segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Loja de Bonecos

Este texto foi escrito e esquecido por mim em Abril de 2012. Achei-o hoje e decidi publicá-lo, mesmo sem final, por achá-lo interessante!

Essa loja de brinquedos é diferente. 
Os bonecos que ela vende, ela é que manufatura. Não sei que produção é essa, não sei que meticulosas mãos são essas que delineiam  e detalham  os produtos de forma tão insanamente perfeccionista. Os resultados finais são obras-primas tão íntegras, tão símiles, que o toque às mãos deixa emocionado qualquer que o ouse. Encostar nos bonecos é como encostar em pele real, talvez sinta-se até o calor por baixo dela. Seus olhos parecem emitir aquela luz dos olhos das coisas que vivem. Os cabelos estão lá, só falta crescerem, seus fios tão belos e naturais que muitos humanos se curvariam em inveja. Até seus lábios possuem uma maciez tentadora; tudo isso em bonecos de 10 cm de altura. A única coisa que denuncia sua artificialidade é um pequeno botão localizado naquela parte das costas que humano adulto algum consegue encostar com seus dedos. O que fazia o botão foi uma curiosidade que me consumiu desde o primeiro minuto em que os vi na vitrine.
Fascinado, comprei dois: um casalzinho. Levei-os para casa na sacola contagiado por uma emoção de difícil explicação. Ao chegar, coloquei-os numa cômoda larga; fiquei abismado ao notar o quão fácil era deixa-los de pé. Seus pezinhos formavam base perfeita que, combinada com o peso e a inclinação da coluna, sustentavam os bonecos quase como se assim eles desejassem. Observei-os por minutos a fio, tentando absorver cada detalhe, cada minúcia de seus corpinhos. O rapaz imitava perfeitamente um jovem entre seus 25 e 30 anos, com traços de barba, trajando blusa e jeans. A garota, não com menos perfeição, era uma mocinha de idade semelhante que portava um vestido azul. Decidi então descobrir finalmente o que fazia o botão; peguei o rapaz e pressionei o botão em suas costas. Fiquei então olhando sua face, esperando qualquer sinal de movimentação. Ele apenas continuou me olhando da mesma forma estática. Frustrado, coloquei-o de volta na cômoda, derrubando a mocinha de costas no processo.
Voltei-me e fui procurar a caixa da loja na sacola. Achando-a, tentei localizar seu número de telefone, pronto para soltar alguns palavrões ao dono, acusando-o de vender bonecos problemáticos. Lembrava-me bem que o senhor me prometera que os bonecos faziam algo simplesmente inacreditável quando pressionados seus botões. Mera baboseira, falsa propaganda para atrair os consumidores incautos como eu. Achando o número, peguei o telefone e disquei-o. No ato, virei-me novamente para encarar o produto defeituoso. A surpresa que tive fez com que eu derrubasse não apenas a caixa que eu segurava em uma mão como o telefone que eu segurava na outra; e a boca, fazendo sumir qualquer intenção de me utilizar de palavras feias.
Na mesa, o rapazinho de 10 cm de joelhos estava, ao lado da mocinha, e lhe sacudia os ombros. Falava-lhe baixinho, segurava suas mãos, tentava chamar-lhe atenção de toda forma. Suas pernas e seus membros em geral não possuíam articulações visíveis, mas até os dedinhos agora se dobravam, se abriam e se fechavam como se por baixo da camada suave de pele houvesse as mais complexas e minúsculas peças de engenharia. Sua boca se mexia deixando visualizar esporadicamente fileiras de dentes branquinhos. Logo percebi que o bonequinho não me notava ou era incapaz de me dar atenção, mesmo  que por vezes olhasse ao redor, como que procurando alguém que pudesse ajudar a outra bonequinha.
                Movido por uma sensação estranha de urgência, peguei a bonequinha de onde ela se encontrava. Notei que o boneco, por sua vez, ao que retirado o objeto de sua atenção  da frente de seus olhos, simplesmente permaneceu imóvel. Rapidamente pressionei o botão da bonequinha.  Olhei-a ainda em minhas mãos, sem saber o que esperar. Nenhum movimento. Depositei-a então onde antes estava, da mesma forma que havia lhe tirado. Vi então ela piscar os olhos e começar a se mover. Na mesma hora, o boneco que antes estava imóvel voltou a mover-se. Seus olhinhos diminutos se encontraram. A coisa mais estarrecedora aconteceu a seguir:
Os dois bonequinhos se abraçaram.

Levei as mãos à testa, sem conseguir acreditar no que meus olhos me ofereciam.
                                      (Não lembro por que não dei prosseguimento!)