Resenha: “A visita
cruel do tempo”/ “A visit from the goon squad”, de Jennifer Egan
O ramo da
música está decaindo, mas não é por causa da internet. Pelo menos de acordo com
o livro “A visita cruel do tempo”, de Jennifer Egan, a culpa real deste fato é
a notória ausência de talento da nova geração de artistas. Não que o seu
interesse neste tema seja essencial para que você se apaixone por essa
espetacular obra; apesar de ser um dos temas do livro, ele não é, nem de longe,
o seu fio de meada. Não: ele, como todas as outras estórias do romance, são apenas
formas que a autora utilizou para abordar o tópico real: a passagem do tempo.
Centrado
num conjunto de personagens vagamente conectados (alguns mais do que outros), o
livro é contado através de 13 capítulos, sendo o foco interpretativo de cada um
centrado em personagens distintos. A estória se passa no decorrer de 40 anos, e
prioritariamente na cidade de Nova York. Comumente, cada personagem narrado já
foi apresentado anteriormente através dos olhos de outro personagem. O interessante
é que sempre que essas personagens são apresentadas pela primeira vez, elas estão
em algum ponto confortável de suas vidas; quando o livro decide que é a sua vez
de tomar o centro, entretanto, comumente somos levados a um momento turbulento
de suas vidas. Não que isto seja uma regra primordial, ou que sempre que acompanhamos
alguém, este encontra-se na mais miserável situação de sua vida, não. Mas
indubitavelmente, ressalta-se o interesse da autora em aproveitar os conflitos mais
significativos de cada um, ao mesmo tempo que assegura-se ao leitor o proveito
de uma narrativa bem sincronizada e no ritmo ideal. Quiçá haja leve tropeço no
desenvolvimento do último capítulo, que é de longe o mais fictício (tendo em
vista que se passa numa Nova York do
futuro), isto pode facilmente ser perdoado com o desfecho emocionante da
estória.
Aliás,
há no livro um capítulo narrado exclusivamente através de slides Power Point;
sim, este instrumento moderno que é, de outro modo, um recurso chato utilizado
por gente chata para apresentar conteúdos ainda mais chatos, aqui é posto em ação
para contar esclarecer certas dificuldades familiares de uma forma extremamente
inocente, tocante e memorável. Aliás, vale dizer: este capítulo em particular
ajudou a cercar o livro de um buzz espetacular, atiçando a curiosidade de
leitores e críticos em comum.
Jennifer
Egan é brilhante. Sua narrativa, no mais das vezes, segue o estilo de terceira
pessoa. Mas capítulos há em que a narrativa é em primeira pessoa. Há um
capítulo, inclusive, em que ela narra VOCÊ! Isso mesmo! Narrando as desventuras
de Robb, ela trata o personagem por “você”. Isto saltou-me aos olhos de forma
agradável e acendeu-me uma curiosidade literária bem forte, coisa que
certamente se passou com todos os outros que dedicaram ao fato alguma consideração.
Como se vê, a autora não tem medo de esbanjar seu talento, e as narrativas são sempre
eficiente e obedecem a um propósito: seja aproximar, seja distanciar quem lê
das ações e sentimentos de quem é descrito. Super eficiente é esta artimanha,
até mesmo para ajudar o leitor a se apaixonar por Sasha Blake, que, juntamente
a Bennie Salazar, são as duas personagens mais bem exploradas pela obra.
Todas
as personagens são ligadas de alguma forma à indústria da música: produtores,
assistentes de produtores, músicos, RP’s, jornalistas... Não impossivelmente,
atribuo isto ao desejo da autora de imiscuir sua obra com um profundo conteúdo pop, de modo a localizá-la bem num ramo
prático, comum e que definitivamente vêm ele próprio recebendo uma cruel visita
do tempo.
“A
visita cruel do tempo” recebeu o Pulitzer de 2011, e é uma das melhores obras
que eu já li. Fortemente recomendo sua leitura, tanto àqueles que gostam de
livros descomplicados quanto àqueles que preferem algo engajado. Não conheço os
livros anteriores de Jennifer (o que pretendo remediar nos próximos meses), mas
se eu fosse um homem de apostas, apostaria isto: guarde este nome, pois dentro
em alguns anos ele será muito reconhecido. Aliás, Egan já foi listada pela
Times como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo no ano de lançamento
deste livro, mas o que eu quero dizer é que o reconhecimento que ela já tem
pouco se compara ao que ela alcançará, simplesmente porque ela é dotada de um
talento maduro e acachapante que, se bem explorado, gerará obras que definem gerações;
como esta em especial já fez.