terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Essa boca de povo

As pessoas não querem sair do cinema pensando”, disse um agente da companhia Paris Filmes, responsável por algumas das comédias nacionais de maior sucesso.

Eu estava lendo uma reportagem sobre a comédia brasileira moderna (onde encontrei a citação acima) e reuni alguns fatos interessantes: o cinema nacional é basicamente sustentado pelo gênero da comédia. Antes vista como “porcaria disfarçada pelo desfile de mulheres peladas”, esse nicho foi ressuscitado e recauchutado num processo que teve início com o filme “Se eu fosse você”, de 2006. Desde então, a bilheteria tupiniquim vem se regozijando com as impressionantes cifras abocanhadas pelas comédias de maior sucesso – valores de monta tal que pagam custos de produção totais de menos 6 milhões de reais com lucros de mais de 30 milhões. Interessante é que, na pesquisa feita pela reportagem, esclarece-se que de cada 20 salas de cinema responsáveis pelo sucesso comercial, no mínimo 13 estão em locais de periferia/ baixa renda. Isto ilustra o público alvo: gente com instrução desinstruída.

Pera, não fui eu que disse isso. Os próprios roteiristas e produtores dos filmes foram quem expuseram esse fato.

Não fazemos comédia para alemães ou suíços (gente instruída = não brasileiros). Se tiver muita sutileza ou uma tirada sobre Nietzsche, o público não vai entender (porque são imbecis e incapazes de conhecer noções filosóficas com mais de 100 anos de idade)”, disse um dos produtores de “Até que a sorte nos separe 2”.

Aliás, viram o que eu fiz ali em cima? Botei entre parênteses a interpretação apropriada para a citação, em caso de você ser brasileiro (babaca). Então, espero que vocês entendam onde isso tudo me toca: o cinema brasileiro é, em sua maior parte, uma bela bosta. Sério. Meu deus, como eu odeio a comédia brasileira. Eu tenho acompanhado alguns filmes recentemente, como “O concurso”, “De pernas pro ar 1”, “Meu passado me condena”, “Até que a sorte nos separe 2”, e preciso congratular os responsáveis por esses títulos, pois eles conseguiram algo no mínimo impressionante: transformar cinematografia podre, atuação moribunda e roteiros comatosos em minas de ouro. Aliás, acho que, somando as experiências de assistir a todos esses filmes, eu devo ter perdido uns 52 pontos de QI no total. Acho que vou baixar e assistir ao “Se eu fosse você” e finalmente perder a capacidade de entender o funcionamento de maçanetas.

O mais recente destes a que assisti foi “Até que a sorte nos separe 2”, e preciso dizer que o Anderson Silva, o lutador de MMA que faz uma pontinha no filme, tem o talento de uma lamparina para a atuação. Mas eu relevei; afinal, ele é um excelente lutador. O que eu não relevei foi o desempenho do protagonista, Leandro Hassum, que atua tão bem quando o Anderson (ou uma lamparina). Aliás, gostaria de expressamente avisar aos meus amigos que por ventura tenham tendências suicidas para que fiquem longe do filme, já que eu mesmo, saudável e contente com a minha vida como sou, tive vontades acachapantes de enfiar o nariz no copo de refrigerante e me afogar na Coca-Cola em busca de um fim mais aceitável.

Como bem sabem as pessoas que escrevem esses filmes, o público brasileiro é idiota e vai pagar para assistir babaquice. Como bem sabem as pessoas com desígnios políticos, a sociedade brasileira é idiota e vai votar para eleger mentiras mal contadas e partidos incompetentes. Ao menos há harmonia no cenário nacional, não é mesmo? Enfim.

Eu não sei se há esperança para o Brasil, gente. Eu realmente não sei. Eu me pego pensando com frequência: “Que país é esse?”. Brasileiro não lê, acho que é esse o problema fundamental. Brasileiro só lê livro de receita da Ana Maria Braga e livro de autoajuda financeira (aliás, o “Até que a sorte nos separe” é baseado num livro desse tipo). Vocês já notaram que até os nossos jornais estão em franco processo de “abestalhamento”? Aqueles “25 Centavos” da vida, sei lá o nome real, que colocam na primeira página mulheres seminuas (“porcarias disfarçadas por mulheres peladas”), com matérias redigidas em tom coloquial (porque o povo não entende escrita minimamente formal) e manchetes ofensivas são um exemplo. É a cultura do Bolsa-família, da política alienante que busca a alienação política. A política brasileira obriga o brasileiro a votar e em contrapartida emburrece o brasileiro para que ele não entenda seu meio social e vote errado. E o Leandro Hassum fica rico no entremeio.

A grande maior parte dos 155 milhões de brasileiros é alienada, desinformada, sub-educada e resignada. Até os nossos embates políticos tem alma efêmera (20 centavos) e amplitude mínima.


Acho que quanto mais eu caminho em direção a uma maturidade intelectual, mais estou fadado a detestar o meio sociocultural onde me encontro. Acho que o “jeitinho brasileiro”, tão ovacionado e conhecido, é de fato o responsável pela ignorância massificada. Acho, acima de tudo, que o jeitinho existe porque o brasileiro simplesmente não tem jeito real. E acho que, como cinéfilo de coração, estou fadado a viver numa nação de mediocridade à lá Leandro Hassum: volumosa e sem propósito. 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Blackfish e South Park


Um dos meus ditados pessoais é: 

"Não há tópico de relevância social que já não tenha sido devidamente levantado e satirizado por South Park". 

Já sei o que você vai fazer: não vai nem ler o resto porque South Park é baboseira, né? Haha, não leia mesmo. Não é pra você que pensa assim =*

O desenho é insanamente bem escrito, principalmente levando em consideração que já é antigo (17 temporadas e 1 filme!!), e, por mais que 95% das pessoas achem que eu exagero quando falo da relevância do programa, possui qualidade inegável sustentada pelo sucesso de crítica que o acompanha temporada após temporada, assim como pelos muitos Emmys já recebidos.

Você fala em humor crítico moderno, eu penso primeiro em South Park.

E lógico, mais uma vez, me peguei pensando no desenho enquanto assisto Blackfish, o documentário que está causando rebuliços intensos na população norte-americana ao advogar pelo melhor tratamento das baleias utilizadas em shows aquáticos (e que passou a chamar ainda mais atenção ao ser esnobada pelos Oscars). 

Finalmente, pela primeira vez, o público está prestando atenção nesse tópico que tem plano de fundo cultural de ligação umbilical com o desenvolvimento norte-americano.
Mas ei, as cabeças (que se dizem) pensantes do país podem até ter se voltado para este problema apenas agora, ou quiçá em 2010 com a morte da treinadora Dawn durante um show exibido em 2010 no Sea World de Orlando, mas South Park já levantou o tópico MUUUUUITO antes, em 2005. Foi em Novembro de 2005 que o programa exibiu um episódio onde os protagonistas vêem que as condições em que as baleias são tratadas são insatisfatórias e precárias, assim como a razão para tal (os ticket$$$ do público) é frívola, além do que elas mesmas são um perigo para os treinadores. Decidem, portanto, salvá-las. 

O problema, e que é menos problema do que é objetivo primário dos autores, é que o aspecto infantil e as piadas grosseiras afastam tanto o público que se diz "culto" e "sofisticado", que muita (MUITA) coisa passa batida. E eu digo que é objetivo dos autores simplesmente porque, de fato, o mundo não está preparado para a carga violenta de humor engajado do programa. Os autores estão muito à frente da capacidade popular de digerir sátiras. Por isso eles foram obrigados a acatar esse formato aparentemente infantil: para não serem manchete todo santo dia (e olha que eles já são manchete até demais! haha). 

Vocês querem saber o desfecho do episódio? As crianças mandam a baleia para a Lua. Idiota? Idiota ou uma crítica extremamente cínica em relação à impossibilidade de convivência entre a ganância humana e a fragilidade do Meio Ambiente? 

Lembrem-se: há muita babaquice no humor moderno, muita mesmo. Mas em South Park... pouquíssima.

Palmas para Blackfish, que é EXCELENTE. Mas desculpa, você chegou depois.