sábado, 22 de janeiro de 2011

Catástrofes Naturais

Tinha uma piscina e uma menina bonita, eu lembro. Tinha eu com 8, 9 anos.
Lembro que reparei antes de tudo no clima; não era esse asco abafado de Manaus. Era um friozinho agradável, um clima de montanha. Porque estávamos, aos olhos de eu pequeno, entre montanhas intransponíveis, lógico. Aos meus olhos de hoje, provavelmente montanhas não seriam, mas deixa ficar, deixa ficar, a prosa fica mais interessante. Lembro que a sensação era de isolamento total do mundo; afinal, sempre morei num lugar quente e plano, e ao chegar nesse novo local, montanhoso e frio, a impressão que tive foi de que estava agora num planeta diferente; no lugar onde as pessoas podem ir para fugir de seus problemas (que nunca subiriam até aquela altura, naturalmente) e simplesmente relaxar. Eu estava de férias, e aquele hotel me seduziu logo nos primeiros momentos.
Lá dentro não tinha carros, não tinha correria, mal pegava sinal de celular. Grandes jardins e cabanas simples, era como uma fazenda no paraíso. Fator que ajudou a me passar uma boa impressão do lugar foi que mamãe me deu liberdade para passear por lá sem necessidade de seus cuidados; me senti senhor de mim mesmo. Era só avisar onde iria que poderia ir onde quer que fosse. Me senti livre pela primeira vez na vida. Lembro também que o hotel tinha um cronograma para recreação infantil, de modo que sempre havia atividades para nos entreter; era só entrar na recepção e olhar para o quadro branco, e logo saberíamos o quê, onde e que horas. Sem necessidade de falar com adultos; tudo muito maduro e independente. Lembro disso porque um dia entrei lá e vi uma atividade de nome muito interessante, que me deixou de imediato curioso: Caça Fantasmas.
Na primeira vez que fui à piscina do hotel, ela parecia enorme e cheia de coleguinhas em potencial. E tinha até uma menininha da minha idade; sempre tem uma menininha da nossa idade nas boas histórias. Ela poderia ser minha namorada se quisesse. Nessa idade, todas as meninas podem ser nossas namoradas; é que tudo parece maior pra gente pequena, então qualquer conversa boba pode ter o mesmo peso que anos de matrimônio, sabe?
Não tardou a ficarmos amigos. Logo éramos velhos conhecidos. Ela falava muito, e eu gostava de escutar (pensando melhor, certas características humanas não mudam, né? ). Ela tinha cabelos negros curtinhos e sorriso fácil, eu acho. Atraído pela nossa fluência, logo um outro menino se juntou à nós. Era legal também, e logo todos já estávamos super à vontade. Depois vim reparar que ele usava só roupinhas tipo "mamãe escolheu", daquelas super arrumadinhas. Eu achava engraçado.
Mais tarde, já de noite, nos juntamos na recepção e fomos participar da tal atividade "Caça Fantasmas". Era assim: alguns funcionários juntavam as crianças num grupo único e levavam-nas numa trilha pré-definida através dos jardins escuros, contando falsas histórias de terror sobre o local. Diziam que se déssemos sorte, veríamos algum fantasma. E de fato eu vi: numa das muitas elevações do terreno, pude avistar, meio ao longe, uma figura branca que se agitava desengonçadamente; um lençól branco com uma pessoa por baixo.
Nem preciso dizer que eu e meus novos amigos ficamos desapontados. Quando terminou o passeio, voltamos para a recepção e ficamos conversando sobre o quão vazio era saber que não tínhamos visto fantasmas de verdade. Mas lembro também que uma pequena parte de minha queria muito acreditar; acreditar no sobrenatural, na existência dos fantasmas, que o mundo era um lugar interessante de verdade. Mesmo assim, estávamos todos muito contentes. Oras, estávamos juntos, de noite, longe das mãos controladores de nossos pais e num lugar tão bonito. Até compramos uma coca-cola, com nosso próprio dinheiro, só pra comemorar o momento. Quer espumante melhor que coca-cola quando se tem 8 anos? Não há, não há. Eu estava muito feliz pela novidade daquela situação, por ter conseguido tão bons amigos,por ter coca-cola, por estar tarde e eu não estar na cama; por estar vivendo!
Ah sim, eu gostei mtanto desse hotel-fazenda que ficamos em Nova Friburgo...
Hoje os jornais dizem que as montanhas caíram. A chuva veio e empurrou a terra, tudo caiu. Sabe as avalanches de neve que vemos nos desenhos animados? Quando um personagem grita muito alto,que logo a neve se parte e rola montanha abaixo, uma massa branca, uniforme, que chega até a ser bonita. Poisé, quase isso; só que ao invés dessa massa branca temos uma marrom, quase negra, úmida, formada por lama, pedras, troncos de árvores e morte.
Me disseram que 3 cidades foram afetadas, mas o meu coração saltou mesmo foi quando ouvi que dentre elas figurava Nova Friburgo. Imagens do Hotel passaram pela minha mente; os jardins, o cheiro de relva pela manhã,o quadro de atividades iluminado pelo sol da manhã, a piscina cheia de coleguinhas... Aquele cantinho de paraíso todo, 4 metros abaixo de lama fria e espessa.
Dizem que a montanha desceu de noite, pegando as pessoas enquanto dormiam. Durante um sonho gostoso, um último sonho que serviu de transição para a sonolência eterna nos leitos da morte. Ou talvez no meio de uma brincadeira de caça fantasmas. Talvez tenham pego de surpresa algum jovem que estava contente por não estar na cama. Talvez ele tenha ouvido tudo, visto tudo. Toneladas de desabamento podem ser um monstro, se é que você me entende. Numa noite de lua nova e aos olhos de uma criança, esse desabamento corre, ruge, procura e mata igualzinho à um gigante em estupor assassino. Ele não deixa nada para trás, suas garras ceifam vidas e desconstroem famílias como uma criança desmonta lego.
Através da janela, por entre a menina de sorriso fácil e o menino de trajes incongruentes, pela janela, ele vê o monstro. Uma sombra tão enorme e truculenta que arrebata de súbito a pulsação do menino. Rugidos e grunhidos, enquanto o monstro engole tudo. O estacionamento, onde ficou o nosso carro, carro que pegamos emprestado de nossos tios que moram no RJ. Ninguém ouviu o alarme tocar, porque o som não se propaga bem embaixo de tanto barro. O caminho de pedras pelo jardim, que está vendo cruzar seu último visitante. A primeira cabana, e logo a segunda, e então a cabana em que está hospedado o menino, pai e mãe ainda na cama, espero que eles não estejam acordados para assistir o horror que contemplo com meus olhinhos; esqueci de desejar boa noite de mamãe e pedir bença de papai, e se tivesse tempo choraria em arrependimento. Agora, foi-se a piscina e o bar, onde ainda deveria ter gente nadando, conversando ou dançando. Um casal ou dois que nunca vão ter um filho, ou nunca vão vê-lo crescer; espero que suas mãos estejam juntas agora, para que a eternidade não os separe. Finalmente, a lama chega atravessando a janela, quebrando a estrutura, estuprando a construção, pondo abaixo toda a madeira, todo o concreto, levando móveis, paredes e...e o menininho. Uma morte que cheira a restos materiais e tem um gosto muito forte de terra.
Agora, me pego imaginando quantos meninos assim não encontraram um desfecho prematuro na boca desse monstro. Quantos não deixaram toda uma vida pela frente, no meio de toda aquela lama. Os jornais alardeiam o número de mortos mas citam apenas um ou outro famoso dentre os números; o resto, que não era famoso, continua sendo apenas um número. Eu não creio isso justo. Agora, se Deus existe, os fantasmas também são reais; tenham sido eles ricos ou pobres, famosos ou anônimos, decentes ou condenáveis.
Meus sinceros sentimentos pelos vitimados nesse desastre natural no RJ.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Cenas de uma viagem- Translação.

Então, Manaus - Fortaleza. Um pouco a contra-gosto, um pouco curioso, eu saio em meio à uma partida de Halo que estava apenas no início, e prometia esquentar; mais ou menos 15 hrs da tarde de quinta-feira, dia 30. Para quem já viu o Sol raiar no meio dos assassinates e dos killing sprees, isso é no mínimo ultrajante. 
Mas tudo bem, tudo bem.
Agora são 20:27 exatamente, horário Manaus, e eu estou no avião. Sem caça-palavras e revistinhas do gênero, que parecem ser os maiores atrativos de qualquer viagem de avião. Vôo pela Gol, e devo dizer que certos pontos do cronograma de bordo são, ao meu ver, comicamente questionáveis.
Por exemplo, antes do avião decolar, o comissário de bordo descreve o tipo de coisa que nós devemos fazer caso enfrentemos qualquer tipo de percalço durante a viagem: qualquer coisa, senhores passageiros, luzes de emergência se acenderão e indicarão o caminho mias certo até a saída de emergência mais próxima. Onde, acho que ele esqueceu de falar, os senhores poderão esticar suas asas e abandonar calmamente a aeronave. Porque, claro, em caso de qualquer coisa no meio do vôo, a minha vontade de correr até a saída mais próxima e abraçar uma queda radical porém fora do avião será irrefreável. Beleza. Eu acho, senhor comissário, que esses procedimentos são meio furados, de boa. Olha, acho que se acontecesse algo grave durante o vôo, o certo seria que a equipe de bordo se apressasse para servir o máximo possível da tripulação com champanhe ou, sei lá, me faz um inferninho aí. Porque cara, se você parar pra pensar, aconteceu algo com uma nave à sei lá quantos mil pés do chão, abraços. Eu ligo o foda-se, e se der tempo ainda escrevo um post pro blog reclamando do atendimento. Que caixa-preta que nada, a culpa é do fdp do piloto lá que esqueceu de passar a marcha, me pronuncio logo.
Depois, eles apagam as luzes, tranquilo, foi passada a sugestão da soneca. Eu aperto logo o botão de reclinação da cadeira, super ansioso,e ela se reclina tipo 1 grau. O quê? Como assim? Já reclinou, ou eu tive um princípio de vertigem? Esse foi o mecanismo de reclinação ou foi o gordo da cadeira de trás que acomodou o joelho? Po, brother. Não me calunie. Sabe o que eles conseguiram, com essa cadeira? Eles acharam a inclinação perfeita, entre o confortável para sentar e o confortável para deitar, isto é, o desconfortável para ambos. Parabéns galera, mais um dia, mais um milagre da engenharia. Porra, próxima coisa que eu sei a Skynet tá ativando os Arnold Schwazinnegers pra me matar. Cadeiras plenamente desconfortáveis são só o primeiro passo no plano das máquinas de subjugarem os seres humanos. Fica pior porque nem travesseirinho eles trazem, de forma que eu tenho que usar as minhas próprias vértebras para acomodar a cabeça, sei lá.
Outra coisa que me chamou atenção foi no horário do lanche. Eu acordo com uma dor grotesca no pescoço, meio que agradecendo por não ter ficado é tetraplégico durante o sono ( o que seria uma vitória para as máquinas), e lá vêm o serviço de bordo, com o abençoado carrinho de gostosuras. Lembro de quando era pequeno, que serviam uns pratos legais de frango com arroz e salada e umas sobremesas bacanas, coisa do tipo. O cara me pergunta então, Algo para beber, senhor? , ao que respondo, peito inflado, sorriso dando a volta na nuca, Coca Cola!, ao que recebo em troca um seco e contundente Só temos pepsi. Nessa hora eu me levanto de supetão e tento imitar o linguajar islâmico enquanto agito a minha bolsa, mostrando que se trata de uma bomba e que tá todo mundo ferrado. Não, é brincadeira; eu guardo essa constatação acerca dos suprimentos bebericatícios do avião bem no fundo do coração enquanto luto para me adaptar a esse novo conceito de realidade imposta. Aceito a pepsi, e espero para ver qual é a próxima tragédia. Não, senhores, eles não me entregam amendoins. Até porque eu gosto de amendoins, e eles tem dever contratual de não agradar os passageiros. Então eles me entregam um pacote do que eu só posso supor que sejam pequenos pedaços de isopor com pitadas de sal. Beleza.
Não se proporcionam mais viagens de avião como antigamente.