quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Um discurso não muito interessante

Ok, então hoje eu venho a vós um pouco irritado. Ultrajado, para não falar de menos.

Vou ser conciso, porque a questão meio que arde em meu peito. Aliás, para não parecer demasiado superficial, vou lembra-lhes que sou cinéfilo – pronto, agora a crítica e a urgência devem fazer sentido.

Então, temos a seguinte questão: O Discurso do Rei é um filme inglês sobre a realeza britânica durante um momento crucial da história do – bem, do mundo: a Segunda Guerra Mundial. Mais à fundo, é sobre a superação do ainda-por-ser Rei, George VI. O filme adota a luta pela superação da gagueira do protagonista (que era simplesmente incapaz de falar em público) como metáfora para a sua preparação e então devida ascensão ao trono – trono este que ele toma de seu irmão irresponsável por meios completamente legais. O filme tem uma porcentagem de 95% de apreciação no site (meu favorito) Rotten Tomatoes, e foi indicado à 12 oscars. Tem performances excelentes de Colin Firth (ator principal) e Geofrey Rush (ator coadjuvante).

12 oscars. Uau. Isso é épico. Entrou para a história como um dos poucos filmes a ser tão bem indicados (perto de Ben Hur, Titanic e Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei). Sério mesmo? Digo, o filme termina com a tão esperada superação do personagem principal, que parece vencer a gagueira num discurso histórico que é refeito na íntegra para o telespectador. O discurso à mesa é o que expõe a posição da Inglaterra em relação à Alemanha; que se opõe ao nazismo ou coisa que o valha. O filme tenta transformar uma simples situação enunciativa no seu próprio ponto culminante, mas que infelizmente carece de valor ao telespectador desinteressado. A impressão que ficou, pra mim, foi bem adversa: que a vida daquele Rei era tão vazia que esses simples discursos eram a coisa mais importante que havia na Monarquia.

Enquanto eu enfrentava as 2 hrs de filme, eu sabia que a simples gagueira do protagonista não era grande empecilho. Oras, um rei que sabe falar é bom, mas um rei bom de verdade tem muitas outras qualidades. Eu sei disso. Eu espero que todos saibam disso. Não que o papel quase que meramente estético da monarquia seja assim tãão importante, mas tudo bem, eu vou pegar leve com os ingleses. O filme chega ao extremo de associar a Monarquia à “Voz do povo”, e que portanto um “Rei Gago” seria um absurdo, e que era absolutamente imperioso que o George conseguisse ler algumas linhas na rádio de vez em quando. O filme aproveita também e omite o fato de que o seu irmão, que perde o trono, era NAZISTA. Tudo o que mostram as câmeras é um cara gente boa, mas que está perdidamente apaixonado pela esposa, que por alguns motivos não pode virar rainha, e que é por causa disso que ele renuncia ao título de rei. Bem, pois é, ele era NAZISTA; permanecer no poder teria sido UM ABSURDO de qualquer forma, então o George IRIA subir ao poder, sendo ele gago, perneta, cego ou que quer que fosse! E outra; depois que George sobe ao poder, ele permanece com medo de que o povo não o queira lá; o que eu sei também ser um ABSURDO, porque hey, quem diabos ia apoiar o rei nazista? Opa, eu desmontei o “melhor filme do ano”? Me desculpa, eu nem prestei atenção. É que o filme é uma ilusão de câmera bem arquitetada, mas é na verdade tão frágil que alguma pesquisa histórica desmonta completamente o seu valor; como um truque barato de mágica, o filme passa a ser só uma mentira supervalorizada.

Aí nós temos filmes como Cisne Negro, A Rede Social, O Vencedor e, por que não, A Origem. Excelentes filmes, todos. Foram todos indicados à vários oscars. O meu favorito é O Vencedor; o filme trata sobre problemas pessoais numa família que enfrenta franca decadência, e como as várias faces do amor verdadeiro podem levar as pessoas em direções tão diferentes. O filme é ótimo, o filme é inteligente, o filme é profundo, o Christian Bale está simplesmente legendário na atuação que é facilmente a melhor do ano (tanto como ator coadjuvante como ator protagonista), e pô, o filme pegou 90% no RT e 7 indicações ao oscar. O que não é pouco, eu sei, mas 5 à menos que O Discurso do Rei. Gente, por favor. Por quê? O Vencedor, e todos os filmes que eu citei são melhores, muito melhores que O Discurso do Rei. Cisne Negro é mais filosófico, O Vencedor é mais humano e mais psicológico, A Rede Social é mais bem escrito e bem elaborado, e A Origem é, bem, mais original.

Nessas horas eu questiono se não existe certa confraria entre os críticos de cinema mais conceituados, ou se o trabalho deles é mesmo tão massificante que eles têm o mesmo gosto e os mesmos valores pessoais. A comparação entre O Discurso do Rei e O Vencedor foi proposital: ambos os filmes são baseados em histórias reais, ambos envolvem superação,ambos omitem certos fatos em prol de uma melhor dramaturgia e ambos tem um final óbvio de doer. A vantagem de O Vencedor é que ele consegue ser bom sem ser, UAU, monótono. Os caras de terno de O Discurso do Rei podem argumentar o que quiserem, mas qualquer história, quando bem contada, consegue ser mais interessante do que a simples monotonia que o filme é. A diferença avassaladora, meus leitores, é simples: um dos filmes lida com a pomposa Monarquia inglesa, enquanto o outro lida com uns boxeadores desconhecidos e de vida suburbana. Então, só por isso, o primeiro filme já sai em disparada na frente. É como se os caras do Oscar estivessem sentados tomando uma heineken e falassem “Hey, esse filme aqui sobre a monarquia britânica é bacana! Uau!”, aí outro falasse “Mas pô, esse daqui sobre a vida dos boxeadores também é muito bom!”, ao que a maioria dos presentes responderia “E daí, cara? AQUELE fala sobre a MONARQUIA BRITÂNICA! Isso é tipo, tão mais merecedor que qualquer outra coisa!”.

Digo, desculpa se eu não sou hipócrita a esse ponto, mas eu vou ao cinema para ver boas histórias serem contadas de uma maneira profissional, sem favorecer este ou aquele enredo só porque ele aborda este ou aquele tema. Tudo é filme, gente, nenhum deles faz diferença real, não é como se a Inglaterra estivesse dependendo do sucesso de O Discurso do Rei. O que faz diferença é que no final das contas, um filme é mais bem feito que o outro.

Se a função do cinema fosse fazer com que ficássemos ligado na história inglesa, sério, eu comprava um livro. Agora, um desabafo final: eu já sabia que na sociedade humana, as pessoas “nobres” e com maior valor de mercado levavam todo tipo de vantagem em cima das pessoas anônimas, mas agora ficou óbvio que até os filmes sobre essas pessoas nobres levam vantagem sobre os filmes sobre pessoas anônimas! Uau, até que para um filme cujo cerne é a defesa da democracia, O Discurso do Rei se revela completamente antidemocrático!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Stieg Larsson, Liberalismo e blábláblá

Stieg Larsson é o autor da presentemente bombante Trilogia Millenium, que envolve os livros “Os homens que não amavam as mulheres”, “A menina que brincava com fogo” e “A Rainha do Castelo de Ar”. Desses, eu já li o primeiro e estou na metade do segundo. E não estou aqui para criticar o enredo dessas obras, que eu acho simplesmente espetaculares. O Sr. Larsson, já falecido, sem dúvida dominava a arte de criar Thrillers intensos e exemplarmente articulados. A leitura é quase narcoticamente viciante. Mas existe um ponto que eu achei interessante para trazer à baila.
Stieg Larsson se acha moderno. Suas histórias são recheadas de computadores super modernos da Apple e operações financeiras super intrincadas e outras coisas. Mostram uma Suécia (porque lá se passa o cerne da história) de ponta. E não é só nisso que o autor persegue a alcunha de Moderno-Liberalista: ele recheia as suas história de todo tipo de ideologias recentes: a protagonista mulher é coberta de tatuagens e bissexual; tem um caso com um homem que poderia ser seu pai durante quase todo o primeiro livro; possui casais gays tanto masculinos quanto femininos; várias personagens gostam de se vestir de maneira tão provocativa que em certo ponto do segundo livro são confundidas como putas por policiais; e, o que tem mais destaque ao meu ver, uma outra personagem mulher é casada mas, vejam bem, tem relação amorosa com o protagonista. Tem pontos onde ela chega a ir passar semanas dormindo com amante. Tudo isso, com a devida sanção do marido. Beleza. Muito interessante essa iniciativa “moderna” do autor de dar à mulher a liberdade sexual. Legal, legal.

Essas palavras vazias e tão em voga, “modernidade”, “liberalidade”,são uma boa iniciativa para incitar o desrespeito leviano. Ao meu particular modo de ver, lógico. Na trama, eu diria que os personagens não fazem amor, raramente fazem sexo, mas fornicam como lebres loucas. Sim, estou estabelecendo uma nova categoria, me processe. Vejam bem, a partir de hoje, fazer amor é aquela transa com aparência positiva e dignificante, sexo é a transa com aquele viés negativo, mais comum e puramente selvagem, enquanto fornicar é, de agora em diante, aquela transa que não significa mais nada. Nada. Nem positivo, nem negativo, nada. Só “Oh olá, tudo bem? Vamos transar. Sim, tudo bem. Isso, eu gostei, você gostou? Tá bom, beijo me liga!”. Quero dizer, é isso o que eu vejo na escrita do sr. Larsson, personagens que literalmente se apresentam e...transam!
Mas estou me desviando do tópico. Vejam bem, não vou criticar a iniciativa de espalhar homossexualidade pela obra como se fosse um papel de parede bonitinho, até porque a moda hoje é essa (vide novelas da globo). Mas essa da esposa que trai com o aval do marido... Vamos lá, acompanhem meu humilde raciocínio. Casamento, promessa de amor e devoção. Instituição quase tão antiga quando o ser humano, blábláblá. Posso parecer meio conservador demais para um rebelde psicológico, mas eu acredito no Matrimônio. O ser humano sempre vai precisar dessa união. E eu acredito também na devoção entre as partes. Sabe, se a minha esposa viesse com essa de “Oh, eu te amo, mas eu quero continuar transando com o Manolo” (porque é isso que a personagem fala: que ela “ama” o marido, mas que precisa dos cuidados sexuais do protagonista), eu iria calmamente pegar o meu rifle e polidamente perguntar se ela também não está a fim de mais uns buracos pelo corpo para que o Ricardão possa “enchê-la de piroca” com mais eficácia. Aí, eu a chamaria de “Vadia!” e mandaria ela sair da casa, com o cuidado de deixar a aliança na mesa do jantar. Oras, vejam só. Não é apenas a minha insegurança falando (Ih, o Haroldo não confia no taco dele!). Não. A questão é: as regras do casamento são claras. Se você pede para entrar, mas não as cumpre, você não deveria ter pedido para entrar em primeiro lugar! Digo, como pode haver respeito profundo se a mulher fica abrindo as pernas para outro fulano? Se ela passa semanas dormindo com o outro? O que nós temos é uma pessoa que na verdade não quer nada com nada da vida, que quer submeter os outros às suas vontades, manipulá-los até, só para se ver agradada. A parte em que amor é sacrifício e provação não tem lugar mais nessa coisa de modernidade, não é verdade? Agora a onda é “Hey, vamos fornicar! Uhuuul!”

Mas tudo bem. A ausência de comprometimento e de respeito passa batido, beleza. Mas não é nem esse o problema mais sério.

Certa vez, meu pai acordou no meio da noite com uma falta de ar terrível. Dores no peito, na cabeça, não conseguia falar por causa da falta de ar e até para se mexer tinha dificuldades. Mas mamãe estava lá, e o ajudou. Dirigiu-o até um hospital e tudo ficou bem. Isso é um casamento.
E se a dona personagem-da-obra estivesse numa dessas suas noitadas com o seu Número-2, tudo permitido por um marido que realmente a ama ao ponto de sonegar seus próprios sentimentos para que as vontades tolas de sua esposa possam extravasar, e o tal marido, sozinho em casa (porque eles não tem filhos e moram sozinhos) tivesse, digamos assim, a falta de ar que o meu pai teve? Sem uma esposa de verdade lá para ajudá-lo, recuperá-lo e segurar sua mão até o hospital mais próximo? Simples assim, senhores. Ela voltaria para casa e veria solucionado seu problema de bigamia, devido ao paciente cadáver que a esperaria, ainda na cama, em suas roupas de dormir, como a esperou seu marido tantas vezes, tantas noites antes daquela fatídica. Casamento serve para coisas assim. O meu conservadorismo me conduz à pensar em situações assim, oras. O casamento não foi feito para felicidade eterna, porque felicidade é um conceito tão evasivo quanto água corrente, mas para o suporte. Tupac Shakur já abordava o tema em uma de suas belíssimas canções: “Esteja lá quando for necessário me suportar e me ajudar, porque é para isso que você está aqui comigo”. Isso me faz questionar o próprio conceito de divórcio, mas não entremos em águas tão arredias.

É isso aí, certos pontos do modernismo você pode enfiar no cu e girar, ok? A tentativa do sr. Larsson de parecer moderno e livre de preconceitos cansa às vezes, pois ele tem essa mania de levar ao extremo a flexibilidade das coisas. Suas personagens são bem construídas, mas suas ideologias causam choque. Talvez isso seja só mais uma tática para impressionar, para causar frisson, mas é algo que eu acho digno de ser comentado. Afinal, não são poucas as pessoas que vestem a camisa da Modernidade e utilizam o pretexto da “ausência de preconceitos” para extravasar o que há de pior e mais mesquinho no seu ser.

É isso o que eu acho. Não concorda? Me processa.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Promessas que não ficaram

Posso até dizer que a primeira pergunta que me fizeram hoje aconteceu ainda agora; afinal, já era pós meia-noite. Meu amigo vinha me deixar em casa e, enquanto dirigia, coçou a cabeça e, com um fluxo titubeante de palavras, ele me fez a dita cuja. A primeira pergunta do meu dia foi:
Haroldo, o que você acha de promessas?
Essa pergunta segue muitos caminhos. Caminhos que seguem todas as direções; ela é como o ponto central de uma encruzilhada.
Quero dizer, muitas pessoas já me fizeram promessas, e tudo... Promessas que não foram levadas à cabo...
Bem, promessas são assim. Na minha opinião, promessas não existem. Afinal, não existe dever palpável numa promessa, então elas são exatamente iguais à todas as outras palavras que cruzam as nossas bocas continuamente. Mais afundo ainda, digo que promessas só fazem sentido se forem quebradas. Quando uma promessa é cumprida, ela cai no esquecimento, a não ser que vire moeda de troca, o que descaracteriza a própria. Mas se ela é corrompida, ela vira uma lástima. Promessas são feridas esperando para serem abertas, sabe?
Na minha vida, eu fiz muitas promessas que não cumpri. Já prometi estar lá quando precisassem. Já prometi amar. Já prometi não decepcionar. Já prometi mundos. Mas Deus, o homem que serra e martela as tábuas do meu caixão, assiste enquanto essas promessas viram buracos no asfalto. Com o tempo, naturalmente, essas feridas são suturadas. E eu gosto de imaginar que essas promessas são retratos de coisas que nunca ocorreram; retratos cujo filme não foi revelado. Por isso vale dizer que essas promessas quebradas são mãos que moldam o ser que nos tornamos dia após dia.
Uma promessa tem muito mais valor para a pessoa que a elaborou que para a pessoa que a aceitou, a não ser que esta seja uma ingênua. Quando uma promessa é quebrada, quem mais se contunde é o caráter do promitente. Na vida do promissário, a promessa é algo que passou em branco, na vida do promitente, é uma reorganização. Se eu fiz uma promessa, ela é minha.
Mas certas promessas foram feitas para mudar a vida de uma pessoa, e de repente essa pessoa se vê enganada! Isso não é uma promessa, é uma mentira.
A mentira é irmã da promessa. A diferenciação há de ser feita pós-morte. Fiquem atentos.
Promessas, mesmo que no futuro sejam quebradas, exprimem verdades. Naquele momento, a verdade foi dita. Se o futuro vai voltar seu punho contra as vontades em questão, o Coveiro é quem sabe. E se o fizer, a culpa será de ninguém. Mas naquele momento, a promessa é uma verdade séria.
Uau, foi assim que eu comecei o meu dia. Claro que eu não respondi ao meu amigo todo esse raciocínio, até porque já estava em frente de casa. Mas fica aqui o meu pensamento.