própria animação por poder trocar palavras com aquela figura, mas sempre
lutando contra a compaixão por sua aparência no peito. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Após não muito tempo, a conversa amena cessou. Um
momento de silêncio se seguiu. O Médico sentiu que o Lutador se preparava para
dizer algo. Imediatamente sentiu-se mal: a expressão do Lutador não era boa. O
olhar deste subitamente foi ao encontro de uma fotografia na parede, e o que
ele disse em seguida veio como que fruto de recente lembrança. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">- Eu tenho Encefalopatia Crônica, doutor- confessou,
subitamente, o Lutador Paciente.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Esta revelação explodiu como uma bomba na mente do
Médico; os estudos sobre aquela doença não eram muito acurados, mas sabia-se
que ocorria com certos pugilistas e lutadores com muita experiência.
Encefalopatia Crônica do Boxeador é uma doença que reúne traços do Mal de Parkinson
e o Mal de Alzheimer e que leva invariavelmente à demência. Mas antes que o
médico pudesse reunir coragem para falar alguma coisa, o Lutador Paciente deu
prosseguimento: <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">- Meu pai eu desconheço, doutor, e minha mãe foi
professora - disse ele, com o olhar ainda em algum lugar, mas algum lugar do
passado. Sua fala era devagar, incerta – Ela ministrou aulas no ensino
fundamental municipal durante 18 anos, e o fez com alegria e comprometimento-
falou, saudoso- Até que um acidente a condenou à paraplegia, isto é.- falou o
Lutador. Seu olhar logo ficou cheio de dó.- Um motorista doido, desses de todo
dia. Desnecessário dizer que ela perdeu o emprego, mas conseguiu alguma
indenização do responsável. O suficiente para nos sustentar durante algum tempo.
<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">O Médico pôde ouvir as mãos do lutador aumentarem
a pressão que faziam sobre o cabo da bengala que ele portava. Ele logo percebeu
que a mão direita do Lutador tremia fortemente. Sem tomar conta disso, o
lutador continuou. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">- Pouca gente sabe disso, mas aquela foi a única
vez que <i>realmente</i> perdi na vida,
doutor. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Subitamente autoconsciente, o Médico sentiu o
nervosismo apossar-se dele. Nem sabia o que fazer com as mãos, ou como se
sentar. Tudo o que ouvia era novo, até porque o Lutador nunca foi de falar de
sua vida ou de sua história familiar nas reportagens que concedia.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">- Foi uma época difícil, sabe? Mamãe voltou para
casa numa cadeira de rodas, e acho que se conta nos dedos a quantidade de vezes
que deixou a residência antes de morrer. Eu era um jovem com uns 15 anos, e
comecei a sentir a ira. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“A ira é um sentimento forte, doutor, e ela causa
um distanciamento entre nós e o resto de nossos sentimentos, e com isso fica
mais forte. Eu abracei esse <i>looping</i>.
Eu me tornei violento, doutor. A primeira vez que tive contato com uma luta foi
numa briga de rua que eu mesmo provoquei; admito que por motivo nenhum. E por
muitas outras vezes procurei brigas novamente.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“A maioria eu ganhava. Não por causa do tamanho ou
da experiência, mas só porque pouca gente batia para machucar como eu. Até que
um dia eu arrumei briga com um sujeito de academia. Ele lutava Boxe, eu lembro,
e ao aceitar meu desafio, convenceu-me a lutar no ginásio dele. Lá, entramos
num ringue e nos enfrentamos, sem luvas nem nada. Eu levei a pior surra da
vida, doutor. – o Lutador riu, e até sua risada era lenta- Lembro que apanhei
tanto que nem consegui mal consegui chegar em casa, tanta era a dor. Dois dias
depois, retornei à academia. Não atrás de vingança, mas atrás daquele tipo de
conhecimento.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Foi quando as artes marciais finalmente entraram
na minha vida, doutor, e eu senti aquele clique, sabe? Aquele clique as pessoas
sentem quando se apaixonam... Pois sim, eu me apaixonei pelas artes marciais.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">O Lutador pausou por um momento, observando sem
atenção algo através da janela. A tremedeira em sua mão amainou. O Médico não
conseguia espantar a impressão de que a qualquer momento a voz do seu
interlocutor ia acabar, tanta era sua instabilidade.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Em pouco tempo, o dinheiro da indenização da
mamãe acabou e eu tive de largar a escola para arrumar empregos. Claro que não
larguei a luta; sempre arranjava tempo para treinar. Apaixonei-me por uma bela
moça não muito depois. Foi como vivi por alguns anos: emprego, treino e minha
namorada. Ela vivia lá pela minha casa, de modo a fazermos companhia para minha
reclusa mãe.” <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Leviano que fui, como é característica flagrante
dos jovens, logo minha namorada engravidou pela primeira vez. De início, não
achei que seria um problema: não fugi de minha responsabilidade e casei-me com
ela. Infelizmente, essa sensação de tola segurança não sobreviveu quando, pouco
depois de nosso primeiro filho, descobrimos que outro logo viria também. Foi
quando eu senti que de forma alguma minha vida estava tomando forma; só não das
melhores.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Eu já estava então realizando minhas lutas no
circuito amador, e com a descoberta de nossa segunda gestação, entrei para o
circuito profissional. Meti-me em umas lutas sangrentas em lugares
subterrâneos, doutor, em lugares sombrios e em lugares escondidos.- O lutador,
instintivamente, botou as mãos na frente da boca, escondendo-a. Parecia
doer-lhe lembrar daqueles tempos.- Os pagamentos garantiam as duas semanas
seguintes e geralmente só. Os cortes e machucados, por outro lado, demoravam muito
mais do que isso para sarar...- uma lágrima escorreu pela face do Lutador, e o
Médico pôde ter uma ideia da crueldade desses tempos- As trocas de emprego por
causa de minha aparência, as noites sem dormir por causa das feridas que
reabriam, as costelas trincadas, as mãos que eu não conseguia fechar ou abrir,
o choro dos meus filhos de madrugada... – a voz dele era trêmula e falhava de
vez em quando- Eu sei que eu tenho um coração de lutador doutor, mas é porque
eu vi a forja em que ele foi criado, e foi com o calor do inferno e o martelo
da realidade que ele tomou forma.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">O médico percebeu que a perna direita do lutador
tremia, embora ele tentasse esconder. Sua respiração, que estava acelerada, foi
se controlando até que o Lutador readquirisse sua calma. Após alguns longos
instantes, ele retomou: <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Seria contraditório dizer, doutor, que eram as
minhas lutas responsáveis também pela maior parte da minha felicidade? Lutar,
sentir toda aquela adrenalina queimar, ser respeitado dentro do ringue, fazer o
que eu amava... Eu me via em novas lutas antes de sararem as costelas trincadas
ou as mãos recuperarem os movimentos completamente. Ali, lá dentro, é que eu me
sentia vivo. Não em casa. Não. Passamos a morar eu, minha esposa, meus filhos e
mamãe na mesma casa, doutor, e o único momento em que eu tinha vontade de
morrer era quando eu entrava pela porta da frente e... – o lutador estendeu um
pouco uma de suas mãos, como pudesse tocar alguma coisa-... mamãe estava ali,
acordada e triste, em sua cadeira de rodas. Seu cabelo amarrado num coque que
prateava cada vez mais. Seus olhinhos fundos me esquadrinhando. Ela não dizia
nada, doutor. Apenas me olhava... daquela forma. Como se eu não soubesse o que
estava fazendo. Como se eu fosse uma criança perdida. Aquilo doía tanto,
doutor... Ela me esperava acordada porque não conseguia dormir antes de saber
que eu tinha chegado bem em casa. Eu quebraria minhas mãos mil vezes para que
ela não precisasse sentir aquela dor pelo filho dela, sabe? E eu acho que eu de
fato tentava quebra-las. Todos os dias, na academia, e em todas as lutas. Até
que eu comecei a passar tanto tempo treinando que minha mulher ameaçou me
largar, e a visão da porta batendo às suas costas sob promessas de não retornar
mais me derrubaram mais que qualquer cruzado de direita. Ossos quebrados doem,
mas é o coração partido que não tem remendo. Meu casamento, a única coisa que
eu tinha de verdade, quase acabou”.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“E não me entenda errado, eu nunca fui nenhum tipo
de super prodígio no aspecto profissional, doutor. Não permaneci invicto em
minhas lutas amadoras, não... Perdi inclusive em minha luta de estreia no
circuito profissional. Foi com muito suor que eu consegui juntar uma boa
quantidade de vitórias para merecer substituir um lutador no maior evento da
época- o lutador lançou um sorriso e um
olhar cheios de significado para o Médico- Aquela noite, doutor, em que o
senhor supervisionou a luta, foi quando tudo mudou.” Um silêncio se apresentou
entre o médico e o lutador, enquanto este parecia considerar alguns pensamentos
em sua cabeça. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Sabe, se eu não tivesse vencido aquela luta, se
eu não tivesse conseguido passar na minha prova de fogo para ser contratado
pelo evento, eu teria de desistir do esporte, doutor. Eu não conseguiria manter
minha família; meus filhos estavam crescendo e minha situação econômica parecia
encolher como os sapatos dos moleques. Eu tivesse perdido aquela luta,
aposentaria minhas gastas luvas naquele mesmo dia e me entregaria aos empregos
meio-boca, informais, mas que pudessem pagar minhas contas com segurança maior que
aquela que eu extraía da minha cartilagem, dos meus ossos e do sangue de minhas
artérias.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Mas eu venci, doutor- ele sorriu a boca torta- eu
venci porque, quem sabe, talvez o senhor tenha visto tudo o que passei olhando
fundo nos meus olhos e me dando aquela oportunidade única de prosseguir na
luta. História de vida tem um cheiro, eu sempre digo. E a partir daí, minha
história deu certo.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Eu viajei o mundo, doutor. Eu conheci os Estados
Unidos, eu conheci a Europa. Eu fui até a China e voltei. A maioria de minhas
passagens era paga pelo evento, para melhorar ainda mais. Eu fiz turismo pelo
mundo quase todo sem gastar um tostão; de primeira classe ainda. Minha primeira
parada foi, entretanto, a casa de minha esposa; não adianta desbravar o mundo
sem um copiloto, se é que o senhor me entende. E minha família inteira conheceu
o mundo, doutor, junta. Aos gritos, eu disse à minha esposa que a amava
enquanto tirávamos fotos no topo da Torre Eiffel; com sussurros ela
correspondeu esse amor enquanto jantávamos no Japão, ou tomávamos café na
Suíça, ou dançávamos na Rússia, ou fazíamos amor na Argentina. Nossos filhos
estudaram nas melhores escolas que o dinheiro pode pagar. Meu mais velho se
interessou pelo Direito e demonstrou garra ainda maior que a minha estudando
anos afora para obter sua aprovação em Harvard. Meu segundo preferiu fazer
Medicina em Oxford. Meus outros dois filhos, que vieram bem depois de minha
tranquilidade econômica, também vieram a escolher as melhores faculdades para
suas respectivas áreas- o Lutador Paciente sorria intensamente, olhando suas
fotos na parede. Às vezes, ele demorava demais para retomar a conversa, mas o
Médico tentava afastar de sua mente aquela característica tão parecida com um <i>sintoma</i>.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Todos eles tem faixa preta em Muay Thai e Jiu
Jitsu, doutor. Mas mais que tudo, todos eles são faixa preta em perseguirem os
próprios sonhos. Eles estão crescendo, sabe? Eles criaram asas e voaram. Se
espalharam pelo Globo, cada um buscando o que lhe pertença. Cada um com suas
próprias batalhas, com suas próprias vitórias e derrotas. E eles me ligam todas
as noites; todas as noites- num sinal de profunda emoção, o Lutador Paciente
colocou uma mão sobre o peito, trazendo imediatamente à mente do Médico a
imagem daquele jovem determinado que lhe provara a existência de uma força
maior em cada ser humano, 37 primaveras antes; e ver que agora a mão do Lutador
quase chacoalhava enquanto ele repetia o gesto fez o Médico sentir as próprias
lágrimas escorrerem pelo rosto. Um retrato imperfeito.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Mamãe viveu para me ver ganhar o cinturão,
doutor- falou o Lutador, após grande e sentida pausa- Ela me viu tomar as
rédeas de meu destino à força assim como eu vi minha bonança financeira comprar-nos
uma casa maior e mais confortável, cheia de facilidades para sua... <i>suas debilidades</i>. Eu tanto tentei
leva-la para conhecer o mundo conosco, mas ela não quis... – o Lutador abaixou
a cabeça com a lembrança- Dei tudo o que pude à Mamãe, inclusive meu tempo e minha
presença; afinal, lutar nos grandes eventos era <i>fácil. </i>Uma luta a cada 3, 4 meses, tempo de sobra para me preparar
e para viver minha vida de filho, esposo e pai. E como treinar para mim sempre
foi um prazer, eu sinto que a partir de então vivi minha vida como um homem em
férias eternas. Mamãe faleceu quando eu tinha 29 anos, e eu espero que eu tenha
podido ajudar a diminuir o desgosto que ela sentia pela vida.- o Lutador mais
uma vez se perdeu em reflexões- Sabe, às vezes eu acho que a maior tristeza
dela não foi perder a movimentação das pernas, mas perder a movimentação das
ideias que ela gostava de semear nos alunos quando ensinava suas classes... – e
mais uma vez com olhos vermelhos, o Lutador olhou para cima, numa espécie de
prece. No seu rosto enrugado, um aspecto abatido- ... mas eu espero que ela
saiba que eu não teria sobrevivido sem as lições que ela me ensinou com a vida
que ela levou.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">O médico não sabia o que dizer. Uma coisa o
incomodava lá no fundo de seu subconsciente, e ele não sabia como expô-la. Logo
o Médico voltou a falar; e com a intenção de concluir.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Fui diagnosticado aos 49 anos. Vários sintomas já
tinham começado a aparecer, ainda que fracos. Hoje, minha memória vai e vem
como uma lâmpada com mal contato, doutor. O rosto de minha mãe já começa a
ficar enevoado se eu não procuro me policiar para checar a foto dela que
carrego na carteira. Meus membros enrijeceram. Às vezes preciso de ajuda para
beber água ou me alimentar, em virtude das tremedeiras. Tenho dificuldade para
organizar minha fala e quase não consigo mais escrever. Nos último anos, tenho
me mantido em casa; ocasionalmente saio, mas tomo precauções para não ser visto
ou reconhecido porque não vejo necessidade de as revistas unirem-se aos
espelhos me minha casa para me maltratar.”<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">“Continuei treinando, por prazer, até os 53 anos.
Quando eu não conseguia mais avançar em diagonal ou sequer usar o quadril para
jogar meus golpes, foi quando eu adotei a bengala e abandonei os
sacos-de-pancada. E é isso que dói, sabe doutor? Não é a doença em si... É
nunca mais poder calçar uma luva por causa das mãos que tremem- falou o Lutador.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">De repente, a porta da frente se abriu e uma
senhora entrou. Carregava sacolas e falava ao telefone. O motorista vinha atrás
segurando mais uma porção de sacolas. Ambos estavam distantes e acabaram
passando sem ver quem estava na sala. O médico, sobressaltado, de repente
sentiu-se um intruso. O Lutador olhou para ele com um sorriso e disse:<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">- Minha esposa. A mulher da minha vida e a melhor<i> corner</i> que qualquer lutador já teve -
brincou.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Logo a senhora reapareceu, sorrindo e dando um
beijinho no Lutador.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">- Aí está você! Não vai me apresentar a visita? <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">- Oras, esse senhor é um ilustre amigo que o tempo
cuidou de afastar- respondeu o Lutador. – Este é o Médico de que sempre lhe
conto!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">A senhora imediatamente esbugalhou os olhos.
Cumprimentou o Médico, pediu desculpas por não ter se dirigido a ele antes e o
tratou com excesso de respeito e cuidado. Após as cortesias, ela avisou que
tinha falado com o filho mais velho do Lutador, e que depois teria boas notícias
para lhe falar. Pediu licença e deixou os dois amigos a sós. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Foi então que o médico manifestou algo que já
há algum tempo comia-lhe por dentro. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Pediu desculpas. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; tab-stops: 299.35pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;"> <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Capítulo 2.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">O Médico explicou que não podia deixar de se
sentir culpado. Disse que não conseguia ignorar como tudo aquilo parecia ser
culpa dele. Chamou a atenção do lutador para o fato de que ele mesmo avisara,
naquela noite do evento, que tinha obrigação de parar a luta em prol do próprio
lutador. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">Era para isso que os médicos estavam ali no <i>corner</i>,
afinal. Para evitar que os lutadores sofressem aquele tipo de dano. A
responsabilidade por aquilo tudo era, e o Médico achava que o Lutador não
deveria ignorar aquele fato, do próprio Médico. Até porque se ele tivesse
parado a luta... Se alguém houvesse parado a luta em algum momento... <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<span style="background-color: black;"><span style="color: white;">O Lutador Paciente observou-o em silêncio por
mais um tempo. Sua dificuldade de organizar as ideias tornava-se cada vez mais
evidente. <o:p></o:p></span></span></div>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">“Eu sofri 8 nocautes na minha carreira, doutor. Mais para o final dela, o público era extremamente pessimista comigo. Achavam que eu já estava muito velho, que eu não deveria me propor àquele castigo. E as pessoas me diziam, já chega, você já provou o que tinha de provar, você está perdendo. Está na hora de sair, de se aposentar.”<o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">“Eu olhava para elas e não conseguia entender. Você, doutor, tudo o que fez em sua vida, foi para provar algo a alguém que não o senhor? Deveríamos então buscar satisfazer os outros? Era esse tipo de mentalidade que todos nós deveríamos ter? E se eu pensasse assim antes de começar a vencer? Quando perdemos algumas batalhas e as coisas não parecem estar indo bem, nós paramos? É assim que deve ser? Aí então, eu teria largado as luvas e aceitado uma profissão como vigia ou funcionário do McDonalds ou sei lá. Meus filhos teriam crescido nas ruas, com uma figura paterna fracassada e nada mais. Ou quem sabe, vamos mais além agora, talvez eu tivesse feito uma faculdade. Talvez, quem sabe, até conseguisse um emprego razoável. Talvez tivesse fornecido um lar decente para meus filhos. Parece uma opção razoável, não? De fato. Mas você acha belo abandonar o sonhos que são seus para perseguir os de outra pessoa? É isso que os seus pais te disseram para fazer quando você era pequeno? Sonhe com o mundano? Não me entenda errado, eu teria tomado essa direção se tivesse perdido minha oportunidade de entrar naquele evento; eu teria feito esse sacrifício, sem dúvidas; mas pelos meus filhos. Por outras pessoas que não eu. Mas essa situação sumiu para sempre após o meu sucesso no grande circuito. A partir daí, o futuro dos meus eu já conquistara, doutor. Já estava para eles, no banco; o suficiente para uma vida tranquila. A minha missão eu cumpri cedo, e com louvor. “<o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">“Ainda assim, lá estavam meus amigos, preocupados, pedindo para eu parar. Diga-me, doutor, às estrelas o senhor diria que não queimassem, sabendo que o seu fogo é a razão da prematuridade de seu fim? E ao olhar sozinho a noite, negra e sem beleza, sem brilho que aos vivos pudesse encantar, o senhor acharia que a alguém teria satisfeito o seu conselho? Às estrelas, reduzidas à fração do potencial que Deus lhes reservara antes mesmo de nascerem e que agora evitariam brilhar por medo da eterna escuridão que é a morte? Ou até mesmo ao senhor, e aos seus iguais, e aos seus filhos, que nunca mais se poderiam encantar com a beleza que tem um astro que não tivesse medo de abraçar a eternidade que existe nos momentos passageiros, simplesmente por medo de esvair-se antes de lhe tornar a vida colcha dos retalhos das coisas belas que ele nunca conquistara por não ter arriscado mais?”<o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white;"><span class="apple-converted-space"><span style="color: #2a2a2a; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">“ </span></span><span style="color: #2a2a2a; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"><span style="background-color: black;">As pessoas dizem que eu desprezei meu corpo porque fi-lo receber mais punição do que seria recomendável se eu quisesse viver saudável, e elas falam como se eu tivesse desperdiçado alguma coisa, como se eu o tivesse feito por nada. Eu, incompreensivelmente, sinto que amei cada momento de minha vida de todo o coração, porque fiz apenas o que amei. Eu bem que gostaria de me arrepender, sabe? Mas é difícil, pois olho para trás e não vejo um único sonho não cumprido.<span class="apple-converted-space"> </span>
Sabe a única coisa que me dói? Não poder fazer tudo novamente. E isso é mau, doutor?</span><span class="apple-converted-space"><span style="background-color: black;">”</span><span style="background-color: black;"><o:p></o:p></span></span></span></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span class="apple-converted-space"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">“E o amor? O amor que recebo? Você não faz ideia, doutor. A quantidade de cartas e e-mails que recebo o tempo todo. Mesmo hoje, que não apareço em público a anos, recebo cartas. E elas vêm de todos os lugares; elas são escritas em tantas línguas, são tantas histórias... Através delas vim a conhecer pessoas de todo o mundo. Eu leio todas as cartas, doutor, apesar de responder apenas algumas poucas. As pessoas me contam de suas vidas, de suas experiências... É tão lindo, tem tanta gente que passa por provações tão mais difíceis que as minhas. E sabe o mais belo? “Você nos inspira”, dizem as cartas. Jesus, como que eu posso influenciar tanta gente dessas formas, doutor? Nem eu entendo; só sei que amo. Eu acho que a luta é o mais lindo dos esportes, pois é algo com quem todos podem se identificar. Todo mundo é lutador. Do momento em que botamos os olhos em alguma coisa e decidimos que a queremos, nós somos lutadores.”<o:p></o:p></span></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"> “Eu o convidei aqui, hoje, para <i>agradecê-lo</i>, doutor. Meus médicos preveem que meu quadro deva piorar nos próximos anos, e eu já sinto dificuldade para lembrar muitas coisas. Achei que agora, no crepúsculo de minha vida, eu deveria entrar em contato com o responsável por minha aurora; sem o senhor, eu teria morrido naquele dia, doutor. Por isso, sempre senti necessidade de me explicar, sabe? O senhor, mais do que ninguém, merece saber. Uma pessoa que toca a vida de alguém como o senhor tocou a minha deve ser celebrado, doutor. E por favor, jamais sinta-se mal por mim; reste tranquilo, pois naquele dia, naquele evento, se o senhor contrariou os princípios da Medicina, foi para salvar um paciente; e a família inteira desse lutador, e cada uma das pessoas que já me enviaram as correspondências que guardo comigo. ”<o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">E o Lutador estendeu a mão trêmula para o Médico apertar. E então, toda a história do lutador voltou à mente do médico no espaço de tempo de um segundo, enquanto o médico observava aquela mão frágil chacoalhar à sua frente, aquela que foi a mão de mil vitórias, que agora não conseguiria calçar as próprias luvas. Foi só então que o Médico entendeu. Ele finalmente entendeu como que as coisas valem a pena, e ele ficou mais próximo, ainda que pouco, mas inevitavelmente mais próximo de entender aquilo que faz humano o homem; aquilo que Deus, se é que há um, reserva a cada um de nós antes mesmo do nascimento. <o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">O médico apertou a frágil mão do lutador, sentindo toda a sua imperfeição e toda a sua história. <o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">- Você é uma inspiração, Lutador Paciente – reconheceu o Médico- E se você me permite uma segunda intervenção, eu quero que você entenda: o tratamento para a sua doença é difícil; dificílimo. <i>Agora é que começa o campeonato da sua vida.</i> Então apenas me prometa uma coisa: prometa que você vai subir ao octógono de novo, e embora dessa vez o seu oponente seja essa ECB, ele é só mais um Guardião do Portão. É só isso que ele é. E você não precisa se preocupar, sabe por quê? – e então o médico colocou a própria mão sobre o próprio peito. Sorriu.<o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">Pego de surpresa, o Lutador mal conseguiu conter sua reação perante as palavras de carinho do médico. Uma lágrima desceu pelo seu rosto. Imitando o médico, o Lutador Paciente fez o mesmo gesto. <o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"> </span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">Capítulo 3<o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"> </span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">Dormir é difícil. O corpo todo dói. Às vezes, o Lutador não consegue fazer os membros pararem de tremer. Às vezes, tem crises de paranoia que os abraços de sua esposa contém cada vez menos. Às vezes, uma depressão o abate de tal forma que as lágrimas não param de descer até o sol nascer. Às vezes, salta da cama no meio da noite, jurando que ainda tem 22 anos e dois empregos. Às vezes, vários desses sintomas. <o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">Mas, de vez em quando, o Lutador Paciente consegue dormir. Os sonhos são sempre parecidos.<o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">É quando ele é jovem de novo. Coluna ereta, cabelo cortado rente. Ele é forte de novo. Ele entra pela lateral do estádio; 100 mil pessoas gritam o seu nome, acenam e pulam. Ele acena de volta, ele sorri. De repente, ele está dentro do octógono. Ele olha para baixo, toma conhecimento da agilidade de suas pernas, da eficácia de seus pés. Maravilha-se com a maneira como eles se posicionam, instintivamente, da forma correta. A forma que ele aprendeu através de mil aulas de artes marciais. Ele sacode os braços, sente os músculos balançarem ao redor de seus ossos. Abre-os então, como se fosse abraçar o mundo, sentindo a extensão do próprio ser. Não há absolutamente nada que ele não possa fazer; está na melhor forma de sua vida. <o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">Do outro lado, entra o oponente. Às vezes é uma figura de seu passado, algum dos oponentes que ele enfrentou de verdade, outras não. Às vezes, seu oponente é quem detém o cinturão. Então a luta começa e eles tocam as luvas no centro do octógono. <o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">Algumas vezes, o Lutador Paciente ganha. Outras, ele perde. Mas não importa, na verdade. Ele sempre dá o melhor de si. Ele sempre sai sob aplausos. A sua é sempre a melhor luta da noite. <o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">Então, o Lutador Paciente acorda. O sol ainda nem nasceu lá fora, o seu despertador ainda nem tocou. A realidade tem uma aura diferente, composta pela indisposição de seu corpo em contraposição à força de sua mente. Mas foi assim que ele acordou a vida inteira, e é assim que ele pretende acordar até não poder mais. O Lutador dá um beijo na testa de sua esposa. Então o Lutador, o velho Lutador, estica a mão e alcança a bengala. O seu neurologista e os outros médicos chegarão em algumas horas para iniciar o tratamento. <o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">Está na hora da batalha. Todos os dias. <o:p></o:p></span></pre>
<pre style="background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; line-height: 12.75pt; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;"><span style="color: white; font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;"> </span></pre>
<pre style="background: white; line-height: 12.75pt; text-align: center; text-indent: 21.25pt;"><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">- FIM -<o:p></o:p></span></pre>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 21.25pt;">
<br /></div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-89642137192824968442013-02-25T06:09:00.002-08:002013-02-25T06:09:52.356-08:00Decepção na Academia
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.48cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Desde
criança, um dos lados mágicos da minha vida foi o cinema. Sempre
gostei de ler, de escrever, de ouvir músicas, assistir TV... Mas
nada se comparava à telona, sabe? Atores e roteiros e diretores e
trailers e filmes, astronautas e dinossauros e robôs e personagens
mundanos e tudo aquilo que dá vida ao Cinema, dão vida também a
mim. E como consequência, desde cedo acompanho a cerimônia de
premiações da Academia. </span>
</div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.48cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Não
sei se existe isso de dizer que tal filme foi o melhor filme do ano,
sabe? Mas em algum momento na história o Oscar se tornou um aspecto
poderoso da indústria cinematográfica, e por isso ele deve ser
respeitado. Ele alavanca carreiras, ele constrói credibilidade, ele
cria mitos e ele consegue inserir na sociedade uma consciência
bonita, dando concretude à ficção que nos é apresentada pela
indústria. Então se a Academia vai lá e dá o Oscar para um filme
que não necessariamente foi o melhor filme do ano, por mais que haja
frisson negativo, mesmo assim ela faz um favor a todos os filmes; por
mais que a decisão seja opinativa das pessoas que trabalham dentro
dela. Ressalto, claro, que falo das decisões que, por mais que não
sejam populares, ainda respeitam um mínimo de lógica; às vezes,
não há como negar, a Academia sai do seu caminho e premia de forma
totalmente incoerente (como ontem, quando premiaram como Melhor Atriz
uma atriz coadjuvante em uma atuação não mais do que boa).</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.48cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">O
problema é que muita gente não gosta da Ppolítica que a Academia
exerce. Vale aqui fazer uma diferenciação: falo de Política, que,
em termos amplos, se refere à forma de pensar, ao conjunto de
princípios e valores que arbitram decisões livres; não quero dizer
política, com letra minúscula e que é apenas uma interpretação
restritiva, mera vereda do conceito maior já explicado e que se
remede à política governamental, de partidos políticos e poderes
executivos e governos administrativos. Pois bem, essa Política da
Academia ano sim e outro também cai sob chumbo grosso da mídia
especializada. Melhores Filmes favorecidos ou não, diretores
desnecessariamente indicados ou diretores chutados de lado (olhando
pra você, Quentin; tá passando da hora, né irmão?), etc. Via de
regra, as críticas são sensatas mas não aptas a crucificar a
Academia. Oras, a Academia é uma sociedade privada como qualquer
outra, ela tem direito de formular suas próprias opiniões e premiar
quem lhe agradar mais, e eu sempre entendi isso. Por isso, apesar de
me indignar várias vezes, não costumo atirar-lhe pedras. Respeito a
Academia inclusive por ela ser sensível ao seu lugar na Indústria:
ela é uma sociedade privada intitulada à opiniões, claro, mas ela
tem muito poder e geralmente age ciente disso. Essa característica é
importante pois impõe que suas decisões sejam diferentes do que
seriam se não tivesse os ônus que têm. </span>
</div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.48cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Vocês
entendem o que quero dizer? Tenho um exemplo para ajudar: todos os
anos, são premiados Diretores e Melhores Filmes. No caso, o Diretor
sempre sobe para discursar nas duas categorias: na primeira, só, na
segunda, com alguns atores. Mas nem sempre o mesmo diretor do melhor
filme é o diretor premiado. Quem entender de cinema aqui sabe que
isso, no fundo, causa espanto: ser diretor do melhor filme PRESSUPÕE
ser o melhor diretor do ano. Não adianta argumentar: “Nada a ver,
o filme às vezes é o melhor por causa dos atores ou até mesmo do
roteiro, e não só por causa do diretor”, porque esse argumento é
furado. O filme É o diretor, amigos, simplesmente porque o Diretor é
o ÚNICO responsável pelas cenas que você assiste no cinema. O
filme como está na tela foi a forma que ELE visou contar a história.
As atuações são todas influenciadas pela maneira como o diretor
quer seus personagens (como o Tarantino brilhantemente falou ontem em
seu discurso), e o roteiro chega ao telespectador não menos do que
NA FORMA QUE o diretor desejar. O diretor faz o filme, amigos, o
resto do staff, por mais brilhante e importante que seja, é apenas
ajuda (e com isso, eu NÃO QUERO MENOSPREZAR os excelentes trabalhos
que fazem, entendam o que eu escrevo). Amigos, em um plano ideal, não
existe premiar filme sem premiar diretor e vice-versa. Ciente dessa
equivalência, a Academia aproveita para esticar sua Política e
estendê-la, várias vezes, a pessoas diferentes e que mereçam
prêmios. Por isso, prêmio de Diretor para o Ang Lee e de Melhor
Filme para Argo. Simplesmente porque ambos foram os melhores rebentos
do Cinema em 2012, mas por motivos diferentes. </span>
</div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.48cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Pois
bem. Dito isto, posso falar o motivo do texto: a Cerimônia ontem foi
o maior fracasso e a maior decepção dos últimos tempos, sem dúvida
nenhuma. </span>
</div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.48cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Por
quê? Tudo ia bem, o host estava ótimo, as apresentações também,
os filmes eram bons e merecedores, tudo caminhava bem. MAS a Academia
TINHA que ultrapassar a tênue linha entre Política e política e,
assim, corromper a sua premiação. Ao pedir para Michelle Obama,
esposa do Presidente Obama, fazer o anúncio mais importante da
noite, preterindo Jack Nicholson (um dos mais grandiosos nomes do
Cinema), ela conseguiu manchar a própria reputação. Fazendo isso,
veio à tona a ligação política entre o Governo dos EUA e a
premiação de uma Sociedade que se sabe, antes de tudo, mundial.
Oras, uma das organizadoras do evento, eu fiquei sabendo depois, é
filha de um membro da comissão apoiadora do Presidente, e por isso a
Michelle estava lá, selando a presença da Casa Branca num evento
que não tem absolutamente nada a ver com ela. Eu não deveria saber
disso; isso não deveria importar. </span>
</div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.48cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Oras,
na manhã dos Oscars mesmo eu entrei numa discussão com os meus pais
para defender a credibilidade do evento. Minha mãe dizia que a
Academia estava corrompida e que sofria influências externas que lhe
impediriam de realizar a boa premiação. Eu falei que não, que por
mais que às vezes as premiações fossem questionáveis, elas sempre
eram fruto de uma Política válida e que tinham sua própria lógica,
nunca motivadas por fatores externos ocultos. Minha mãe então falou
“E por quê os três filmes favoritos tem o Governo dos EUA como
heróis?”. Eu, sabe-tudo, respondi “Coincidência, oras”.
(Detalhe: entramos nessa discussão porque eu sentia que A Vida de Pi
ou Os Miseráveis devia ser o vencedor, mas que sabia que os
favoritos eram A Hora Mais Escura, Argo e Lincoln). </span>
</div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.48cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Como,
amigos, posso olhar para a mamãe agora sem lhe conceder a vitória
na fundamentação, submetendo minha própria argumentação, sabendo
que foi a Casa Branca quem anunciou o melhor filme? (Melhor filme
este sobre atos seus.) Ang Lee recebeu Melhor Diretor, mostrando que,
como eu, havia dissidentes dentro da própria Academia. Mas as
influências externas podem ter falado mais alto, e por isso quem vai
ser lembrado como o Melhor Filme será o escolhido pela Casa Branca. </span>
</div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.48cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Por
mais que tudo isto que eu disse possa estar errado e, num plano onde
as verdades reais das coisas sejam realmente auferíveis, Argo tenha
sido o melhor filme, não creio que se possa negar: a impessoalidade,
tanto da Academia como da Casa Branca, foram violadas. E aos olhos do
mundo inteiro, o Oscar, em seus minutos finais, virou O Show do
Governo Americano.</span></div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.48cm;">
<span style="font-family: Arial, sans-serif;">Nunca,
em todos os anos vivi dentro do cinema, vi Jack Nicholson, um dos
meus ídolos cinematográficos, sequer dividir a cena com uma figura
política tão limitada nacionalmente quanto a mulher do Presidente.
Por que, então, tenho que assistir isso acontecer no evento que diz
como são as coisas de cinema na vida real? </span>
</div>
<div align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.48cm;">
<br />
</div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-85347966110720668612013-02-16T10:01:00.001-08:002013-02-16T10:01:21.722-08:00Coração de Lutador, parte 2. <br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Subtítulo: O Lutador Paciente. </div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Claro que existe sorte. Essa nunca foi a discussão. Sorte é
jogar algo ao acaso e ver, por um capricho do destino, esse ato desinteressado
frutificar o bom resultado. É, em palavras mais adequadas, despejar um soco ou
um chute e conseguir um nocaute. É inegável a influência de golpes de sorte em
qualquer esporte. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
O problema é que <i>aquele</i>
não foi um. Não existem golpes de jiu-jitsu bem sucedidos por sorte. Uma
finalização de jiu jitsu, o Treinador havia lhes dito, é um micro cosmo. Uma
espécie de ecossistema sensível, onde cada etapa de seu complexo é essencial
para o bom funcionamento da alavanca final. Mais especificamente, a chave de
tornozelo que o Lutador utilizara para ganhar a sua última luta é uma submissão que necessita a imobilização
de todos os músculos contidos na perna do oponente, os bons manuseio e
colocação de rigorosamente todos os membros do aplicador, movimentação de
quadril e, a cereja do doce, boa administração do peso de ambos os corpos. Com
todos esses fatores, pode alguém dizer que foi golpe de sorte? Não, o Treinador
lhes dissera, não foi golpe de sorte. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Enrolando a bandagem nos punhos do lutador, o Treinador
levantou os olhos para mirar seu pupilo.
O rapaz estava cabisbaixo, seus olhos fora de alcance. <i>Injustiçado. Humilhado. </i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Cortaram sua entrevista. Quando um lutador vence seu
combate, é de regra que ele seja entrevistado ao vivo. Seja para oferecer
agradecimentos, seja para desafiar novos oponentes, seja para fazer
declarações, eles sempre são entrevistados. É quando o público pode dar uma boa
olhada no homem que empunha as luvas, admirar o artista por trás da obra. Assim
como ver os machucados que ele sofreu na consecução de sua missão, claro. Mas na
hora, na frente de milhões de pessoas, a entrevista de seu pupilo foi cortada;
comerciais foram exibidos por cima. Ninguém em casa viu seu rosto, ninguém ouviu
o que ele tinha a dizer. Ele foi <i>suprimido</i>.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
A mesma coisa na coletiva de imprensa que se seguiu ao
evento. O Dono da promoção parecia disposto a evitar assuntos que envolvessem o
jovem lutador, quase como se quisesse que ele passasse despercebido. O único
momento em que o Dono referiu-se aos eventos que transcorreram na luta do
lutador foi quando criticou a atuação médica que permitiu a sua permanência no
combate. Alegou que iria responsabilizar o médico pela imperícia, garantiu que
tomaria providências legais. Foi quando aproveitou para tomar a iniciativa de
desrespeitar diretamente o jovem: disse que tudo não passou de um descuido do
oponente derrotado, o então veterano e favorito pelo público. “Relaxou demais”,
“erro mundano”, foram as razões para a derrota. E de repente, o foco de toda a
construção jornalística a respeito da luta não era mais a vitória do jovem, mas
a derrota do veterano. O “erro bobo”. O Dono garantiu que aquele pequeno
embaraço não era motivo para atraso da
eventual disputa de cinturão do favorito, não. Mais uma ou duas vitórias
e tudo aquilo estaria esquecido. Quanto ao lutador jovem? Simples erro médico.
Vencedor casual. Rebento da sorte. “Vocês sabem do que eu estou falando”, foi
concluindo o Dono, “qual é, aquele moleque passou mais tempo sendo atendido
pelo médico do que fazendo algo realmente impressionante na luta. Sim, isso é
um fato. Tanto, na verdade, que deveriam chama-lo de Paciente, sabe? É, o
Paciente. Aí está um apelido para aquele cara”. E assim encerrou a coletiva, e assim
foi como o jovem lutador ficou conhecido nas raras ocasiões em que era
mencionado pela mídia: O Lutador Paciente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Num esporte de apelidos e personalidades que assustam, o
vencedor ficou tido por uma espécie de vítima. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Aquilo doeu. Aquilo afetou profundamente o protegido do
Treinador, provocando mudanças por todos notadas na academia que frequentavam.
O Lutador Paciente não sorria mais. Antes um viciado nos fóruns de internet
sobre vale-tudo, ele não abria mais o computador. Não se aguentava ver
suplantado sem nem saber por quê. O Treinador sabia o quanto ele se dedicava, sabia
o quanto ele estava disposto a ralar pelo ofício. Problemas de saúde, dores,
cansaço, dedicação exclusiva, a vida de quem quer galgar os degraus do sucesso
não é fácil. O mínimo que se pode esperar é algum reconhecimento pelos bons resultados
colhidos no caminho, mas nem assim foi recompensado o Paciente. O Treinador
sabia que a vida dava seus socos, mas ele não era insensível a noção de que com
seu pupilo ela parecia estar exagerando. Embora não hesitasse em proferir
palavras de afeto e motivação, o Treinador sabia o quão difícil seria para qualquer
um aceita-las, frente a provação tal qual a do jovem. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
O que ele fez após a luta? Talvez a coisa mais insana de
sua vida inteira. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Com o salário gordo que recebera com as premiações da
noite, o Lutador Paciente se viu apossado da maior fortuna que já tivera na
vida. Ainda que não passassem de 20 mil reais, aquilo foi o suficiente para que
ele se convencesse a largar os dois empregos que equilibrava e se entregasse ao
treino das artes marciais 11 horas por dia. A maior parte do dinheiro, o
lutador paciente usou para matricular seus dois filhos na melhor escola que a
cidade conhecia, assim como para comprar-lhes roupas que pudessem utilizar lá
dentro ( boas roupas, luxo até antes desconhecido por sua família). Ele quitou
todas as suas dívidas, desde seu aluguel até suas mensalidades com o Treinador.
Reservou algum dinheiro para que os filhos pudessem sair para jantar ou ir ao
cinema de vez em quando, assim como uma quantia para o transporte deles à
escola. Para si, não reservou nem isso: ia a pé todos os dias. A única coisa
que comprou para si com todo aquele dinheiro? A maioria das pessoas não
acreditava quando lhes diziam, mas para si ele adquiriu apenas um novo par de
luvas. <i>Um novo par de luvas</i>. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Era a noite de sua segunda luta, e as bandagens que o
treinador lhe vestia eram velhas e gastas. 4 meses haviam se passado desde sua
luta de estreia e o Lutador Paciente estava com sua conta bancária zerada. O
treinador lhe acautelara quanto à rápida utilização do dinheiro; as
mensalidades das crianças eram excepcionalmente caras. O Lutador Paciente
apenas o olhava com um semblante de quem não compreende. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
“Não se preocupe”, tentou conversar o treinador. “Você vai
vencer hoje”. O lutador olhou e sorriu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
O Treinador sabia que a situação do Paciente era precária;
por algum motivo, a sua segunda luta foi acertada com o Guardião do Portão.
Guardiões de Portão ( os Gatekeepers) são os melhores lutadores da categoria
que já tentaram e fracassaram em lutas contra campeões, mas que não possuem
popularidade o suficiente para tentar outra vez. Acontece que eles adquirem a
alcunha por serem anormalmente melhores que os demais lutadores da categoria,
mas ainda assim incapazes de vencer o campeão. Por isso, adquirem o status de
segundo-melhor e enfrentam os outros pretensos desafiantes em ascensão antes do
campeão. Infelizmente, os gatekeepers costumam ser lutadores detestados pelo
público, simplesmente porque lutam bem demais e costumam vencer desafiantes
mais carismáticos em lutas técnicas e com estratégias repetitivas. Em
resultado, suas lutas não são muito interessantes e acaba que os desafiantes
derrotados terminam minguando após serem derrotados. No caso do Lutador
Paciente, o Treinador imaginava, as coisas seriam ainda piores se ele perdesse.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Tendo em vista a antipatia que o Dono lhe dirigia, era
quase certo que com aquela derrota o Lutador Paciente seria chutado para fora
da promoção para sempre, e ainda com o ônus de ter participado de uma luta que
pouca gente se interessou por assistir. O Treinador não se surpreenderia se ficasse sabendo que o Dono
fizera isso de propósito; que montara aquela luta pensando exclusivamente na
obliteração do Lutador Paciente. Este, para evitar maiores desentendimentos,
fora indiretamente coagido a aceitar a luta. O pior de tudo? Se perdesse aquela
luta, a sua luta anterior finalmente seria concretizada como mera brincadeira
do destino, e ele acabaria saindo da maior promoção de MMA do mundo embaraçado
e sem nada para mostrar. <i>Foi tudo um
plano.</i> Desde a maneira como o Dono se portara na coletiva de imprensa que
se seguira à última luta até o arranjo da seguinte, pensava o Treinador.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
- Eu preciso dessa vitória, treinador- falou, subitamente,
o Lutador Paciente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
- Sim. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
As bandagens, agora quase terminadas, apertavam os punhos
do lutador. Apesar do isolamento acústico da sala, o som da plateia lá fora
ainda conseguia encontrar seu caminho até os ouvidos dos dois. A sala tinha um
ar tenso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
- Acho que é verdade o que dizem. Não importa qual seja, só
há um desafio maior do que o maior desafio que um homem possa encontrar: o seguinte
a esse.- disse o lutador.- Agora eu vejo. E eu estou cansado, treinador. Eu
estou cansado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
“Tenho acordado cedo, muito cedo. Eu acordo bem antes de o
sol nascer e me dedico até bem depois dele ter-se posto. Às vezes eu fico tão
cansado que eu não consigo entender comandos simples, sabe? Às vezes eu fico
tão cansado que a minha mente se perde no meio das conversas mais mundanas, eu
não sei se o senhor sabe do que estou falando. As dores que sinto já estão tão
arraigadas que eu nem as trato mais, aprendi a conviver. Chego a esquecer que
elas estão lá, mas decerto não me lembro mais de tempo em que não as possuísse.
Meu tronco e braços são ralados dos quimonos e das lutas de chão. Minhas mãos
tornaram-se calosas demais para carinhos. Minhas pernas estão sempre com algum
roxo, resultado do calejamento que as fazem ficar mais fortes. Dormir e comer
não são mais prazeres, são artifícios de que devo me aproveitar para maximizar meu
desempenho. O conforto de minha cama eu ignoro, para que levantar cedo não seja
tão difícil, e a comida é sempre a mais saudável e sem-graça possível. Quando
não estou me dedicando, me esforço para não gastar energia. Converso pouco, não
saio muito de casa. Eu não aguento mais, treinador.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
“Mas, ainda assim... Eu sei o que estou fazendo. Pelo
menos, é o que me digo quando estou mais desesperado. Dizem que a vida não exige
mais do que podemos fornecer, e se esse ditado for verdade tenho certeza que se
esqueceram de acrescentar que o que podemos fornecer nem sempre é algo de que
efetivamente <i>já dispomos</i>. Por isso é
importante que nos esforcemos todos os dias para ir além do que fomos no dia
anterior. Para aqueles que perseguem sonhos, ou se vive esforçando-se ou morre-se
fracassando.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
“Se eu não vencer essa luta hoje, treinador, eu terei que
pegar minhas coisas e voltar para casa, para minha vida antiga. Todo o sangue
que eu já derramei terá sido em vão, e eu sei disso desde o final da minha
última luta. Sabe, quando eu percebi que o Dono estava contra mim, eu percebi também
que não haveria segundas chances. Eu não sei por que ele não gostou de mim, sou
só mais um sujeito tentando chegar no topo. Mas quem sabe isso não é um sinal? Esperei
minha vida toda pelo sinal que indicaria que talvez eu pudesse fazer alguma
diferença no mundo. Acho que todos nós somos assim, não? Só nunca imaginamos
que esses sinais geralmente vêm na forma de um soco do destino. E é aí; é aí
que nós temos que olhar bem dentro dos nossos corações e nos perguntar: será que
posso sobreviver ao próximo round? Se nós aceitarmos a derrota, estamos
aceitando que a vida nos coloque onde ela bem entender; perdemos as rédeas de
nós mesmos. Mas se, e só se, nos conciliarmos com a ideia de que para sermos o vencedor
devemos suportar a dor, então... Então eu acho que nós temos uma chance. Aquele
poeta já dizia, não? ‘Tudo vale a pena se a alma não é pequena’. Agora eu
entendo. Agora eu entendo treinador, e eu concordo. Há 4 meses eu tenho
suportado a dor. Me engalfinhei com ela, apertei tanto quanto fui apertado,
esperneei e gritei, já fiz pedidos e promessas de joelhos. Hoje eu acredito que
derramar sangue não é o problema; o problema é não derramar o suficiente.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
“O resultado da luta de hoje é muito importante, treinador.
E eu não peço pela vitória: eu peço a Deus pelo meu melhor. ”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Nesse momento as portas da sala se abriram. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
- Tudo pronto? O Paciente entra em 5.- avisou o homem de
uniforme.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
O Lutador Paciente o mirou e, calmamente, aquiesceu com a
cabeça. “Estou pronto.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
O Guardião do Portão era um lutador assustador. Não era um
brutamontes, não. Tinha um físico maior, mais largo e menos musculoso que o
outro oponente do Lutador. Aparentava aquele tipo de força difícil de se superar,
justamente por ser naturalmente difícil de se igualar. Justamente por isso, a
sua tática era tão simples quanto era eficaz e arrasadora: ele derrubava o
oponente e o esmagava contra o chão. Com o passar do tempo, cobria-o de golpes
e cansava-o inutilmente com a magnitude de seu tamanho. A luta se transformava
então em teste de resistência para os lutadores adversários, que logo tinham o
espírito quebrado para então sucumbirem sob socos ou cotoveladas
violentíssimas. E agora, o Guardião mirava o Lutador Paciente com seu olhar
inescrutável, atemorizante, do outro lado do octógono. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Fazendo jus ao seu apelido, o Lutador Paciente exibia uma
face que misturava calma, ameaça e determinação. O Treinador se impressionava
como de repente o apelido “Lutador Paciente” parecia ter se tornado...
apropriado. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
A luta teve início, e os lutadores se aproximaram. Tocaram
as luvas em sinal de respeito e tomaram suas posições de combate. Após alguns
momentos se estudando, o Lutador Paciente tentou quebrar a concentração do
oponente com jabs rápidos. O oponente esquivou-se andando para trás. O Lutador
Paciente cessou ofensiva, aguardando contra-ataque. O oponente voltou a
aproximar-se, um desafio. O Paciente aproveitou para dar um chute na perna do
oponente. Desapercebido, oponente acabou
levando o golpe. O Lutador, por reflexo, tentou repetir; caindo na armadilha do
adversário. No instante em que sua perna encostou na do Guardião, este
rapidamente a agarrou com um braço enquanto o outro cruzou o ar em direção ao
rosto do Lutador Paciente. O soco atingiu precisamente o seu queixo e, sem ter
como se apoiar, o Paciente caiu de costas no chão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
No solo, o Lutador Paciente necessitou alguns segundos para
chacoalhar a tontura; tempo mais do que o suficiente para que o Guardião
montasse em cima dele e começasse a desferir socos. O público, tão numeroso
quanto na última luta, foi ao delírio. O juiz se aproximou para ver o estado do
Lutador Paciente, e ao ver que ele ainda se defendia com diligência, não
interrompeu a luta. O Lutador, enquanto isso, sofria com a enxurrada de golpes
que o Guardião descia sem pena. O Treinador, lá fora, berrava comandos que não
sabia se eram escutados. De repente, o oponente mudou a estratégia e puxou um
dos braços do Lutador Paciente, tentando uma chave de braço. Na mesma hora, este, percebendo a iniciativa,
ergue-se na medida em que seu braço era puxado e conseguiu rolar para fora do
golpe, separando-se do oponente. Ambos se levantaram, e o Lutador pôde notar o
sangue que vazava de ambos seus supercílios. Frustrado, cuidou de abaixar a
guarda para se prevenir contra outras investidas baixas. O Guardião,
entretanto, deu um pequeno salto agarrou as pernas do Lutador com tanta força
que este foi jogado contra a grade e arrastado para o chão. Cercando-o contra a
grade, o Guardião conseguiu espaço o suficiente para dar algumas cotoveladas.
Mais uma vez o árbitro se aproximou para ver se deveria parar a luta, e mais
uma vez decidiu não intervir. Faltavam 30 segundos para o fim do round, que o
Lutador passou apenas sobrevivendo às investidas do adversário. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
No entre-rounds, enquanto o Stitcher limpava o sangue de
seu rosto e passava vaselina em suas feridas, o Lutador recebeu ralha do
treinador. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
- O que diabos você pensa que está fazendo?!- gritava,
preocupado. – Entregando chutes para ele te derrubar, oferecendo a grade,
errando os sprawls! Não foi para isso que treinamos! Onde você está com a
cabeça, rapaz? Não está vendo que com o seu desempenho nesse round, você vai
ter que submeter ou finalizar a luta para ganhar?! Porque com certeza na
pontuação dos juízes você está perdido!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
O Lutador, embora transparecesse um pouco de nervosismo,
tentava exprimir calma. Pediu ao Treinador que se acalmasse, pois estava tudo
sob controle. Então, o árbitro veio e mandou todos que não os lutadores se
retirarem do octógono. Enquanto saía, o treinador gritou: “Como assim sob
controle?! O que você tem em mente?!”. O Lutador olhou-o, sorriu uma ilusão de
sorriso e voltou sua atenção ao oponente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Com o início do
segundo round, o Guardião se aproximou mais tranquilo, procurando luta.
Encurtou a distância com uma sequência de jabs, mas o Lutador resguardou-se
procurando mais espaço. O Guardião, sorrindo perante o medo que incutira na
presa, buscou-o novamente com mais jabs, ao que o Lutador respondeu da mesma
forma. Mais decidido, o Guardião tentou um dos mais fortes golpes de punho, o
mata-cobra. O Lutador baixou-se e revidou com um curto jab no rosto do
oponente. Percebendo a insegurança do oponente, o Guardião tentou uma rápida
aproximação para buscar a cintura do outro e consequentemente derrubá-lo. O
Lutador, para a surpresa do público, aplicou um chute reto que interrompeu e
afastou o oponente. Surpreso por nunca ter sido interceptado daquela forma, o
Guardião resolveu lutar seguro novamente. Afastou-se um pouco e sinalizou para
que o Lutador viesse pegá-lo. Após curta meditação, o Paciente atendeu seu
pedido e se aproximou, lançando um direto de direita quando teve a
oportunidade. O Guardião passou por baixo e agarrou a cintura do oponente. Lá
fora, o Treinador tapou o rosto com a mão em sinal de decepção. “Estava indo
tão bem!”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Forçando a derrubada, o Guardião pulou abraçado com a
cintura do Lutador, e ambos caíram. Para surpreender o público novamente, o
Lutador conseguiu inverter a posição antes que o Guardião ficasse tranquilo e
conseguiu montar nele. Aproveitou a oportunidade para se levantar e se afastar.
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
O Guardião, apesar de assustado com a velocidade do
oponente em se levantar, ficou contente por ver que ainda era respeitado por
sua luta no solo. Levantou-se e decidiu atacar com fúria. Aproximou-se
rapidamente e lançou outro mata-cobra. O Lutador, em resposta, saltou alguns
centímetros para trás, apenas o suficiente para que o golpe lhe raspasse a
ponta do nariz, e contra-atacou com uma joelhada voadora em máxima velocidade.
O golpe acertou o queixo do Guardião do Portão, e este simplesmente amoleceu e
caiu ao chão. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
O silêncio tornou-se opressivo dentro do recinto. O Lutador
conseguia ouvir sua própria respiração acelerada. A gigantesca multidão de
espectadores ficou muda por alguns instantes, vendo o oponente apagado. O
Lutador não se aproximou do adversário para cobri-lo de socos; apenas aguardou.
O árbitro, percebendo sua deixa, se aproximou e notou que o Guardião estava
positivamente nocauteado. Logo sinalizou pelo fim da luta e levantou o braço do
Lutador Paciente. A multidão explodiu a arena em gritos, aplausos e assobios no
mesmo instante. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
O Treinador, não acreditando, correu para entrar no
octógono, abraçando o pupilo. Nunca imaginaria um desfecho como aquele para a
luta! Olhando na direção da diretoria do evento, pôde notar que até o Dono
batia palmas, impressionado. <i>Conquistado.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
- <i>Meu Deus, esse cara
é tão assustador!</i> – gritava um dos comentadores para o mundo todo- <i>Ele vai ser o próximo campeão mundial!!</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Mais uma vez recebendo os filhos com um abraço, o Lutador
preparou-se para sua entrevista. Só que dessa vez, ele sabia que não seria
cortada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
E a multidão prosseguiu para sempre, naquele momento, com
sua torcida feliz. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt -1cm; text-align: justify; text-indent: 1cm;">
Fim da Parte II<o:p></o:p></div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-48411018377897314182013-02-12T08:55:00.002-08:002013-02-16T10:06:01.694-08:00Coração de lutador, parte 1<br />
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l0 level1 lfo1; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Eu ainda posso lutar, doutor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">As luzes eram ofuscantes dentro do octógono. Nada de admirar-se, até
porque ali era o ponto de convergência de todos os holofotes. O lutador não
conseguia manter-se imóvel, e no fundo de sua mente o médico procurava alguma
distinção conclusiva entre inquietude provocada por adrenalina e convulsões
causadas por trauma; seu raciocínio acelerado não conseguia, entretanto,
harmonizar diagnóstico.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Chamado por um colega seu para substituí-lo naquele evento de MMA, o
médico era verdadeiramente de primeira viagem naquele mundo dos diagnósticos
improvisados. A bem da verdade pensava não se tratar aquilo mais do que palpite
abalizado. Como examinar um paciente quando ele está saltitando na sua frente, falhando
em ficar parado ou sequer olhar para alguma direção que não a do seu oponente?
O médico estava nervoso, mas tentava se manter objetivo; infinitas pessoas lhe
assistiam naquele momento. Estava numa arena com uma plateia de mais de 30.000
pessoas, fora o meio milhão que acompanha em casa, e, apesar de ser um médico
conceituado, estava acostumado a atender dentro da tranquilidade de seu
consultório. Além disso, aquele era o primeiro evento de lutas que assistia na
vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Apesar da popularidade que aquele tipo de evento viera ganhando nos
últimos anos, o médico nunca se sentara para assistir nada a respeito. Todo mês,
uma ou duas edições eram transmitidas, mas ele nunca assistia. No seu conceito,
aquilo não era mais do que violência gratuita; uma espécie de pão-e-circo para
os mais descompromissados. Ele não concebia achar conteúdo em um esporte que
coloca dois seres humanos para se digladiar até que um deles falhe em
apresentar reação; seja por meio das
concussões infligidas por golpes sobre-humanos, seja por meio dos
estrangulamentos, das torções... <i>Barbaridade.</i> Não sem um pouco de
desgosto aceitara preencher a vaga de seu amigo, mas lhe devia um grande favor
e realmente não havia meio de driblar o pedido. Infelizmente, logo na segunda
luta da noite um dos lutadores foi vitimado por uma quantidade satânica de
cotoveladas e, apesar de eventualmente se desvencilhar da investida do
adversário, uma pequena fonte de sangue agora fluía de seu supercílio esquerdo,
enquanto um inchaço enorme vinha à luz na mesma lateral de seu rosto.
Desnecessário dizer que logo o árbitro suspendeu a luta e chamou o médico para
avaliar a condição do lutador para prosseguir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Com passos rápidos o médico subiu os degraus para dentro do octógono e
procedeu à avaliação do paciente. Agora, de perto, as coisas pareciam ainda
mais feias do que ele imaginava. O
inchaço formara uma esfera de uns 5 cm de diâmetro, enquanto o sangue fluía farto
do corte; com a somatória das duas coisas, resultava que o lutador não
conseguia enxergar com o olho esquerdo. O médico olhou para o cronômetro do
combate, tomando ciência de que estavam no final do segundo round e penúltimo
round. Faltavam aproximadamente 6 minutos para o final da luta, e o médico achava
que aquelas lacerações impossibilitavam o combate de continuar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l2 level1 lfo2; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Eu ainda posso lutar, doutor- sussurrou o lutador.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">O médico estava terminando de examinar o corte no supercílio e, em
decorrência da sua proximidade com o lutador, ele sabia que nem o câmera man
atrás deles conseguira ouvir aquilo. Discretamente o médico olhou o telão da
arena, onde eram visíveis suas costas e um pouco da face desfigurada do
lutador. Voltou suas atenções ao paciente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l3 level1 lfo3; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Vou ter que parar essa luta, senhor. - retrucou o
médico. Suspeitava de que aquele inchaço era fruto de uma fratura no osso
orbital, o que era sério. Mas assim que a última sílaba escapou por entre seus
lábios, o lutador, num ato reflexo, deu um passo à frente, exprimindo
voluntariedade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l3 level1 lfo3; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Não! Doutor, eu posso lutar! - ele falou,
desesperado de tal forma que o médico se viu pego de surpresa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l3 level1 lfo3; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Desculpe-me senhor, mas não posso deixar essa luta
continuar. Um pedaço do seu supercílio está pendendo do seu rosto e eu creio
que haja uma fratura no seu crânio; eu estaria maluco se deixasse essa luta
prosseguir- respondeu o médico, tentando exprimir compaixão sincera, ainda que
taxatividade. No momento em que ia dar um passo para trás, o lutador segurou
seu ombro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l3 level1 lfo3; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Doutor, por favor! Não pare a luta, eu vou
vencer!- ele falou. Não estivesse seu olho esquerdo oculto pelos ferimentos, o
médico sabia que um olhar de súplica estaria formado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">O médico olhou rapidamente o adversário do seu paciente. Ambos eram
homens grandes e musculosos, mas o oponente era um brutamonte consagrado nos grandes
circuitos, com uma quantidade impressionante de vitórias em seu cartel e que
rumava à disputa de cinturão. Seu paciente, por outro lado, era um jovem bem
mais inexperiente que fora convidado para participar do evento em substituição a
outro lutador que se contundira um mês antes da luta. Era a sua primeira vez
dentro da grande promoção, e se perdesse seria muito bem sua última. Isto, ao
menos, foi o que lhe disseram momentos antes de ser convocado para avaliá-lo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l6 level1 lfo4; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Acredite, filho, é para o seu próprio bem. Se eu
não parar esta luta agora, posso prejudicar sua vida para sempre.- argumentou o
doutor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l6 level1 lfo4; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Doutor, se o senhor parar essa luta eu nunca mais
terei a chance de trabalhar nesta promoção, e tudo para o que me esforço todos
os dias terá sido em vão! – respondeu o lutador, automaticamente- Se o senhor
parar essa luta, minha vida será prejudicada para sempre <i>com certeza</i>! Por favor, doutor, eu tenho dois filhos pequenos para
quem sou tudo no mundo, por favor, se eu fracassar hoje, não só eu não terei
como pagar sequer a condução deles para a escola como também jamais me
perdoarei por não ter feito tudo o que estava ao meu alcance!<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">De repente, o médico sentiu seu coração pesar. Olhando novamente o
adversário de seu paciente. Ele parecia inteiro, parecia bem. Sorria e flertava
com o público enquanto o médico se preocupava com a saúde de seu paciente. Leigo
no esporte como fosse, não parecia ao médico haver jeito de o jovem vencer a
luta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l12 level1 lfo5; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Doutor, o senhor não sabe por quanta coisa já
passei para estar aqui hoje.- o lutador de repente tentou adotar um ar mais
comedido, buscando parecer mais razoável, embora fosse incapaz de conter as
suas emoções profundas - Eu amo lutar. Eu amo com paixão, paixão que até uma ex-esposa
já me custou. Mas meus filhos não me deixaram, doutor. Eles me acham herói,
doutor, mas o senhor sabe que não existem heróis que precisem equilibrar o
papel de pai, 2 empregos de salário-mínimo e o treino de 3 artes maciais. Mas eu tenho certeza, doutor, um homem bem
sucedido como o senhor, eu tenho certeza que o senhor sabe o que é precisar
vencer na vida. Eu tenho certeza que o senhor sabe o que é ralar e ter que
colocar tudo na mesa. Eu sei, doutor, eu sei que o senhor me entende. Esses
ferimentos, eles podem me matar, doutor, mas só se por causa deles eu não puder
mais lutar. Só assim eles podem me matar!- concluiu o lutador, e o médico não
sabia se eram lágrimas em seus olhos ou apenas o brilho geral de suor que lhe
permeava o corpo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l11 level1 lfo6; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Mas como você pretende vencer, essa luta? Está
terminando o segundo round e o outro cara parece que acabou de entrar no
octógono. Você, bem, parece que você foi atropelado por um caminhão... -
inquiriu o médico, descrente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 25.5pt; text-align: justify; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Botando a mão sobre o peito esquerdo, o lutador respondeu:<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l11 level1 lfo6; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Coração, doutor. Homens são definidos pelas
adversidades que encontram, e eu tenho <i>certeza</i>
de que as minhas me fazem maior do que o meu oponente. E eu posso lhe mostrar,
o senhor só precisa permitir. <o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Subitamente, o árbitro apareceu ao lado dos dois.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l5 level1 lfo7; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">E então, doutor? - perguntou ele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">De repente, o médico lembrou que todos os olhos do mundo estavam em sua
pessoa. O árbitro, o lutador, a câmera, os fãs, todos aguardavam pelo seu
parecer.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Os seus olhos caíram na mão que o seu paciente ainda tinha sobre o
peito, e de repente ele se viu limpando o sangue da face dele e declarando:<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l9 level1 lfo8; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Isso não é nada, árbitro. Esse daqui luta por mais
5 rounds.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">As sobrancelhas do árbitro, em espanto, esticaram-se até quase a nuca,
e ele perguntou se o médico estava certo do parecer. Contrariando seu próprio
bom-senso, o médico forneceu sua palavra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Sentado em seu lugar de volta, o médico assistiu o restante da luta na
ponta da cadeira. Honestamente, arrependera-se da própria decisão no segundo em
que saíra do octógono; mas procurava concatenar o peso em sua consciência numa
torcida introvertida pelo paciente. Assistiu com tristeza enquanto, pelo
restante do minuto final do segundo round, o jovem lutador retomou a surra nos
exatos termos de antes da intervenção do árbitro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Durante o minuto entre-rounds, sentou-se ao seu lado o homem que o
médico reconheceu como o Dono do evento. Embora estivesse trabalhando para ele,
nunca tivera a oportunidade de falar-lhe diretamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l7 level1 lfo9; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Aquele sujeito não deveria ter voltado para luta-
falou o Dono, sem que houvesse sequer algum cumprimento. Apesar da falta de
educação, o médico manteve-se profissional.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l7 level1 lfo9; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Não foi o que a minha análise mostrou- respondeu. <o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l7 level1 lfo9; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Foda-se sua análise. Você impediu que o meu
lutador conseguisse uma vitória por parada médica e agora eu estou achando que
ele vai conseguir uma merda de uma vitória por decisão dos juízes. - falou o Dono.-
Se isso acontecer, o meu lutador ainda vai precisar de mais uma ou duas lutas
para convencer o público a querer vê-lo enfrentar o campeão. Sabe o quanto eu
deixo de lucrar assim? Esse esporte precisa de estrelas, doutor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">O médico não conseguia acreditar na grosseria do homem. Permaneceu
calado, no entanto, apenas observando.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l4 level1 lfo10; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Só vim aqui para lhe avisar, doutor, que se o
senhor não aproveitar esse minuto entre-rounds para parar a luta, o rapaz vai
perder de qualquer forma E eu ainda vou processá-lo pelos danos que ELE sofrer,
respaldado juridicamente pela sua negligência médica.- os olhos cruéis do homem
queimavam o rosto do médico, ameaça que eram.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Tentando manter a calma, o médico procurou usar todo o seu sangue frio
para mentir:<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l1 level1 lfo11; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Minha decisão médica satisfaz todos os parâmetros
de análise exigidos pela comissão médica do esporte, e ela é inatacável. –
disse ele, ao passo que imaginava em sua cabeça a nota que os membros da
comissão conseguiriam numa competição de salto a distância com o pulo que devem
ter dado de suas cadeiras ao ver as condições do lutador que ele deixara
prosseguir lutando. - Não posso impedi-lo de me processar, mas posso com
certeza vencê-lo no tribunal se o fizer.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Por um momento, os dois se olharam. O médico não estava certo se seu
blefe fora bem sucedido, mas o dono do evento com certeza parecia menos
agressivo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l8 level1 lfo12; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Agora, por favor, se o senhor me der licença,
pretendo apreciar o restante da luta. E prepare-se para uma surpresa nesse
round final- concluiu o médico, lançando uma previsão ousada, apesar de ser
totalmente ignorante no assunto dos combates. O homem pareceu se enfurecer
profundamente com aquele pequeno soco argumentativo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l8 level1 lfo12; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Vê-lo-ei nos tribunais, doutor.- ameaçou o homem,
enquanto se levantava.- Tudo isso porque foi com a cara de um
lutadorzinho-escada... - saiu então, resmungando.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<br /></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">O terceiro round começou e o lutador brutamonte foi, à passos largos,
em direção ao lutador jovem, mais faminto do que nunca pela vitória. O médico
sentiu seu coração acelerar no peito. O seu paciente tentou acertar um soco
potente no lutador no favorito, mas com os reflexos de um gato, o alvo
esgueirou-se por baixo do soco e, fazendo as entranhas do médico decolarem em seu
abdome, levantou-se com um gancho de esquerda que acertou o queixo do jovem e
uma martelada de direita que o jogou ao chão sem cerimônias, quase apagado. A
plateia levantou-se de seus lugares e clamou insanamente. O árbitro correu para
perto, não parando a luta por muito pouco. O médico percebeu que fora por causa
do olho esquerdo fechado que o lutador fora incapaz de ver o golpe chegando, e aquilo o sufocou
por dentro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Para finalizar a luta, o lutador mais experiente correu em direção à
cabeça do oponente, pronto para acertar mais socos e conseguir um nocaute. Ao
que se aproximou, o médico ergueu as próprias mãos numa atitude defensiva
automática, esforçando-se para assistir o que viria em seguida. <o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">De repente, o lutador estirado no chão esticou uma mão, segurando a
canela do oponente, e girou sobre o próprio quadril para tentar o que o médico
julgou ser uma rasteira. Surpreendentemente, o que era uma rasteira tornou-se
um complexo golpe de jiu jitsu que , criando uma alavanca extremamente
dolorosa, fez com que o lutador mais bruto caísse ao chão fazendo uma careta de
dor impressionante; pouco depois submeteu a vitória. O árbitro separou os
adversários e levantou a mão do jovem lutador, que apesar da horrível contusão
no rosto, vibrava como se fosse o homem mais feliz do mundo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Logo subiu ao octógono a equipe de reportagens do evento, que
rapidamente buscou entrevista com o vencedor. Subiram também os dois filhos de
que o jovem lutador lhe falara, que abraçaram o pai às lágrimas, não tardando
este a verter suas próprias. Durante a entrevista, o vencedor chamou seu
oponente derrotado e abraçou-o longamente, ambos parabenizando-se pelo combate
espetacular. Resquícios de ódio não havia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Posteriormente, ao descer pelos degraus do octógono, ainda abraçado aos
filhos, o lutador deteve-se por um momento para dirigir-se ao médico e apertar-lhe
as mãos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l10 level1 lfo13; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Coração, doutor! - falou, emocionando-se
novamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l10 level1 lfo13; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Coração de lutador – completou lhe o médico,
sorridente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l10 level1 lfo13; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;"> </span></div>
<div class="Standard" style="margin-left: 0cm; mso-list: l10 level1 lfo13; text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<!--[if !supportLists]--><span style="font-family: OpenSymbol; mso-bidi-font-family: OpenSymbol; mso-fareast-font-family: OpenSymbol;">–<span style="font-family: 'Times New Roman'; font-size: 7pt;">
</span></span><!--[endif]--><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Antes, o médico via a grade que circula o octógono
como as grades de um zoológico, onde se expunha ao público o lado mais
animalesco do ser humano, numa tentativa de unicamente lhe saciar o desejo por
sanguinolência. Não mais. Após aquela luta, e todas as outras que se seguiram
no decorrer da noite, ele aprendeu que a grade estava ali não para afastar o
público da violência, mas os lutadores de todo o resto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Advogados possuem escritórios, médicos possuem consultórios, artistas
tem o palco e lutares têm a grade. É dentro dela que eles se apresentam, é lá
que eles mostram o fruto de sua paixão e a extensão de sua dedicação. Ao longe,
a plateia <i>pode</i> assistir-lhes para
simplesmente satisfazer sua própria animalidade, ou pode assistir-lhes para
apreciar a arte. A disputa, o combate, a determinação, a superação, a
disciplina, a estratégia... O médico crucificava o esporte por não crer que
houvesse conteúdo. Mas ele então o achou, e ele o achou como um homem que bate
uma picareta no chão do deserto e descobre uma fonte rica de petróleo. É belo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">Violento?<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="text-align: justify; text-indent: 25.5pt; text-justify: inter-ideograph;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-bidi-font-family: Tahoma;">A violência só existe quando os homens não devem lutar, e ainda assim
procedem ao embate. Quando dois homens vivem a vida para disputar esse esporte,
e se dedicam e se preparam todos os dias, e entram na arena com chances
similares de vitória, não se trata de violência. Trata-se de disputa, de grandiosa
disputa. O esporte é agressivo, mas violento? Lembrando-se do dono do evento
tentando assustá-lo, e da ideia que o dono do evento tinha de que o estaria
jogando um lutador-escada para ser assassinado pelo mais experiente, o médico
percebeu que era inegável que de fato havia certa violência no esporte: colocar
uma força imparável contra outra que se sabe não pertencer à sua frente; é
violência. Mas não foi o que aconteceu naquela noite. <o:p></o:p></span></div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-79339405471052176402012-11-27T08:13:00.000-08:002012-11-27T08:18:05.884-08:00As criaturas que se escondiam embaixo de minha cama.<br />
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none;">
<br /></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">Uma casa grande nunca foi sinônimo de proteção. Isolamento e segurança
não se pressupõem, sabe? A segurança existe em nós mesmos, enquanto o
isolamento pouco tem a ver com o que fazemos ou deixamos de fazer. Um nós construímos moralmente, o outro nós podemos perseguir fisicamente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">Eu tive um sonho interessante. <i>Outro.</i> Nesse, eu me mudava para
uma grande e bela casa que ficava no centro de um enorme campo verde a dezenas
de quilômetros de qualquer outra residência. Tratava-se, a bem da verdade, de
uma mansão enorme de dois andares com mais espaço do que seria sensato
engenhar. Havia inclusive um pequeno salão de festas no segundo andar, próximo
de onde ficava o meu quarto. No meu quarto, que era gigantesco, uma grande
vidraça em frente à cama se estendia do chão ao teto, cortando o telhado
inclusive. Deitado, eu poderia ver o ambiente lá fora tranquilamente: desde o
quilométrico campo que se expandia até bem longe no horizonte até o céu que daí
surgia; e se eu quisesse, poderia continuar apreciando a vista levantando a
cabeça para ver através do vidro que havia no telhado, enxergando assim todo o
céu até a lua à pino lá em cima. O vidro cobria um raio de visão de 90º a
partir da minha cama, digamos assim. A beleza da casa era tanta, confesso, que
estou me convencendo a fazer um desenho para guardá-la comigo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">O motivo pelo qual eu me mudara para uma casa tão grande? Não sei dizer
ao certo... Mas se tivesse que resumir numa resposta grosseira, diria “medo”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">Antes de minha mudança, eu vinha sendo <i>perseguido</i>. Perseguido por
sombras que se esgueiravam quando eu não via, que me acompanhavam quando eu
saía de casa. No início, sua presença era tão diminuta que eu me questionava se
havia de fato motivo para as minhas paranoias. Quando eu saía com minha
namorada, quando relaxava com meus amigos, quando cuidava de meus afazeres...
eu percebia alguma presença, mas nada muito distinto do incômodo de uma dor de
cabeça.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">Foi, entretanto, piorando. De repente eu era capaz de ouvir seus passos.
Eu ouvia os reflexos de seus movimentos: objetos que eram derrubados, gravetos
se quebrando, pancadas em metal, tropeços em batentes... Era como uma
perseguição onde eu não conseguia definir acuradamente a localização de meus
perseguidores. Até que um belo dia, saindo de algum cinema, as sombras
mostraram que aprenderam a correr. E como corriam... Nocauteado da minha
sensação de realidade, assisti enquanto minhas pernas fugiam daquelas figuras
pálidas de rosto embaçado e gritos estridentes. Saltando sobre mesas, me
jogando por entre as pessoas, derrubando bolsas e crianças, era o tipo de
perseguição que você vê nesses filmes novos do James Bond: grossa e perigosa.
Espaços pequenos e franca velocidade dirigidos por uma mente subitamente
monomaníaca e afetada por um medo que levava a um estado vertiginoso de
desespero. Eu não consigo recordar como costumavam terminar essas perseguições.
Só lembro de subitamente estar em casa... me sentindo à salvo. Abraçando minhas
pernas, dormia uma noite sem cama escondido em algum lugar do recinto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">As perseguições desse tipo se tornaram mais frequentes. Tornaram-se mais
perigosas, mais acirradas. As figuras, antes em pequenos números, ficavam mais
e mais numerosas. Não tardou até que a segurança produzida por minha antiga
casa fosse se esvaindo. Em determinado momento, os rostos esbranquiçados de
meus algozes podiam ser vistos através de algumas janelas, refletidas nos
espelhos de meu banheiro, nos meus corredores à noite. Como se não bastasse a
falta de segurança que eu sofria quando saía para meus lazeres ou obrigações,
agora minha própria casa tornara-se insuficiente, ineficaz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">Foi quando me mudei, finalmente. Entra o casarão que já lhes apresentei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">E por algum tempo, mesmo a minha liberdade pessoal ao sair, ao passear,
retornou. Comecei a me sentir em paz, sem mais avistar as figuras inumanas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">Não preciso dizer que tratou-se de momento muito breve, claro. O melhor
suspiro do moribundo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">As perseguições voltaram com força total um dia desses. Simplesmente.
Até a proteção de meu novo casarão começou a ser insuficiente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">Até que numa noite de lua cheia despida de nuvens eu, num sobressalto,
acordei de um sono amargo e olhei pela grande vidraça que ornamentava a frente
de minha casa. Por uma fração de segundo que durou a eternidade, prendi a
respiração. O que me acordara fora um baque alto na porta de entrada do
primeiro andar, e enquanto eu absorvia o que meus olhos empurravam para o meu
cérebro, eu compreendi.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">Milhares de figuras esbranquiçadas amontoavam-se sobre o enorme campo
que cercava minha moradia. Milhares e milhares, espremidas umas contra as
outras, empurrando-se, apressadas, interessadas em sabe-se-lá-o-quê. Em mim.
Ouvi os passos na minha escada, incontáveis passos. Passos assustadores. Não
havia para onde correr. As paredes de minha morada me limitavam a fuga. Cortavam-me
do mundo. Prendiam-me lá dentro, com eles. A porta de meu quarto foi arrancada
de suas bases, pinos e parafusos tilintando no chão. Um rosto esbranquiçado,
borrado, entrou e estendeu sua mão decrépita na minha direção, sem cerimônia,
como se ele sempre soubesse onde eu estava. Como se nunca tivesse me perdido de
vista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">Foi quando me ocorreu o seu nome. O nome daquele e de todos os outros
seres que se estendiam por todas as direções ao redor da minha casa. Que me
espreitavam de dentro dos armários, por debaixo de minha cama. Nos olhos
daqueles que eu detestei. Nos sorrisos daqueles que amei. Nas coisas que fiz,
nas coisas que deixei de fazer, nas coisas que nunca me ocorreu fazer. Nos dias
que vivi, nos dias que os precederam e nos dias que ainda viriam. Problemas. Eram
Meus Problemas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="Standard" style="tab-stops: 437.8pt; text-align: justify; text-autospace: none; text-indent: 43.5pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; mso-fareast-font-family: Arial;">Eu acordei logo em seguida. Atrasado de novo. <o:p></o:p></span></div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-35009912333918176382012-11-12T06:20:00.002-08:002012-11-12T06:20:59.398-08:00Escolhas Pessoais<br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.43cm;">
Outro
dia eu estava lendo sobre a legalização da maconha em algum lugar
da internet quando me deparei com um diálogo que me despertou a
atenção. Um dos comentaristas escreveu que detestava um dos outros
usuários porque o achava um viciado irresponsável que não queria
saber de nada, que passava seus dias, despenteado, fumando, fedendo e
destruindo a sua juventude. Então alguém lhe respondeu que não
cabia a ele falar nada, pois tratava-se de uma escolha pessoal do
indivíduo. Ah é?</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.43cm;">
Hoje
em dia a cultura mundial se expandiu com tal velocidade e com tanta
potência que a diversidade usualmente é acachapante. Com mais
frequência do que seria esperado nós nos deparamos com hábitos,
com maneiras, com costumes de origem desconhecida. Essas diferenças
podem ocorrer pelo simples transplante cultural, onde temos, por
exemplo, aquele amigo que todo mundo tem que é viciado em cultura
japonesa e parece um esquisitão total aos olhos dos nacionais mais
tradicionais; podem ocorrer também pela fusão que as pessoas são
propensas a fazer de costumes diversificados, o que explica desde
aquelas pessoas que tem apenas um senso de moda “bizarro”, até
aqueles que se diversificam de forma tão obstinada, uniforme, que
viram subculturas que logo são rotuladas e amadas/discriminadas à
arbitrariedade do senso comum.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.43cm;">
Esses
comportamentos, por si só, não são passíveis de repreensão.
Oras, no amálgama moderno apátrida que é a internet, nos milhares
de pessoas que convivem diuturnamente e que encontram seu jeitinho
próprio de expandir sua personalidade e na subsequente facilidade
com que se percebe os padrões e as similaridades que comprovam a
limitação flagrante na originalidade humana, fica mais e mais
necessário que as pessoas busquem atitudes cada vez mais extremas
para provarem (tanto para si quanto para seus iguais) a sua
identidade. Nesse âmbito, eu creio, surgem as escolhas pessoais.
Algumas mais efêmeras, que refletem na maneira de se vestir, de se
portar, outras mais fortes, que se traduzem na maneira de agir, de
pensar, e até mesmo aquelas mais extremas que resultam em
verdadeiras transformações de concepção de vida. Isso tudo,
claro, é fruto da busca do homem pelo seu cerne individual, a sua
necessidade de se estabelecer como um sujeito autoconsciente e
aceito.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.43cm;">
Mas
eu acho que todo essa conceituação deve ser obrigatoriamente
confrontado com a noção humana básica de, bem, autopreservação.
Não creio que seja legítimo qualquer comportamento que implique a
auto lesividade, sabe? Não importa de qual religião você seja,
mesmo que você não tenha religião na verdade, as chances são de
que a auto flagelação imotivada, ou erroneamente motivada, não
faça parte do seu conceito de normalidade. A autopreservação,
entenda, não é aquele simples instinto que te diz para não se
machucar, mas sim aquele que diz para você não se machucar por
nada. Na maturação humana a auto flagelação, na verdade, é
constante. São as noites sem dormir e os dias desconfortáveis para
estudar, para se divertir, sei lá, nós nos forçamos a muitas
coisas quando temos objetivos. Mas sabe, a autopreservação deveria
agir quando nos colocamos em uma perseguição fútil ou tentamos nos
prejudicar por nada. A autopreservação é isso, é o ser humano se
afastando da sua danação através da aplicação de sua própria
sensatez, esperteza, etc.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.43cm;">
Então,
a auto-exploração versus a autopreservação. Onde está você?
Você é desses que acha que o manto das “escolhas pessoais” te
deixa imune ao criticismo fundamentado, só pelo bel fato ser uma
escolha que você fez? Ou você é capaz de procurar o melhor para
si? Há uma diferença entre a Lady Gaga ou o Eminem, que procuram
chocar com o objetivo de impor sua originalidade enquanto fazem rios
de dinheiro, mesmo à custa de sua liberdade pessoal, credibilidade
ou respeitabilidade, e alguém que te machuque ou que te roube. Todos
esses indivíduos fizeram, oras, escolhas pessoais. Apenas um deles
não atendeu ao conceito de autopreservação (penal, social,
jurídica, política, moral, etc) que eu mencionei, você consegue
dizer qual?
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.43cm;">
E
o sujeito que desperdiça a vida (a dele e a de seus próximos)
fumando maconha, ou ingerindo qualquer tipo de substância
imprestável, ilícita ou não, de fácil obtenção ou não? Você
acha que ele não é passível de crítica só porque “ele fez uma
escolha pessoal”?
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.43cm;">
E
sabe, se você tem um conhecido que está viciado em algum tipo de
droga e você quer sinceramente ajudá-lo, não creio que não
criticá-lo seja o melhor caminho. Aposto, aliás, que você vai sim
utilizar o desprezo e a crítica gerados pela autopreservação; só
que vai canalizá-lo na direção das drogas e não da pessoa por
quem você preza.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-indent: 1.43cm;">
Sim,
estou dizendo que o homem não pode se desvincular do sentimento de
desprezo, ódio, raiva, etc, jamais. Por mais que os contos de fada e
os livros de autoajuda te digam o contrário. </div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-72066873100465052832012-09-14T08:03:00.003-07:002012-09-14T08:03:40.431-07:00O ovo da Vanessa<br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
A história das
eleições no Brasil vêm rastejando penosamente desde 1532, quando
os primeiro colonizadores se organizaram em São Vicente para eleger
os membros de sua câmara municipal, passando por conturbados
períodos históricos e pelos mais diferentes sistemas políticos,
cruzando 1821, quando o voto rompeu a barreira regional e começou a
ser exercido para eleições de âmbito nacional, atravessando o
batalhado período da comoção pelas Diretas Já de 1984, e todos os
vetores de desenvolvimento terminam na mais recente ovada na cara da
concorrente a prefeita, Vanessa Grazziotin, na noite de terça-feira,
dia 11/09/2012. Isso no mínimo me faz matutar acerca da
supervalorizada noção de que o ser humano é um animal em eterna
evolução.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
A candidata pouco se
permitiu refletir antes de acusar logo o partido tucano de Arthur
Neto, coincidentemente o seu maior rival nas próximas eleições, de
ser o responsável pelo seu batismo gosmento.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Não que ela não
mereça, ou não que ela mereça, tanto faz. Mas a verdade
intransmutável do fato é que um bom ovo foi desperdiçado naquela
noite, o que me traz à mente todas as vezes em que
simplesmente não havia nada para eu comer de madrugada lá em casa.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Para a minha surpresa,
entretanto, não tardou a se esgueirar por entre os ouvidos dos
cidadãos desta bela capital a tese de que tudo havia se tratado de
uma grande farsa armada pelo próprio partido da candidata, com o
escopo de atrelar o estigma de anti-feminista ao partido de seu
adversário. Logicamente, quem cunhou a referida tese foi o próprio
Arthur Neto, com base em imagens e vídeos da internet. Pináculo da sua teoria é o fato de que, após profundo esquadrinhamento das fotos da
melecada na face da candidata rival, não se pôde localizar o menor
vestígio de casca de ovo. Não que eu esteja cético à técnica
jurídica empregada, ou que eu considere o evento todo uma
grande e desnecessária bobajada ( o que eu acho), mas daí levar a
sua tese para apreciação no Superior Tribunal Eleitoral, como se lá
já não houvesse bastante trabalho sério para ser deslindado, já é
desvirtuamento democrático E jurídico.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Se a candidata vier a
ser eleita, Deus nos livre, eu lanço mão do seguinte palpite:
aposto que ninguém vai nem se lembrar de proposta alguma que ela
tenha feito. Ninguém, nada. Ela seria eleita como a candidata do
ovo. No grande mosaico de eleições nacionais, nós, Manaus,
teríamos eleito a prefeita que levou ovada na cara. Essa será sua
única definição. Isso serve apenas para denunciar o quão efêmeras
estão as propostas políticas nesta eleição. Digo isso também porque, se a
Vanessa pode dizer que é a candidata do ovo, Arthur Neto não tem
sequer banca eleitoral atualizada para ser lembrado. Para mim ele é
apenas, ainda, o candidato a prefeito que já foi senador; pronto,
essa é a sua característica marcante, esse é o jogo que ele está
trazendo para a política regional. Ele já foi senador.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Então, ex-senador
versus ovo na cara. Vocês que são brancos que decidam quem leva essa. </div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
Pronto, não vou
comentar a história política de nenhum dos candidatos, não vou
mencionar as serpentes que se escondem em cada coligação, a traição
que aguarda em cada partido. Vim aqui apenas e somente apenas para
falar da parada do ovo. Até porque, se a Vanessa está reclamando que lhe melaram a cara com um ovo ou uma cusparada ou coisa que o
valha, eu gostaria de fazê-la sentir o que sinto quando penso na
cara-de-pau que é a sua candidatura. Ovada é refresco perto de político
imundo. </div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-30025951493434869492012-08-28T19:22:00.001-07:002012-08-28T19:22:53.799-07:00O matrimônio de Dona Alice<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
É uso entre as
senhoras concordarem que Dona Alice foi uma mulher "que não passou pela vida". Hoje,
entre uma balançada e a próxima em suas cadeiras barulhentas, as velhas amigas
não conseguem senão escrutinar a vida que a outra levou; leva, é bem verdade,
porque ainda não morreu. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Está
próximo, elas concordam. O fim. As pernas inchadas, a pouca vitalidade que os
anos deixaram. Parece que a diabetes atacou de novo; agora não deve estar muito
longe. Ela nunca foi mulher de visão, mas já faz anos que sequer enxergava qualquer coisa.
Vivia trancada na sua casa, que era localizada na parte antiga do centro da
cidade. Não era a parte do centro que costuma ser nobre, não; aquela casa, onde
ela sempre morou, nunca foi grande coisa. Nem o valor imobiliário o tempo fez
estimar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um
cheiro de mofo que vencia o esforço dos desodorantes baratos, as velhas torciam
o nariz à mera lembrança. Os retratos embolorecidos. As janelas, imundas por
fora e sujas por dentro. A luz que entrava era como os fiapos que se veriam no
chão de uma cela. A televisão velha só gerava cores feias. Os programas
exibidos deveriam servir tanto como algemas para a mente como ópio para o
coração. As prateleiras eram repletas de itens que meramente sobreviveram ao
passado. Itens que provavelmente evocavam pouco ou nenhum sentimento à dona;
quando não deviam lhe trazer asco. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os
filhos saíram cedo de casa. O primogênito apaixonou-se pelo pó e pela seringa. O
conceito de endereço fixo ele não entendia mais, e tanto sabe a vizinhança
sobre seus vícios que pouco confessa saber sobre seu paradeiro. Diz-se que ele
foi mutilado pelo mundo, uma furada por vez. Mas da caçula é que mais se fala:
virou porcelana fendida. Chorou pela mãe enquanto pôde, e o dia em que as
lágrimas secaram foi também o dia em que ela se despediu. Claro, o cumprimento
da despedida aqui é o eufemismo que todos usaram para não terem de entrar no
mérito das joias que a moça furtou da mãe. Machuca mais ainda saber que,
tivesse a pequena lhes pedido, a mãe tola as teria dado. Preferiu, outrossim, toma-las por meio vil, atirando a mãe em uma tristeza da qual nunca mais saiu. Mas o seu agir foi apenas
a vassourada que levou os fragmentos partidos do coração da mãe para baixo do
tapete. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
É
triste, sabe? Depois desse dia, Dona Alice dizia que de suas pedrinhas
preciosas, nenhuma ficou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ninguém
censurava Dona Alice por não ter pedido pensão ao fim do casamento. Quando se
pensava em levantar essa hipótese, lembravam que alguém tinha levado essa
crítica a ela. Quem foi, ninguém se recorda, mas a resposta de Dona Alice é
fresca na memória de todos. Ela disse, <i>A
vida toda passei sem que dinheiro visitasse minhas mãos. Por que, à esta
altura, quereria eu mudar essa realidade?</i> Conformada, as pessoas
concordavam. Concordavam à meia voz. Porque a próxima parte da conversa era a
mais carregada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Foi
tudo culpa do marido. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O
sujeito era um grosseirão. Arrogante tamanho que seu ego por pouco não tirou
CPF para si próprio. Um pobre que além de tudo era esnobe. A profissão (qual era,
ninguém lembrava ao certo) lhe fazia sentir como se rendesse milhões, ao invés
dos trocados para pagar as contas que realmente chegavam à sua conta. Isso não
o impedia de ser o coronel que seu jeito de andar fazia crer. Esbarrava nas
pessoas, cuspia na rua. Às vezes assobiava para moças mais jovens com Dona
Alice do lado, obrigando-a a fazer que não via. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O
marido era cruel e mesquinho. Nunca ligou para a educação dos filhos; talvez
sempre pretendesse abandoná-los. Batia-lhes quando as pancadas que dava em Dona
Alice não lhe satisfaziam. Certa vez mandou o mais velho, quando este ainda era uma
criança, lhe trazer um pacote de cigarros, mas ao invés de lhe dar dinheiro,
disse que o dono da mercearia não prestava atenção nas crianças nem no que elas
punham no bolso em sua loja. Apesar de receber o pacote que pedira, deu uma
surra no moleque porque este trouxe o pacote remendado, faltando cigarro. Os
tapas que lhe deu duraram apenas alguns dias, mas o vício que sobrou ceifou o
resto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Nunca foi de respeitar vivalma. Nem na casa
dos pais de Dona Alice, quando ainda eram vivos, que Deus os tenha, se
incomodava o homem o suficiente para se civilizar. Chamava palavrão, desdenhava
das políticas do sogro, reclamava da comida da sogra. Certo dia, foi cruzar a
entrada da casa, saindo, ao mesmo tempo em que vinha entrando o sogro, e a
força que empregou para empurrar a porta jogou o velho sobre o próprio
traseiro. Ao ver o acidente, o marido apenas mandou que o sogro prestasse mais
atenção. Depois, prosseguiu seu caminho naturalmente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Mesmo assim,
Dona Alice nunca quis menos do que o melhor para seu marido. Tratava-o como
rei. Bajulava-o e acarinhava-o como se fosse um santo. Mesmo em detrimento dos
pais e dos filhos; Dona Alice sempre virava a cara para os maus comportamentos
de seu esposo. Esforçava-se para ver apenas o melhor dele, e sabe-se lá quando
que se via realizada. Dona Alice apequenou-se para permitir que seu marido
ficasse confortável ocupando todo o espaço que desejasse. Era o capacho onde
ele pisava. O rodo com que ele limpava os sapatos. As amigas de Dona Alice
foram parando de visita-la com o passar do tempo, pois Dona Alice não gostava
de conversar em casa, com medo de que seu marido pensasse que suas amigas lhe
queimavam pelas costas. Certa vez, afinal, isso foi motivo para uma surra.
Cogitar a possibilidade deixava-o muito bravo, e não era isso que queria Dona
Alice. Portanto, com o tempo foi sedimentando a própria reclusão. Ao tempo da
partida do marido, ela já havia virado prisioneira da casa. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
O marido
partiu com outra mulher. Uma mais jovem. Que lhe pudesse oferecer mais
aventuras do que o passarinho encarcerado que ele mantinha em casa. Infelizmente,
ao partir, deixou o passarinho sem saber voar. Para onde o homem foi, não se
sabe. Talvez tenha saído do Brasil. Talvez tenha ido para a comarca mais
próxima, quem sabe?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Nesse ponto,
as senhoras paravam para suspirar. Tomavam goles de seus cafezinhos. Olhavam na
direção que sabiam apontar para a casa de Dona Alice, como se ela pudesse
ouvi-las. Sentiam-se mal. Sentiam tristes. Pensavam em todas as coisas boas que
viveram; nos bons maridos, nos filhos que obtiveram sucesso. Nas viagens que
fizeram, nas fotos que tiraram. No conforto em que viviam. Em tudo que sabiam
que Dona Alice não tivera. No fundo, elas sabiam que a morte lhe seria bem vinda, pois Dona Alice já havia se despedido da vida a muito tempo. Só aguardava, agora. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Dona Alice se
casou no dia 7 de dezembro, após ter sido enrolada durante 7 anos pelo
pretendente. Foi uma festa para muitos convidados, apesar da flagrante simplicidade.
O seu vestido, branco e elaborado, era tão bonito... Mas choveu no dia. Um
trator passara em frente à igreja e se formou um lamaçal na passagem. Os
convidados ficaram todos sujos. O seu vestido, ao cabo do dia, estava
arruinado. E todos lembravam do que dissera sua irmã, Dona Lourdes, longe de
seus ouvidos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i>“Este casamento não vai dar certo. Até a natureza
está chorando.”<o:p></o:p></i></div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-83276054927993208892012-08-27T08:27:00.002-07:002012-08-27T08:27:43.935-07:00Leve Desconfiança
<br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div align="LEFT" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O que é
confiança? </div>
<div align="LEFT" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />A confiança, eu vim a imaginar, é a cessação
momentânea da razão baseada na mera expectativa de comportamento
pressuposto. É quando se deixa de levar em consideração fatores de
um processo concreto, e se crê que ele tomará determinado desfecho
ou direção baseando-se apenas na vivência. É estado fugaz de
insanidade, poder-se-ia dizer. De puro desprendimento.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
É a
base, também, da Segurança, aquela segurança que habita no coração
dos homens e que lhes dá forças para seguir nas direções que
desejarem sem que desgastem-se com o descomprometimento, a
aleatoriedade do real. Sem a confiança, qualquer passo parece um
passo em falso, a superação se torna muito mais trabalhosa e tudo
na vida parece muito mais complexo e perigoso.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
A
desconfiança e a insegurança fazem parte do cotidiano de todos nós.
É por causa delas que, muitas vezes, amigos viram inimigos,
desconhecidos vem a se estranhar nas festas, professores usam apenas
de meia dedicação nas escolas, pais suprimem os sentimentos e
aspirações dos filhos, namorados brigam feio em noites bonitas e
desculpas não são pedidas e reparações não são providenciadas.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Hoje em
dia, é bem verdade, é muito fácil deixar germinar esse sentimento
traiçoeiro. Somos bombardeados com enxurradas de informações,
conhecemos tantos casos e causos e fatos e estórias que às vezes
não conseguimos ligar prosa a protagonista. Temos ao menos um
exemplo para cada situação bizarra que a mente puder inventar, e
até mais do que ela é capaz. Sabemos de todos os tipos de
manipulação, de todas as espécies de traição, de todos os níveis
de descomprometimento. Às vezes, junta-se o nosso medo interior,
inconsciente e antigo a uma história chocante, surgida de um
complexo totalmente diferente de nossa situação fática, e pronto:
isso já basta para que tenhamos a sensação de que estivemos certos
o tempo todo e que de algum modo conhecemos a realidade melhor do que
ela é capaz de inovar. É como se aquilo fosse um atestado lavrado
de que, só porque tal evento ocorreu com tal pessoa, somos o próximo
alvo dessa espécie de acontecimento. Mas não adentrarei nos
contornos da paranoia.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Esse
evento isolado, aleatório e pífio no mosaico ultra diversificado e
mega diferenciado do hodierno serve para que desse momento em diante
a realidade se torne 100% previsível e completamente mapeada. É
essa a solidificação da Insegurança, da confiança na
Desconfiança.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Eu gosto
de pensar que a realidade é mais enveredada e rica do que tudo
aquilo que eu já vi ou ouvi em meus um quinto de século, sabe?
Gosto de pensar que a vou continuar me surpreendendo com as coisas
(até, quem sabe, me formar talvez?).</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Nós
somos mais telespectadores da vida do que gostamos de pensar. Devemos
ao menos ser bons telespectadores, e não abandonar a apresentação
antes da conclusão. Devemos ser cientes das coisas, não escravos
delas. Há, lógico, a possibilidade de que eu seja vítima de caso
similar àquele de que ouvi falar, claro. Assim como, e disso os
inseguros e desconfiados se esquecem com facilidade, há uma
possibilidade ainda maior de que um milhão de coisas aconteça.
</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
</div>
<div align="JUSTIFY" class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Por isso
então, na minha vida eu tomo providências e atitudes que me façam
sentir algo seguro, e de resto espero apenas que as coisas desaguem o
mais próximo possível do que eu desejei em primeiro lugar. E você?
É satisfeito com sua atuação ou escravo do irreal e do hipotético?</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
</div>
Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-84963633076471009782012-06-15T11:10:00.000-07:002012-06-15T11:10:12.772-07:00Injustiça Infantil<br />
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
“ O nome desse... é Salsicha. O nome desse... é Scooby”.<br /> 3 ou 4 anos tem a menininha sentada à minha frente. Ela sorri timidamente enquanto minha colega de trabalho lhe apresenta os bonequinhos de pelúcia.<br /> “...Scooby”, ela repete. A sua voz é daquele tom meio esganiçado das crianças pequenas, ainda apenas conhecendo o vocabulário e o léxico. Ela sorri, enquanto toca o boneco de maneira contida.<br /> Cabelos desgrenhados, amarrados num faz-de-conta que quisera sua mãe fazer crer ser um coque. Vestidinho vermelho quadriculado, eu só posso sorrir enquanto me indago se alguma festa junina aguarda essa menina. Minha colega se apressa em fazer aparecer um pedaço de bolo para a criança, que ainda tem um aspecto assustado no rosto.</div>
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
Assustado porque ela está no Fórum. Porque ela está numa Promotoria de Justiça, e porque sua mãe e sua tia estão, à portas fechadas, na sala da promotora. Nenhuma criança jamais conseguirá se sentir em casa aqui na Promotoria da Infância e da Juventude, até porque o mero fato de estarem aqui me fazem supor que elas nunca foram muito íntimas com o conceito de “Lar”. Talvez casa, talvez quarto, mas não do amor e do recanto que são a argamassa de um verdadeiro Lar.</div>
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
Há uma música toda especial, também. Ela enche o ar ao nosso redor, e tenho certeza de que, pelo volume em que a ouço, ela se espalha pelos corredores do Fórum, em direção aos ouvidos dos que passam; não é com estes que me preocupo. A música é o som dos gritos de suas parentes. Elas gritam contra a promotora... Entre si... Contra a criança... São gritos de raiva. Há algumas ofensas. A promotora chega a mandar alguém calar a boca; situações que envolvem criancinhas fazem-na descer do salto alto como qualquer ser humano.</div>
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
Antes absorto em meus afazeres, sou arrastado às entranhas medonhas do momento. Percebo que nunca ouvi gritos tão altos por aqui antes.</div>
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
Não há nenhum jargão jurídico nas frases da promotora. Apenas português claro, enquanto ela joga acusações contra mãe e tia da criança. Uma levou a criança da casa da outra, alegou maus tratos, não queria devolver, a outra correndo atrás se sentindo injustiçada. “A criança teve dor de dentes”, alguém afirma. Maus cuidados, agressões, abandono... Meu Deus, mesma rotina.</div>
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
Observo a criança novamente. São dela os ouvidos com que me preocupo; eu sou mais velho e já ouvi muita coisa nessa vida. Mas os ouvidinhos dela, menores e mais aguçados que os meus até, não sei como estão fazendo seu coraçãozinho sentir. Certas conversas não deveriam chegar ao ouvido dos menores; se ninguém se entende numa briga, quem vai explicar para uma criança por que a família dela reitera esse comportamento, tanto em casa como na rua.</div>
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
A perninha direita da criança está toda engessada. Desde o pezinho até acima do joelho; o gesso escala a perna dela como uma serpente. Eu olho novamente a porta fechada, acho que tenho a cara fechada também. Por trás dela, a promotora e as parentes da criança ainda discutem bem alto.</div>
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
“O que houve com sua perna, garotinha?”, pergunto.<br /> Ela me observa por um momento, antes de abraçar o Salsinha e o Scooby, e responde: “Caí”</div>
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
“Caiu de onde?”<br /> “... Da rede...” ela responde, baixinho.</div>
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
Eu olho a porta novamente, como se ela tivesse algo a ver com tudo isso. Duas mulheres aparentemente interessadas na criança, mas nenhuma parece se dar ao trabalho de evitar que esse tipo de infortúnio lhe caia. Às vezes as crianças são fruto do amor da família, às vezes são meio para fazer aflorar o ódio que existe nela. E eu me pergunto se há solução para os problemas que estão sendo debatidos dentro da sala da promotora. Talvez sim; mas se isso tem qualquer relação com a criança que está agora abraçada com o Scooby, de perninha quebrada e com aspecto assustado, eu não sei. Não sei porque os desentendimentos entre mãe e tia podem até ter motivo, e portanto haver solução. Mas para o descaso, para a objetificação da criança... Eu não sei se há solução para isso.</div>
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
Todas as injustiças encontram seu caminho ao tribunal. Das maiores, que saem no jornal, às menores, que estão sem fome para o bolo.<br /> “ Tem mais brinquedo?”, ela pergunta, menos inibida.</div>
<div class="ecxwestern" style="background-color: white; color: #2a2a2a; font-family: 'Segoe UI', Tahoma, Verdana, Arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 17px; margin-bottom: 0cm;">
Uma pena que não tenha. </div>Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-79449427909055236512012-01-05T22:01:00.001-08:002012-01-06T08:53:54.171-08:00Sobre sonhos e lobos<p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Eu tive o sonho mais estranho esta noite. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Nele, era mais um dia normal na minha vida, e tudo começou quando eu resolvi sair de casa para cuidar de um assunto; e se não me ilude a memória, foi para comprar alguma coisa. E nesse início, como não depois, a minha casa ainda era de fato a minha casa. Lembro de pegar o carro e de estar atrás de um balcão, esperando receber o produto. Lembro também que, ao sair da loja, ocorreu-me realizar uma outra tarefa. Entrei no carro, dei partida no carro e saí na rua. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> A partir daí, o sonho se torna um monte de imagens que se sobrepõe em alta velocidade, e mais transmitem sensações que propriamente elucidam qualquer coisa. Sinto que a realização da outra tarefa logo se tornou uma aventura que me fez percorrer os cantos mais recônditos de uma cidade sem fim. Viajei de ponta a ponta, conheci pessoas novas, fui de objetivo em objetivo; sem nunca voltar para casa. Incansavelmente me punha a procurar e a resolver todos os problemas que pudessem se pôr entre mim e meus objetivos, estendendo sempre mais uma viagem que se esticou de tal forma no meu peito que pareceu levar anos. Não mais tinha eu de comprar coisas, mas encontrar objetos, realizar trabalhos, atender favores, fornecer ajuda, pesquisar soluções, todo tipo de deveres que surgem regularmente no cotidiano de uma pessoa que busca desenvolvimento e crescimento pessoal. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> No meu caminho, conheci várias pessoas diferentes. Não me é possível lembrar-me a fundo das características de nenhuma em específico, mas sei que algumas foram reaproveitadas pela minha mente da minha própria vida. Alguns rostos, embora embaralhados de forma a impossibilitar a minha lembrança clara, eu sinto que conheci de verdade, enquanto outros foram simplesmente inventados. Lembro de sentir, no entanto, ter me apegado a diversos desses rostos embaçados; alguns me ajudaram a resolver meus problemas, outros eu ajudei de alguma forma. Alguns por um tempo levei para rodar em meu próprio carro, uns por obrigação, outros por afeto mesmo. Sinto a alegria de conhecê-los e a tristeza por vê-los partir como se cada uma dessas ocasiões tivessem sido verídicas. Lembro também que cresci pessoalmente com a convivência que tive com cada um deles, nas dezenas que foram. O sonho foi evoluindo, durante essa viagem, em algo que nunca antes meu subconsciente conseguiu sintetizar, de modo que no final dela, e até agora enquanto escrevo este texto, meus sentimentos são afetados pela realidade de tudo aquilo. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Durante a viagem, além das pessoas que fui conhecendo, fui ganhando presentes e adquirindo itens que guardei no porta-malas do carro; como as conquistas que vamos acumulando durante nossas vidas. Quanto mais viajava, quanto mais cumpria meus objetivos, mais coisas tinha para guardar no porta-malas; testemunhas de meus sucessos. Aquilo, assim como a experiência que eu adquiria com as outras pessoas, enchia-me o peito de glórias. Eu enriqueci de todas as formas durante minha viagem... </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Até que anoiteceu. No sonho, não lembro se foi a primeira noite que encontrei, ou se muitas outras se passaram ( o que seria mais lógico, já que para mim foram anos que se sucederam). Sei que foi a noite mais nítida de todas, para não dizer a única. Lembro de descer as escadas de uma casa num terreno deserto, com um prato de comida em minhas mãos. O prato estava protegido numa bandeja tampada, e a rua que me esperava ao pé da escada era iluminada apenas por um poste, e de todo modo solitária. Entrei no carro e segui para casa.<br />Minha casa não era mais a minha casa, mas uma espécie de escola, onde várias pessoas da minha idade moravam. Estacionei o carro, e única coisa que levei dele comigo foi a comida; parecia ser ela a culminação de todo o meu esforço, o objetivo maior e mais recompensador. Entrei pela porta da frente com uma alegria que não cabia no peito, levando a bandeja com minhas duas mãos, muito orgulhoso. No corredor de minha casa, que mais parecia com os largos e cheios corredores de uma escola, entretanto, fui encontrando colegas que me olhavam... feio. Todos passavam e me lançavam olhares enojados, irritados. Fui começando a sentir um aperto no estômago, ao invés de felicidade no peito. Logo senti minha expressão facial transformar-se numa clara indagativa. Queria saber por quê todos me tratavam com desdém e reprovação. Até porque grande parte dos que passavam eu havia conhecido na minha viagem, e por eles nutria muita consideração. Os corredores lotados de discórdia pareciam exageradamente longos, e ao final meu coração já batia acelerado e uma paranoia havia se apossado de mim. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Finalmente, após longo caminhar, cheguei no refeitório (sim, era um refeitório, com muitas daquelas mesas longas de praça-de-alimentação, cheia de cadeiras para acomodar centenas de pessoas). Logo na entrada, no entanto, fui abordado por uma figura de rosto fora de foco que finalmente me explicou o motivo de tanto ódio:<br />“No decorrer de sua viagem, Haroldo, você se utilizou de todas as pessoas com que teve contato; sempre de maneira egoística, impessoal, tratou de se aproveitar, de sugar o que elas tinham a oferecer de melhor, e não hesitou em chutá-las para fora de seu carro assim que se sentia completo e satisfeito. Você fez mal para absolutamente todas as pessoas com que teve contato, e elas não carregam senão sentimentos ruins sobre você.”</p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Aquela declaração doeu-me. Doeu-me ainda mais porque aquele rosto fora de foco tinha alguma espécie de carga emocional de grande efeito em mim. Aquelas palavras fizeram-me sentar e assistir uma segunda vez minha viagem, onde pude então reparar que de fato, muito embora no momento não tivesse sido capaz de perceber, eu tratava as pessoas como se objetos fossem, elaborados com o único propósito de satisfazer-me as necessidades. Reparei então a tristeza que lhes infligia com a minha partida, e a frieza com que nunca mais fazia questão delas ou coisa que o valha. E de repente, o refeitório estava vazio. Vazio como se nunca uma alma houvesse posto o pé lá. Afora eu, claro. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Lembro que o refeitório, suas mesas, cadeiras, paredes e tudo o mais, eram de cor predominantemente branca. A claridade era simplesmente elucidativa. Lembro-me então de, em silêncio, abrir minha bandeja com comida. A bandeja não me trazia mais nenhum contentamento; era um sabor amargo de decepção e angústia o daquela comida. Comi em silêncio, completamente sozinho e de cabeça baixa, como se nunca minha vida houvesse me trazido qualquer tipo de felicidade. Até que levantei a cabeça para encontrar à minha frente um grande lobo negro, como que saído do vazio, que se sentava à mesa como se gente fosse. Podia muito bem ser alguém fantasiado, sentado com as mãos à mesa, imóveis; só que era um lobo, com focinho, pelo farto e muito magro. Gostaria de poder recordar a cor de seus olhos mas sou completamente incapaz, portanto em minha memória seus olhos eram brancos como a sala ao redor. Ele me observava calmamente, e não demorou a falar. E o mais assustador de tudo era que, apesar do aspecto agourento, sinistro, sua voz era tranquila, racional e insanamente sensata: </p> <ul> <ul> <li><p class="western" style="margin-bottom: 0cm"><i><u>Então, qual é afinal o gosto da comida de que agora desfrutas?</u></i></p> </li></ul> </ul> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"><span style="text-decoration: none"> Acordei, mas o sonho me matou um pouquinho.</span></p>Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-16703686642542355602011-11-18T16:04:00.000-08:002011-11-18T16:05:00.222-08:00Tipo sexta, ou tipo segunda.<p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Acordo. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Olhos ainda fechados, estendo a mão e procuro o celular. Duas em três vezes, ele não está onde minhas mãos pensavam que estaria. Pequena primeira frustração, mas moedas de 1 centavo também enchem cofres. Abro os olhos e localizo-o, embaixo de uma pilha de outras coisas inúteis que eu não sei como foram parar em cima dele. Com cuidado, puxo-o para mim; com estrondo, coisas caem no chão. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> 19 horas de um dia que eu não sei qual é. Pode ser segunda ou quinta-feira ou qualquer coisa entre eles. Eu sei disso porque fui trabalhar hoje, e não me lembro de ter sorrido ao sair cartório, o que eu só faço às sextas. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Tive uma prova hoje, fiz com facilidade. O que me assusta, visto que só entendem de dificuldades aqueles que podem lidar com elas. Eu me sento, coço o olho. Na minha estante, meus livros me avaliam. Eles são reflexos da minha vida: metade deles é de ficção, metade é de Direito. E ainda assim, nenhum deles tem coisa alguma a ver com a minha alma. Tenho alguns de autoajuda também, mas são poucos. Me pergunto se não deveria adicionar alguns mais à pequena biblioteca. De qualquer forma, após tantas leituras, de que adiantam minhas opiniões formadas, que mesmo se forem continentes imensos e sólidos, flutuam à deriva num oceano mil vezes maior? Não há nada que eu possua de que não possa me desfazer. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> De volta a mim, me levanto. Meus olhos encontram meu mural de fotografias. Eu sempre me esforcei para mantê-lo sincronizado com a minha vida, com fotos recentes e rostos familiares. Não surpreende então percebê-lo vazio. Um dia ele já foi cheio, mas prometi a mim mesmo atualizá-lo. Removi todas as fotos, então, mas ainda não pude selecionar novas para revelar. Ele está num entre-tempo, assim como a minha vida. Suponho que não falhei em mantê-lo sincronizado, portanto. Talvez eu precise de ajuda para voltar a povoá-lo, não sei. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Já é de noite, o dia me escapou por entre os dedos. O que fazer agora? Ainda não malhei, ainda não estudei, não tenho encontrado tempo para essas coisas ultimamente. Onde tenho gastado meu tempo? Não ligo TV, meu videogame já está empoeirado. O que ando fazendo? É essa a época dourada da minha vida?</p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Um amigo me disse que haveria uma competição de poesia, chefiada pela Academia Amazonense de Letras. Por dentro, morri de vontade de participar. Não posso, entretanto, evitar lembrar que mentes instáveis como a minha não produzem versos coerentes. Já fui subjugado antes mesmo de pousar a caneta no papel. Desisto sem tentar. Eu sei que a pior classificação é nenhuma em absoluto, mas existe um placebo em não competir. Que, pensando bem, é como tenho me medicado nos últimos 20 anos ou tanto. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"></p>Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-85377365729328644242011-08-17T21:01:00.000-07:002011-08-17T21:04:48.762-07:00A tatuagem que eu fiz<pre class="western" style="font-style: normal; line-height: 0.45cm; text-align: left; widows: 2; orphans: 2; "><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: rgb(42, 42, 42); "><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Arial Unicode MS', sans-serif; font-size: 9pt; "> </span><span>As pessoas vêm me pedir para mostrar a minha tatuagem freqüentemente. Algumas, ao contemplá-la, arregalam os olhos e elogiam sinceramente. Outras, ficam desconsertadas e mudam de assunto. Uma até já disse que não gostou, assim, na lata. Acho que elas esperavam algum desenho super elaborado, colorido, rico em detalhes... Mas, ao contrário, encontram um esboço negro, uma sombra no formato de um lobo, com irregularidades descoloridas em seu centro. Decepcionante para alguns, interessante para outros, é isso que eu percebo.</span></span></div><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> Bem, se tivesse sido meu objetivo retratar algo mais propenso à bel satisfação dos telespectadores, com certeza ela não estaria num lugar de difícil contemplação, e sim nos antebraços ou panturrilhas ou coisa que o valha. Como um dia irei fazer; aguardem que um dia virá algo bem maior e mais colorido e detalhado. Mas por enquanto, primeira tatuagem, eu escolhi algo mais simples.</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> Aí vem aquela famosa pergunta, que já virou bula de tatuagem: "E tem algum significado?".</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> “É de um livro que eu gosto muito”, respondo às vezes. “É uma imagem que eu gosto de olhar”, eu respondo outras; já cheguei a dizer até "É que eu gosto de lobos", como se existisse também a possibilidade de eu tatuar uma garrafa de coca cola. A questão é que essa imagem em particular exerce certa fascinação sobre mim, e eu nunca soube explicar por quê. De fato, eu gosto de olhá-la. Quando eu a vejo, uma palavra salta à minha mente: virtudes.</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> Virtudes.</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> Quando eu olho para o desenho, eu literalmente tenho vontade de ser uma pessoa diferente, uma pessoa melhor. Pode parecer estranho, mas essa deve ser uma daquelas conexões que a mente faz sozinha, sem pedir o nosso parecer.</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> A adolescência pode ser um período difícil, e eu admito que a minha só foi difícil até o ponto em que eu me fazia dificultá-la; afinal, nunca nada me faltou. E ainda assim, crescer tem se mostrado uma tarefa complexa, e a maturidade tem sido um cálculo renal duro de expelir. Me assombra o quanto as pessoas notam que eu mudei, mas nem passa perto do tanto que me assusta o modo como eu percebo ter mudado. Os textos desse blog, vocês talvez tenham percebido, possuem um tema implícito recorrente: o amadurecimento. É um tema que eu tenho notado, mesmo sem tê-lo em mente quando escrevo. Talvez porque o meu subconsciente tenha sido incisivo na mensagem: crescer é doloroso. Eu me arrasto por corredores escuros de nostalgia, me afogo em pessimismo e não raro me isolo por pura melancolia.</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> Crescer é difícil.</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> As responsabilidades que cauterizam o saudável amadurecimento são uma fera, uma fera cuja face não se pode racionalmente distinguir, então eu a vejo como uma sombra; uma sombra que persegue onde quer que se vá. Um vulto negro que não conseguimos divisar, mas cujos efeitos podemos facilmente sentir. Eu sei que essa fera possui grandes presas, porque são essas presas que causam as feridas que vão me ensinar a caminhar com minhas próprias pernas por onde a vida me levar. Eu sei também que ela possui olhos atentos que estudam, esperam e julgam; é com esses olhos que essa fera me avalia, e é através deles que um dia eu vou aprender a enxergar. Neste dia então, neste longínquo dia em que eu finalmente aprender a extensão de minhas consequências, é que a fera vai me dar espaço para respirar. Não estou dizendo que ela vai me deixar em paz, porque isso jamais acontecerá; os homens tem suas feras, suas bestas e seus demônios acorrentados a si da mesma forma como possuem jeito de falar e maneira de pensar. E, se caso contrário, eu não aprender com suas dentadas corretivas, eu sei que só vai me restar sofrer. Sofrer em solidão com os erros que cometi, quase como um lobo que se afasta para lamber suas feridas. </div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> Essa é a fera à qual devo ficar atento: a sombra de um lobo com a boca arreganhada e olhos bem abertos. Que agora eu carrego no lado esquerdo do peito, um lembrete de tudo o que preciso lembrar. Ele me espreita, me assusta, me aconselha, tudo com um simples olhar. Agora retornamos àquela emblemática palavra que eu mencionei anteriormente: Virtudes. Agora, ela faz sentido: esse lobo que persegue e ameaça só deseja uma coisa; me fazer crescer virtuosamente. Essa figura era o peso na consciência que eu sempre tive, o medo de não estar fazendo as coisas certas.</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> E algumas pessoas me perguntam por que eu deixei uns espaços em branco no interior do lobo, e acham idiota quando eu digo que não vou preenchê-los de maneira alguma.</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> Ora, para que serviriam esses pequenos espaços em branco se não para me lembrar de que é possível afastar a presença asfixiante do medo da mudança? De que há luz do outro lado? De que toda mudança pode ser bem vinda? As falhas no lobo são as vitórias que eu já consegui. O lobo, afinal, está em mim porque sou eu. </div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> Ou assim eu gosto de pensar.</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> E aí, é significado o bastante para você? </div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> P.S.: Só uma coisa me causa estranhamento em relação ao meu lobo. Só uma coisa eu admito que não consigo conceber em relação à ele...</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> Mesmo após a minha morte, depois dos meus momentos finais, ele vai permanecer lá. Mesmo quando eu me retirar desse mundo, quando daqui saírem todas as pretensões que são minhas, todas as virtudes que eu tive em mim, todo o conhecimento que amalgamei, ele ainda vai estar lá, lançando a sua encarada à quem quiser ver. E talvez seja ele que meus filhos, meus netos, minha família e amigos vão ver ao se despedir de mim. E isso é real, real demais.</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> Presas expostas e olhos atentos, negro como o desespero, no meu peito, o meu lobo-de-guarda vai lhes lançar um último longo, longo olhar de cautela.</div></span><span style="font-family: arial; font-size: medium; "><div style="text-align: justify;"> Por algum motivo, esse pensamento trás uma sensação que eu não sei definir. O que é apenas mais um dos mistérios dessa enigmática tatuagem que eu fiz, e cuja beleza eu não exito em confessar que talvez só eu seja capaz de ver.</div></span></pre>Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-41709650841820028562011-06-20T14:25:00.000-07:002011-06-20T14:27:52.078-07:00O Advogado<p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> John Grisham parece ter sempre o mesmo a dizer quando o assunto é advocacia: é um trabalho insalubre. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> John Grisham é um autor norte-americano, mas antes disso era advogado. Ficou famoso escrevendo thrillers com temática jurídica, de modo que quase toda a sua obra orbita ao redor de tribunais. Mas chegou à minha mão uma obra sua que, ao menos até agora, não é thriller nem tem ação. O nome do livro é O Advogado, e é também o enredo. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Michael Brock é advogado em uma dessas super-firmas de advocacia que só existem nos EUA. Está para se tornar sócio, passando assim a ganhar salários com 6 dígitos. Trabalhar 18 horas por dia não é mais problema para o homem, de apenas 30 anos; em dado momento, ele pondera que já deve ter trabalhado mais nos últimos 10 anos do que muita gente trabalha a vida toda. Ele é casado com Claire, uma cirurgiã competente e que passa tanto tempo fora de casa quanto ele. O divórcio é o poltergeist sentado à mesa da cozinha, esperando os dois lhe darem atenção. Em termos jurídicos, o amor sofreu os efeitos da decadência. Mike e Claire são mais um casal de sucesso profissional e fracasso emocional. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Um evento acontece durante um típico dia de trabalho de Mike: um sem-teto entra na firma com bananas de dinamite presas ao corpo e um revólver, e faz 10 reféns; Mike e outros figurões da firma. A situação é diligenciada nas primeiras páginas, e Mike sai ileso, com o sangue do sem-teto no rosto após uma ação arriscadíssima de um atirador de elite. O sangue pode ser visto de maneira metafórica, porque após o fato o advogado começa a se interessar pela situação dos sem-teto da cidade e sentir culpa por ver uma parcela de sua responsabilidade naquele mosaico. É quando Mike começa a repensar a sua vida, e John Grisham começa a centrifugar a bagunça que pode se tornar a vida dos gananciosos para separar o que, ao final das contas, é importante na vida de um ser humano e o que é ilusão. O resultado é um livro que parece contar desgostos da própria vida do escritor. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> 10 anos antes, Mike era um estudante de direito promissor numa faculdade de renome, com aspirações pela carreira pública, na defesa dos mais pobres, e apaixonado pela jovem Claire. Enquanto ele sente o frio que sua esposa evoca em relação ao trágico evento que poderia muito bem ter-lhe custado a vida, ele se pergunta onde tudo isso se perdeu. Em que momento a papelada do escritório fez sucumbir as cartas de amor. Com tristeza ele lembra que o motivo pelo qual Claire começou a fazer medicina foi ele: o sentimento de rejeição que o trabalho dele lhe incutia fez com que ela procurasse uma faculdade semelhante onde se enterrar. Agora eles tinham uma casa muito bem mobiliada, só que vazia. Em vários momentos Mike agradece por nunca ter tido filhos, porque ele não gostaria de dar-lhes o desprazer de ver a família se destruir da maneira como promete fazer.</p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Mike senta sozinho à noite na cozinha imaginando quando a conversa sobre o divórcio vai acontecer. Mike se vê preso na crista da onda que ele deu início. Mike almejava o salário de um sócio, e no caminho sacrificou todo o resto. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> “Vamos para a California”, ele diz certo dia, de manhã., à esposa. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> “Como assim?”, ela pergunta, levemente interessada.</p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> “Vamos para a California. Só eu e você. Eu peço uns dias de folga do trabalho, você também, e nós partimos. Simples assim. Vamos? Hoje?”, ele explica, como se eles fossem jovens de novo.</p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> “Não posso. Não dá”. Eles não são jovens de novo. Não há retorno. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Cuidado quando você estabelecer suas prioridades; cuidado para que a decepção que você vai sentir no futuro não seja muito grande. Existem mil escolhas que podemos fazer no decorrer dos dias, mas só uma é a correta. Vai ver você não escolheu a faculdade certa, vai ver você não escolheu a pessoa certa, vai ver você não mora no lugar mais apropriado, vai ver a sua família não é a mais adequada, sei lá. John Grisham fala das decepções na carreira jurídica, então imagine que no mundo nem os que amam sua carreira e se tornam milionários são capazes de serem felizes. Tudo é muito mais complexo do que você achava que seria. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Ainda estou para descobrir o que vai acontecer com Mike e Claire, talvez eu lhes conte quando souber. </p>Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-57312788365574652122011-06-01T11:27:00.001-07:002011-06-01T11:27:59.459-07:00Cenas de uma Vara Criminal.Pessoas.<br /> Numa multidão recortada de uma cena cotidiana, o que você acha que sabe dos indivíduos que a formam? Você acha que seus anos de experiência, sua vivência, podem lhe dizer algo de alguém por um simples olhar? Uma parada de ônibus, uma praça de alimentação. Uma mãe com seu filho ainda de colo, um homem com sua pasta de documentos, um obreiro e suas ferramentas. Qual é o histórico das pessoas que integram o mosaico do cotidiano?<br /> No meu cartório, diligenciei a assinatura de um homem magricela, cavanhaque e cabelos compridos. No início, ele entrou cabisbaixo e respeitoso na sala da Vara, afetado, e ao final do procedimento ele foi simpático, até estendeu a mão para um cumprimento de despedida; o que é raríssimo, evento quase semanal. Após lhe desejar bom dia, eu me voltei ao seu processo e fui ler o que o lhe levara a mau termo com a Justiça, ainda com a boa educação do rapaz em mente.<br /> Onde trabalho, lido primordialmente com infrações criminais tolas, como dirigir sob a influência de álcool, uso de entorpecentes, injúrias e coisas do tipo. Alguns poucos processos são mais sérios, como o próprio tráfico de drogas, roubo e alguns homicídios em liberdade condicional; mas de mil processos, estes são apenas 60. E o processo desse rapaz era um desses.<br /> Pela idade e aparência em geral, eu deduzi que se tratasse muito provavelmente de roubo a mão armada, ou, na pior hipótese, de tráfico.<br /> Os artigos 213, 224, “a” e 121 do código penal são artigos que marcam o estudo de um acadêmico de Direito. São também os artigos que eu vi no processo. Quem sabe entende porquê, ao vê-los, não pude evitar se não erguer a cabeça em sobressalto, como se tivesse levado uma estocada, e procurei ao redor sinal de alguém que pudesse dividir a surpresa comigo. Ao ver que ninguém notara minha reação, fiquei a pensar que mão era aquela que eu apertera. Meu olhar ficou, instintivamente, na maçaneta da porta, como se o rapaz pudesse voltar a qualquer momento.<br /> O artigo 213, em conjunção com o artigo 224, “a”, trata de estupro de menor; Pedofilia. Que foi o primeiro crime do rapaz, algum tempo atrás. Não se computa a invasão de domicílio que ele teve de realizar para estuprar a filha de uma mãe solteira. Mas calma lá, porque o artigo 213, sozinho, trata de estupro, que é outro crime que ele cometeu, um ano depois, ao invadir a casa de um casal no meio da noite. E a faca que ele afundou no peito do marido da moça quando ela resolveu gritar é o famoso 121; Homicídio.<br /> Não é necessário dizer que nunca, nunca passou pela minha mente que um dia uma figura com uma ficha desse tipo ia apertar minha mão. Ia me desejar bom dia. Expressar um ato tão singelo de humanidade.<br /> É quando eu lembro que todas as figuras vilanescas da história de que ouvimos falar eram também humanos. É quando eu lembro que tudo o que ouvimos chamar de “desumano” foi na verdade ato humano. Humano até demais.<br /> Inocência é um frasco de que irrompemos ao crescer. Confiança é a ilusão que construímos para não ficarmos simplesmente assustados demais para sair de casa.<br /> Já vi mortes por motivos tolos, como dinheiro para cachaça ou desentendimento acerca de um jogo de sinuca. Já vi mortes por motivo nenhum; é difícil dizer qual choca mais.<br /> Tenho 19 anos e já sei que mãos que destroem famílias podem ser as mãos de qualquer um que se aproxima num dia como qualquer outro.<br /> Se Deus existe, ele está sempre de preto, em luto constante, porque os piores monstros são também filhos dele, mais do que são irmãos para mim.Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8153086062446478560.post-14823794385762122292011-03-26T12:01:00.000-07:002011-03-26T12:03:02.904-07:00A Civilização está morta<p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> É uma criança de 14 anos. Alto e magricela, o rapaz parece uma boneco de madeira à lá Pinóquio; com braços e pernas compridos e finos, que ficam evidentes fora da regata que ele traja. Quem é ele? Sei que tem 14 anos. Será que ele é um bandido? Ele já roubou? Talvez ele já tenha machucado alguém. Talvez não. Sei que ele caminha por ruas estreitas com casebres de salário mínimo durante a noite. E é de noite que as bestas dentro dos homens saem para caçar. Mas o jovem não sabe disso. Ele nunca acreditaria que o seu destino tomaria a via que tomou, nem mesmo se alguém que pudesse prever o futuro numa bola de cristal lhe dissesse. Essa noite vai ser tragicamente diferente para o desavisado. Um olho mecânico assiste a tudo, impotente é verdade, mas é testemunha implacável. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> As bestas começam a vasculhar a rua; vão descendo casa por casa, quintal por quintal, rabo empinado, olhos atentos e focinhos em guarda. Farda decorosa para criaturas repugnantes, eles são a polícia que nunca na vida policiou. Eles se espalham enquanto farejam a rua sem saneamento, as criaturas desasseadas de mente insanável, decrépitas e antiéticas que vistoriam cada sombra e cada buraco. Espectros movidos pela raiva e pelo instinto, eles finalmente acham a trilha da presa, e em questão de minutos ela está cativa. São vários brutamontes portanto coletes a prova de bala, com revólveres nas cinturas, teflon e plástico, pólvora e projéteis; e apenas um jovem com 14 anos na cabeça e pouca carne no corpo, crimes ou não, inocente ou depravado, ao fim e ao cabo, apenas acuado. Eles envolvem o rapaz no perímetro de violência, com um muro às costas. De repente, todas as armas são retiradas de seus coldres e os olhos do rapaz, enquanto se enchem de lágrimas, ricocheteiam de pistola para pistola. 1, 2 , 3... E agora?</p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Empurram pra cá, empurram pra lá, você já assistiu à bullying na escola? Pois é, a situação é similar. Quem se importa com o garoto, ele está chorando só um pouco mais forte agora. Um dos diabos enfia o revólver no rosto do rapaz, como se ele precisasse de mais um lembrete da existência do aparato; como se ele pudesse se esquecer dela por um momento sequer. Subitamente, o diabo enfia a arma no coldre novamente. Esperança? Não depois que o flash iluminou a noite e o trovão alertou a vizinhança, que finge que dorme. Primeiro tiro, e a bala atravessou o rapaz e foi parar no muro. O rapaz se contorce de dor e tenta sair dali rápido. Os fardados assistem enquanto ele manca pra longe, deixando ele se afastar. Esperança? Não quando o ouvido do rapaz capta o som do trotar dos pés dos diabos, quem vêm correndo logo atrás. Rapidamente, a presa é alcançada de novo. Dessa vez, sem terror psicológico; outro fardado levanta seu canhão e põe ferro no pulmão do jovem. Oxigênio e sangue. O rapaz se contorce. Grita de dor e cai no chão. Viria então o tiro de misericórdia. Seco, sucinto e na cabeça. Mas outro fardado intervém com um tiro pra cima, ao que os outros olham assustados; eles não se entendem nem entre eles mesmos. Então, os malditos parecem concordar em levar o menino vivo. Eles o segurando pelo cotovelo, o levantam e o empurram pela rua, em direção à viatura. Em algum momento, quando o foco da filmagem se perde atrás de uma árvore, ouvimos um novo bang e mais um flash pode ser percebido; a presa tomou outro tiro de graça. Talvez porque ela não estivesse andando depressa o suficiente.</p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Então, os fardados empurram o rapaz pela calçada. As bestas movendo a carcaça. De vez em quando ele pára para vomitar sangue, mas quem se importa? Às vezes, ele simplesmente cai de joelhos no chão, as suas forças drenadas em poças no chão, ao longo do trajeto. Mas as bestas empurram e mandam andar. Andar. Andar. Andar. Em direção à uma existência mais sofrida, menos merecida. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Eu faço Direito para entender as coisas. Para poder discernir o certo do errado. Para poder pesar fatos e apresentar um parecer positivo. O vídeo que eu assisti mostra policiais militares torturando um jovem indefeso. O jovem, muito provavelmente um ladrãozinho, nunca revida. Os seus protestos são suas lágrimas e seus gritos de dor. Eu aprendi que quando um crime é cometido, ele é punido com uma sanção previamente aprovada. Mas a sociedade tenta nos ensinar, em momentos assim embrulhados pela noite, que na verdade os crimes são punidos com crimes piores, e que os seres humanos se jogam numa espiral de mútua degradação. Estardalhando no chiqueiro. <br /> Outro dia um amigo meu disse que acha que a sociedade já alcançou um nível de desenvolvimento tão alto, tão diplomático, que ele questionou até a própria existência do Exército e das Forças Armadas para fim de situações de guerra e pacificação social. Eu revidei dizendo que, oras, aposto que em 1915 os homens também tinham essa sensação de modernidade, de segurança, e que isso não os impediu de atravessar 2 guerras mundiais. Aí ele redarguiu com um pouco de impaciência que, porra, os tempos são outros agora. Somos <i>avançados</i>. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Bem, um abraço forte para todos os que compartilham as ideias desse meu amigo, ok? Sensação de segurança é como aquele momento de torpor inexplicável que sentimos antes da lâmina cortar a nossa garganta: não serve para nada, é puro escapismo existencial. </p> <p class="western" style="margin-bottom: 0cm"> Sabe aquele cantor do Restart babaca lá e o comentário famoso dele acerca da nossa região? Pois é, eu quero ir contra a corrente e concordar com ele. Não cara, nós realmente não temos civilização por aqui. Sério mesmo. A civilização morreu ainda no parto. </p>Haroldohttp://www.blogger.com/profile/07234020502363199274noreply@blogger.com0