sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Tipo sexta, ou tipo segunda.

Acordo.

Olhos ainda fechados, estendo a mão e procuro o celular. Duas em três vezes, ele não está onde minhas mãos pensavam que estaria. Pequena primeira frustração, mas moedas de 1 centavo também enchem cofres. Abro os olhos e localizo-o, embaixo de uma pilha de outras coisas inúteis que eu não sei como foram parar em cima dele. Com cuidado, puxo-o para mim; com estrondo, coisas caem no chão.

19 horas de um dia que eu não sei qual é. Pode ser segunda ou quinta-feira ou qualquer coisa entre eles. Eu sei disso porque fui trabalhar hoje, e não me lembro de ter sorrido ao sair cartório, o que eu só faço às sextas.

Tive uma prova hoje, fiz com facilidade. O que me assusta, visto que só entendem de dificuldades aqueles que podem lidar com elas. Eu me sento, coço o olho. Na minha estante, meus livros me avaliam. Eles são reflexos da minha vida: metade deles é de ficção, metade é de Direito. E ainda assim, nenhum deles tem coisa alguma a ver com a minha alma. Tenho alguns de autoajuda também, mas são poucos. Me pergunto se não deveria adicionar alguns mais à pequena biblioteca. De qualquer forma, após tantas leituras, de que adiantam minhas opiniões formadas, que mesmo se forem continentes imensos e sólidos, flutuam à deriva num oceano mil vezes maior? Não há nada que eu possua de que não possa me desfazer.

De volta a mim, me levanto. Meus olhos encontram meu mural de fotografias. Eu sempre me esforcei para mantê-lo sincronizado com a minha vida, com fotos recentes e rostos familiares. Não surpreende então percebê-lo vazio. Um dia ele já foi cheio, mas prometi a mim mesmo atualizá-lo. Removi todas as fotos, então, mas ainda não pude selecionar novas para revelar. Ele está num entre-tempo, assim como a minha vida. Suponho que não falhei em mantê-lo sincronizado, portanto. Talvez eu precise de ajuda para voltar a povoá-lo, não sei.

Já é de noite, o dia me escapou por entre os dedos. O que fazer agora? Ainda não malhei, ainda não estudei, não tenho encontrado tempo para essas coisas ultimamente. Onde tenho gastado meu tempo? Não ligo TV, meu videogame já está empoeirado. O que ando fazendo? É essa a época dourada da minha vida?

Um amigo me disse que haveria uma competição de poesia, chefiada pela Academia Amazonense de Letras. Por dentro, morri de vontade de participar. Não posso, entretanto, evitar lembrar que mentes instáveis como a minha não produzem versos coerentes. Já fui subjugado antes mesmo de pousar a caneta no papel. Desisto sem tentar. Eu sei que a pior classificação é nenhuma em absoluto, mas existe um placebo em não competir. Que, pensando bem, é como tenho me medicado nos últimos 20 anos ou tanto.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A tatuagem que eu fiz

As pessoas vêm me pedir para mostrar a minha tatuagem freqüentemente. Algumas, ao contemplá-la, arregalam os olhos e elogiam sinceramente. Outras, ficam desconsertadas e mudam de assunto. Uma até já disse que não gostou, assim, na lata. Acho que elas esperavam algum desenho super elaborado, colorido, rico em detalhes... Mas, ao contrário, encontram um esboço negro, uma sombra no formato de um lobo, com irregularidades descoloridas em seu centro. Decepcionante para alguns, interessante para outros, é isso que eu percebo.
Bem, se tivesse sido meu objetivo retratar algo mais propenso à bel satisfação dos telespectadores, com certeza ela não estaria num lugar de difícil contemplação, e sim nos antebraços ou panturrilhas ou coisa que o valha. Como um dia irei fazer; aguardem que um dia virá algo bem maior e mais colorido e detalhado. Mas por enquanto, primeira tatuagem, eu escolhi algo mais simples.
Aí vem aquela famosa pergunta, que já virou bula de tatuagem: "E tem algum significado?".
“É de um livro que eu gosto muito”, respondo às vezes. “É uma imagem que eu gosto de olhar”, eu respondo outras; já cheguei a dizer até "É que eu gosto de lobos", como se existisse também a possibilidade de eu tatuar uma garrafa de coca cola. A questão é que essa imagem em particular exerce certa fascinação sobre mim, e eu nunca soube explicar por quê. De fato, eu gosto de olhá-la. Quando eu a vejo, uma palavra salta à minha mente: virtudes.
Virtudes.
Quando eu olho para o desenho, eu literalmente tenho vontade de ser uma pessoa diferente, uma pessoa melhor. Pode parecer estranho, mas essa deve ser uma daquelas conexões que a mente faz sozinha, sem pedir o nosso parecer.
A adolescência pode ser um período difícil, e eu admito que a minha só foi difícil até o ponto em que eu me fazia dificultá-la; afinal, nunca nada me faltou. E ainda assim, crescer tem se mostrado uma tarefa complexa, e a maturidade tem sido um cálculo renal duro de expelir. Me assombra o quanto as pessoas notam que eu mudei, mas nem passa perto do tanto que me assusta o modo como eu percebo ter mudado. Os textos desse blog, vocês talvez tenham percebido, possuem um tema implícito recorrente: o amadurecimento. É um tema que eu tenho notado, mesmo sem tê-lo em mente quando escrevo. Talvez porque o meu subconsciente tenha sido incisivo na mensagem: crescer é doloroso. Eu me arrasto por corredores escuros de nostalgia, me afogo em pessimismo e não raro me isolo por pura melancolia.
Crescer é difícil.
As responsabilidades que cauterizam o saudável amadurecimento são uma fera, uma fera cuja face não se pode racionalmente distinguir, então eu a vejo como uma sombra; uma sombra que persegue onde quer que se vá. Um vulto negro que não conseguimos divisar, mas cujos efeitos podemos facilmente sentir. Eu sei que essa fera possui grandes presas, porque são essas presas que causam as feridas que vão me ensinar a caminhar com minhas próprias pernas por onde a vida me levar. Eu sei também que ela possui olhos atentos que estudam, esperam e julgam; é com esses olhos que essa fera me avalia, e é através deles que um dia eu vou aprender a enxergar. Neste dia então, neste longínquo dia em que eu finalmente aprender a extensão de minhas consequências, é que a fera vai me dar espaço para respirar. Não estou dizendo que ela vai me deixar em paz, porque isso jamais acontecerá; os homens tem suas feras, suas bestas e seus demônios acorrentados a si da mesma forma como possuem jeito de falar e maneira de pensar. E, se caso contrário, eu não aprender com suas dentadas corretivas, eu sei que só vai me restar sofrer. Sofrer em solidão com os erros que cometi, quase como um lobo que se afasta para lamber suas feridas.
Essa é a fera à qual devo ficar atento: a sombra de um lobo com a boca arreganhada e olhos bem abertos. Que agora eu carrego no lado esquerdo do peito, um lembrete de tudo o que preciso lembrar. Ele me espreita, me assusta, me aconselha, tudo com um simples olhar. Agora retornamos àquela emblemática palavra que eu mencionei anteriormente: Virtudes. Agora, ela faz sentido: esse lobo que persegue e ameaça só deseja uma coisa; me fazer crescer virtuosamente. Essa figura era o peso na consciência que eu sempre tive, o medo de não estar fazendo as coisas certas.
E algumas pessoas me perguntam por que eu deixei uns espaços em branco no interior do lobo, e acham idiota quando eu digo que não vou preenchê-los de maneira alguma.
Ora, para que serviriam esses pequenos espaços em branco se não para me lembrar de que é possível afastar a presença asfixiante do medo da mudança? De que há luz do outro lado? De que toda mudança pode ser bem vinda? As falhas no lobo são as vitórias que eu já consegui. O lobo, afinal, está em mim porque sou eu.
Ou assim eu gosto de pensar.
E aí, é significado o bastante para você?
P.S.: Só uma coisa me causa estranhamento em relação ao meu lobo. Só uma coisa eu admito que não consigo conceber em relação à ele...
Mesmo após a minha morte, depois dos meus momentos finais, ele vai permanecer lá. Mesmo quando eu me retirar desse mundo, quando daqui saírem todas as pretensões que são minhas, todas as virtudes que eu tive em mim, todo o conhecimento que amalgamei, ele ainda vai estar lá, lançando a sua encarada à quem quiser ver. E talvez seja ele que meus filhos, meus netos, minha família e amigos vão ver ao se despedir de mim. E isso é real, real demais.
Presas expostas e olhos atentos, negro como o desespero, no meu peito, o meu lobo-de-guarda vai lhes lançar um último longo, longo olhar de cautela.
Por algum motivo, esse pensamento trás uma sensação que eu não sei definir. O que é apenas mais um dos mistérios dessa enigmática tatuagem que eu fiz, e cuja beleza eu não exito em confessar que talvez só eu seja capaz de ver.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Advogado

John Grisham parece ter sempre o mesmo a dizer quando o assunto é advocacia: é um trabalho insalubre.

John Grisham é um autor norte-americano, mas antes disso era advogado. Ficou famoso escrevendo thrillers com temática jurídica, de modo que quase toda a sua obra orbita ao redor de tribunais. Mas chegou à minha mão uma obra sua que, ao menos até agora, não é thriller nem tem ação. O nome do livro é O Advogado, e é também o enredo.

Michael Brock é advogado em uma dessas super-firmas de advocacia que só existem nos EUA. Está para se tornar sócio, passando assim a ganhar salários com 6 dígitos. Trabalhar 18 horas por dia não é mais problema para o homem, de apenas 30 anos; em dado momento, ele pondera que já deve ter trabalhado mais nos últimos 10 anos do que muita gente trabalha a vida toda. Ele é casado com Claire, uma cirurgiã competente e que passa tanto tempo fora de casa quanto ele. O divórcio é o poltergeist sentado à mesa da cozinha, esperando os dois lhe darem atenção. Em termos jurídicos, o amor sofreu os efeitos da decadência. Mike e Claire são mais um casal de sucesso profissional e fracasso emocional.

Um evento acontece durante um típico dia de trabalho de Mike: um sem-teto entra na firma com bananas de dinamite presas ao corpo e um revólver, e faz 10 reféns; Mike e outros figurões da firma. A situação é diligenciada nas primeiras páginas, e Mike sai ileso, com o sangue do sem-teto no rosto após uma ação arriscadíssima de um atirador de elite. O sangue pode ser visto de maneira metafórica, porque após o fato o advogado começa a se interessar pela situação dos sem-teto da cidade e sentir culpa por ver uma parcela de sua responsabilidade naquele mosaico. É quando Mike começa a repensar a sua vida, e John Grisham começa a centrifugar a bagunça que pode se tornar a vida dos gananciosos para separar o que, ao final das contas, é importante na vida de um ser humano e o que é ilusão. O resultado é um livro que parece contar desgostos da própria vida do escritor.

10 anos antes, Mike era um estudante de direito promissor numa faculdade de renome, com aspirações pela carreira pública, na defesa dos mais pobres, e apaixonado pela jovem Claire. Enquanto ele sente o frio que sua esposa evoca em relação ao trágico evento que poderia muito bem ter-lhe custado a vida, ele se pergunta onde tudo isso se perdeu. Em que momento a papelada do escritório fez sucumbir as cartas de amor. Com tristeza ele lembra que o motivo pelo qual Claire começou a fazer medicina foi ele: o sentimento de rejeição que o trabalho dele lhe incutia fez com que ela procurasse uma faculdade semelhante onde se enterrar. Agora eles tinham uma casa muito bem mobiliada, só que vazia. Em vários momentos Mike agradece por nunca ter tido filhos, porque ele não gostaria de dar-lhes o desprazer de ver a família se destruir da maneira como promete fazer.

Mike senta sozinho à noite na cozinha imaginando quando a conversa sobre o divórcio vai acontecer. Mike se vê preso na crista da onda que ele deu início. Mike almejava o salário de um sócio, e no caminho sacrificou todo o resto.

“Vamos para a California”, ele diz certo dia, de manhã., à esposa.

“Como assim?”, ela pergunta, levemente interessada.

“Vamos para a California. Só eu e você. Eu peço uns dias de folga do trabalho, você também, e nós partimos. Simples assim. Vamos? Hoje?”, ele explica, como se eles fossem jovens de novo.

“Não posso. Não dá”. Eles não são jovens de novo. Não há retorno.

Cuidado quando você estabelecer suas prioridades; cuidado para que a decepção que você vai sentir no futuro não seja muito grande. Existem mil escolhas que podemos fazer no decorrer dos dias, mas só uma é a correta. Vai ver você não escolheu a faculdade certa, vai ver você não escolheu a pessoa certa, vai ver você não mora no lugar mais apropriado, vai ver a sua família não é a mais adequada, sei lá. John Grisham fala das decepções na carreira jurídica, então imagine que no mundo nem os que amam sua carreira e se tornam milionários são capazes de serem felizes. Tudo é muito mais complexo do que você achava que seria.

Ainda estou para descobrir o que vai acontecer com Mike e Claire, talvez eu lhes conte quando souber.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Cenas de uma Vara Criminal.

Pessoas.
Numa multidão recortada de uma cena cotidiana, o que você acha que sabe dos indivíduos que a formam? Você acha que seus anos de experiência, sua vivência, podem lhe dizer algo de alguém por um simples olhar? Uma parada de ônibus, uma praça de alimentação. Uma mãe com seu filho ainda de colo, um homem com sua pasta de documentos, um obreiro e suas ferramentas. Qual é o histórico das pessoas que integram o mosaico do cotidiano?
No meu cartório, diligenciei a assinatura de um homem magricela, cavanhaque e cabelos compridos. No início, ele entrou cabisbaixo e respeitoso na sala da Vara, afetado, e ao final do procedimento ele foi simpático, até estendeu a mão para um cumprimento de despedida; o que é raríssimo, evento quase semanal. Após lhe desejar bom dia, eu me voltei ao seu processo e fui ler o que o lhe levara a mau termo com a Justiça, ainda com a boa educação do rapaz em mente.
Onde trabalho, lido primordialmente com infrações criminais tolas, como dirigir sob a influência de álcool, uso de entorpecentes, injúrias e coisas do tipo. Alguns poucos processos são mais sérios, como o próprio tráfico de drogas, roubo e alguns homicídios em liberdade condicional; mas de mil processos, estes são apenas 60. E o processo desse rapaz era um desses.
Pela idade e aparência em geral, eu deduzi que se tratasse muito provavelmente de roubo a mão armada, ou, na pior hipótese, de tráfico.
Os artigos 213, 224, “a” e 121 do código penal são artigos que marcam o estudo de um acadêmico de Direito. São também os artigos que eu vi no processo. Quem sabe entende porquê, ao vê-los, não pude evitar se não erguer a cabeça em sobressalto, como se tivesse levado uma estocada, e procurei ao redor sinal de alguém que pudesse dividir a surpresa comigo. Ao ver que ninguém notara minha reação, fiquei a pensar que mão era aquela que eu apertera. Meu olhar ficou, instintivamente, na maçaneta da porta, como se o rapaz pudesse voltar a qualquer momento.
O artigo 213, em conjunção com o artigo 224, “a”, trata de estupro de menor; Pedofilia. Que foi o primeiro crime do rapaz, algum tempo atrás. Não se computa a invasão de domicílio que ele teve de realizar para estuprar a filha de uma mãe solteira. Mas calma lá, porque o artigo 213, sozinho, trata de estupro, que é outro crime que ele cometeu, um ano depois, ao invadir a casa de um casal no meio da noite. E a faca que ele afundou no peito do marido da moça quando ela resolveu gritar é o famoso 121; Homicídio.
Não é necessário dizer que nunca, nunca passou pela minha mente que um dia uma figura com uma ficha desse tipo ia apertar minha mão. Ia me desejar bom dia. Expressar um ato tão singelo de humanidade.
É quando eu lembro que todas as figuras vilanescas da história de que ouvimos falar eram também humanos. É quando eu lembro que tudo o que ouvimos chamar de “desumano” foi na verdade ato humano. Humano até demais.
Inocência é um frasco de que irrompemos ao crescer. Confiança é a ilusão que construímos para não ficarmos simplesmente assustados demais para sair de casa.
Já vi mortes por motivos tolos, como dinheiro para cachaça ou desentendimento acerca de um jogo de sinuca. Já vi mortes por motivo nenhum; é difícil dizer qual choca mais.
Tenho 19 anos e já sei que mãos que destroem famílias podem ser as mãos de qualquer um que se aproxima num dia como qualquer outro.
Se Deus existe, ele está sempre de preto, em luto constante, porque os piores monstros são também filhos dele, mais do que são irmãos para mim.

sábado, 26 de março de 2011

A Civilização está morta

É uma criança de 14 anos. Alto e magricela, o rapaz parece uma boneco de madeira à lá Pinóquio; com braços e pernas compridos e finos, que ficam evidentes fora da regata que ele traja. Quem é ele? Sei que tem 14 anos. Será que ele é um bandido? Ele já roubou? Talvez ele já tenha machucado alguém. Talvez não. Sei que ele caminha por ruas estreitas com casebres de salário mínimo durante a noite. E é de noite que as bestas dentro dos homens saem para caçar. Mas o jovem não sabe disso. Ele nunca acreditaria que o seu destino tomaria a via que tomou, nem mesmo se alguém que pudesse prever o futuro numa bola de cristal lhe dissesse. Essa noite vai ser tragicamente diferente para o desavisado. Um olho mecânico assiste a tudo, impotente é verdade, mas é testemunha implacável.

As bestas começam a vasculhar a rua; vão descendo casa por casa, quintal por quintal, rabo empinado, olhos atentos e focinhos em guarda. Farda decorosa para criaturas repugnantes, eles são a polícia que nunca na vida policiou. Eles se espalham enquanto farejam a rua sem saneamento, as criaturas desasseadas de mente insanável, decrépitas e antiéticas que vistoriam cada sombra e cada buraco. Espectros movidos pela raiva e pelo instinto, eles finalmente acham a trilha da presa, e em questão de minutos ela está cativa. São vários brutamontes portanto coletes a prova de bala, com revólveres nas cinturas, teflon e plástico, pólvora e projéteis; e apenas um jovem com 14 anos na cabeça e pouca carne no corpo, crimes ou não, inocente ou depravado, ao fim e ao cabo, apenas acuado. Eles envolvem o rapaz no perímetro de violência, com um muro às costas. De repente, todas as armas são retiradas de seus coldres e os olhos do rapaz, enquanto se enchem de lágrimas, ricocheteiam de pistola para pistola. 1, 2 , 3... E agora?

Empurram pra cá, empurram pra lá, você já assistiu à bullying na escola? Pois é, a situação é similar. Quem se importa com o garoto, ele está chorando só um pouco mais forte agora. Um dos diabos enfia o revólver no rosto do rapaz, como se ele precisasse de mais um lembrete da existência do aparato; como se ele pudesse se esquecer dela por um momento sequer. Subitamente, o diabo enfia a arma no coldre novamente. Esperança? Não depois que o flash iluminou a noite e o trovão alertou a vizinhança, que finge que dorme. Primeiro tiro, e a bala atravessou o rapaz e foi parar no muro. O rapaz se contorce de dor e tenta sair dali rápido. Os fardados assistem enquanto ele manca pra longe, deixando ele se afastar. Esperança? Não quando o ouvido do rapaz capta o som do trotar dos pés dos diabos, quem vêm correndo logo atrás. Rapidamente, a presa é alcançada de novo. Dessa vez, sem terror psicológico; outro fardado levanta seu canhão e põe ferro no pulmão do jovem. Oxigênio e sangue. O rapaz se contorce. Grita de dor e cai no chão. Viria então o tiro de misericórdia. Seco, sucinto e na cabeça. Mas outro fardado intervém com um tiro pra cima, ao que os outros olham assustados; eles não se entendem nem entre eles mesmos. Então, os malditos parecem concordar em levar o menino vivo. Eles o segurando pelo cotovelo, o levantam e o empurram pela rua, em direção à viatura. Em algum momento, quando o foco da filmagem se perde atrás de uma árvore, ouvimos um novo bang e mais um flash pode ser percebido; a presa tomou outro tiro de graça. Talvez porque ela não estivesse andando depressa o suficiente.

Então, os fardados empurram o rapaz pela calçada. As bestas movendo a carcaça. De vez em quando ele pára para vomitar sangue, mas quem se importa? Às vezes, ele simplesmente cai de joelhos no chão, as suas forças drenadas em poças no chão, ao longo do trajeto. Mas as bestas empurram e mandam andar. Andar. Andar. Andar. Em direção à uma existência mais sofrida, menos merecida.

Eu faço Direito para entender as coisas. Para poder discernir o certo do errado. Para poder pesar fatos e apresentar um parecer positivo. O vídeo que eu assisti mostra policiais militares torturando um jovem indefeso. O jovem, muito provavelmente um ladrãozinho, nunca revida. Os seus protestos são suas lágrimas e seus gritos de dor. Eu aprendi que quando um crime é cometido, ele é punido com uma sanção previamente aprovada. Mas a sociedade tenta nos ensinar, em momentos assim embrulhados pela noite, que na verdade os crimes são punidos com crimes piores, e que os seres humanos se jogam numa espiral de mútua degradação. Estardalhando no chiqueiro.
Outro dia um amigo meu disse que acha que a sociedade já alcançou um nível de desenvolvimento tão alto, tão diplomático, que ele questionou até a própria existência do Exército e das Forças Armadas para fim de situações de guerra e pacificação social. Eu revidei dizendo que, oras, aposto que em 1915 os homens também tinham essa sensação de modernidade, de segurança, e que isso não os impediu de atravessar 2 guerras mundiais. Aí ele redarguiu com um pouco de impaciência que, porra, os tempos são outros agora. Somos avançados.

Bem, um abraço forte para todos os que compartilham as ideias desse meu amigo, ok? Sensação de segurança é como aquele momento de torpor inexplicável que sentimos antes da lâmina cortar a nossa garganta: não serve para nada, é puro escapismo existencial.

Sabe aquele cantor do Restart babaca lá e o comentário famoso dele acerca da nossa região? Pois é, eu quero ir contra a corrente e concordar com ele. Não cara, nós realmente não temos civilização por aqui. Sério mesmo. A civilização morreu ainda no parto.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Um discurso não muito interessante

Ok, então hoje eu venho a vós um pouco irritado. Ultrajado, para não falar de menos.

Vou ser conciso, porque a questão meio que arde em meu peito. Aliás, para não parecer demasiado superficial, vou lembra-lhes que sou cinéfilo – pronto, agora a crítica e a urgência devem fazer sentido.

Então, temos a seguinte questão: O Discurso do Rei é um filme inglês sobre a realeza britânica durante um momento crucial da história do – bem, do mundo: a Segunda Guerra Mundial. Mais à fundo, é sobre a superação do ainda-por-ser Rei, George VI. O filme adota a luta pela superação da gagueira do protagonista (que era simplesmente incapaz de falar em público) como metáfora para a sua preparação e então devida ascensão ao trono – trono este que ele toma de seu irmão irresponsável por meios completamente legais. O filme tem uma porcentagem de 95% de apreciação no site (meu favorito) Rotten Tomatoes, e foi indicado à 12 oscars. Tem performances excelentes de Colin Firth (ator principal) e Geofrey Rush (ator coadjuvante).

12 oscars. Uau. Isso é épico. Entrou para a história como um dos poucos filmes a ser tão bem indicados (perto de Ben Hur, Titanic e Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei). Sério mesmo? Digo, o filme termina com a tão esperada superação do personagem principal, que parece vencer a gagueira num discurso histórico que é refeito na íntegra para o telespectador. O discurso à mesa é o que expõe a posição da Inglaterra em relação à Alemanha; que se opõe ao nazismo ou coisa que o valha. O filme tenta transformar uma simples situação enunciativa no seu próprio ponto culminante, mas que infelizmente carece de valor ao telespectador desinteressado. A impressão que ficou, pra mim, foi bem adversa: que a vida daquele Rei era tão vazia que esses simples discursos eram a coisa mais importante que havia na Monarquia.

Enquanto eu enfrentava as 2 hrs de filme, eu sabia que a simples gagueira do protagonista não era grande empecilho. Oras, um rei que sabe falar é bom, mas um rei bom de verdade tem muitas outras qualidades. Eu sei disso. Eu espero que todos saibam disso. Não que o papel quase que meramente estético da monarquia seja assim tãão importante, mas tudo bem, eu vou pegar leve com os ingleses. O filme chega ao extremo de associar a Monarquia à “Voz do povo”, e que portanto um “Rei Gago” seria um absurdo, e que era absolutamente imperioso que o George conseguisse ler algumas linhas na rádio de vez em quando. O filme aproveita também e omite o fato de que o seu irmão, que perde o trono, era NAZISTA. Tudo o que mostram as câmeras é um cara gente boa, mas que está perdidamente apaixonado pela esposa, que por alguns motivos não pode virar rainha, e que é por causa disso que ele renuncia ao título de rei. Bem, pois é, ele era NAZISTA; permanecer no poder teria sido UM ABSURDO de qualquer forma, então o George IRIA subir ao poder, sendo ele gago, perneta, cego ou que quer que fosse! E outra; depois que George sobe ao poder, ele permanece com medo de que o povo não o queira lá; o que eu sei também ser um ABSURDO, porque hey, quem diabos ia apoiar o rei nazista? Opa, eu desmontei o “melhor filme do ano”? Me desculpa, eu nem prestei atenção. É que o filme é uma ilusão de câmera bem arquitetada, mas é na verdade tão frágil que alguma pesquisa histórica desmonta completamente o seu valor; como um truque barato de mágica, o filme passa a ser só uma mentira supervalorizada.

Aí nós temos filmes como Cisne Negro, A Rede Social, O Vencedor e, por que não, A Origem. Excelentes filmes, todos. Foram todos indicados à vários oscars. O meu favorito é O Vencedor; o filme trata sobre problemas pessoais numa família que enfrenta franca decadência, e como as várias faces do amor verdadeiro podem levar as pessoas em direções tão diferentes. O filme é ótimo, o filme é inteligente, o filme é profundo, o Christian Bale está simplesmente legendário na atuação que é facilmente a melhor do ano (tanto como ator coadjuvante como ator protagonista), e pô, o filme pegou 90% no RT e 7 indicações ao oscar. O que não é pouco, eu sei, mas 5 à menos que O Discurso do Rei. Gente, por favor. Por quê? O Vencedor, e todos os filmes que eu citei são melhores, muito melhores que O Discurso do Rei. Cisne Negro é mais filosófico, O Vencedor é mais humano e mais psicológico, A Rede Social é mais bem escrito e bem elaborado, e A Origem é, bem, mais original.

Nessas horas eu questiono se não existe certa confraria entre os críticos de cinema mais conceituados, ou se o trabalho deles é mesmo tão massificante que eles têm o mesmo gosto e os mesmos valores pessoais. A comparação entre O Discurso do Rei e O Vencedor foi proposital: ambos os filmes são baseados em histórias reais, ambos envolvem superação,ambos omitem certos fatos em prol de uma melhor dramaturgia e ambos tem um final óbvio de doer. A vantagem de O Vencedor é que ele consegue ser bom sem ser, UAU, monótono. Os caras de terno de O Discurso do Rei podem argumentar o que quiserem, mas qualquer história, quando bem contada, consegue ser mais interessante do que a simples monotonia que o filme é. A diferença avassaladora, meus leitores, é simples: um dos filmes lida com a pomposa Monarquia inglesa, enquanto o outro lida com uns boxeadores desconhecidos e de vida suburbana. Então, só por isso, o primeiro filme já sai em disparada na frente. É como se os caras do Oscar estivessem sentados tomando uma heineken e falassem “Hey, esse filme aqui sobre a monarquia britânica é bacana! Uau!”, aí outro falasse “Mas pô, esse daqui sobre a vida dos boxeadores também é muito bom!”, ao que a maioria dos presentes responderia “E daí, cara? AQUELE fala sobre a MONARQUIA BRITÂNICA! Isso é tipo, tão mais merecedor que qualquer outra coisa!”.

Digo, desculpa se eu não sou hipócrita a esse ponto, mas eu vou ao cinema para ver boas histórias serem contadas de uma maneira profissional, sem favorecer este ou aquele enredo só porque ele aborda este ou aquele tema. Tudo é filme, gente, nenhum deles faz diferença real, não é como se a Inglaterra estivesse dependendo do sucesso de O Discurso do Rei. O que faz diferença é que no final das contas, um filme é mais bem feito que o outro.

Se a função do cinema fosse fazer com que ficássemos ligado na história inglesa, sério, eu comprava um livro. Agora, um desabafo final: eu já sabia que na sociedade humana, as pessoas “nobres” e com maior valor de mercado levavam todo tipo de vantagem em cima das pessoas anônimas, mas agora ficou óbvio que até os filmes sobre essas pessoas nobres levam vantagem sobre os filmes sobre pessoas anônimas! Uau, até que para um filme cujo cerne é a defesa da democracia, O Discurso do Rei se revela completamente antidemocrático!

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Stieg Larsson, Liberalismo e blábláblá

Stieg Larsson é o autor da presentemente bombante Trilogia Millenium, que envolve os livros “Os homens que não amavam as mulheres”, “A menina que brincava com fogo” e “A Rainha do Castelo de Ar”. Desses, eu já li o primeiro e estou na metade do segundo. E não estou aqui para criticar o enredo dessas obras, que eu acho simplesmente espetaculares. O Sr. Larsson, já falecido, sem dúvida dominava a arte de criar Thrillers intensos e exemplarmente articulados. A leitura é quase narcoticamente viciante. Mas existe um ponto que eu achei interessante para trazer à baila.
Stieg Larsson se acha moderno. Suas histórias são recheadas de computadores super modernos da Apple e operações financeiras super intrincadas e outras coisas. Mostram uma Suécia (porque lá se passa o cerne da história) de ponta. E não é só nisso que o autor persegue a alcunha de Moderno-Liberalista: ele recheia as suas história de todo tipo de ideologias recentes: a protagonista mulher é coberta de tatuagens e bissexual; tem um caso com um homem que poderia ser seu pai durante quase todo o primeiro livro; possui casais gays tanto masculinos quanto femininos; várias personagens gostam de se vestir de maneira tão provocativa que em certo ponto do segundo livro são confundidas como putas por policiais; e, o que tem mais destaque ao meu ver, uma outra personagem mulher é casada mas, vejam bem, tem relação amorosa com o protagonista. Tem pontos onde ela chega a ir passar semanas dormindo com amante. Tudo isso, com a devida sanção do marido. Beleza. Muito interessante essa iniciativa “moderna” do autor de dar à mulher a liberdade sexual. Legal, legal.

Essas palavras vazias e tão em voga, “modernidade”, “liberalidade”,são uma boa iniciativa para incitar o desrespeito leviano. Ao meu particular modo de ver, lógico. Na trama, eu diria que os personagens não fazem amor, raramente fazem sexo, mas fornicam como lebres loucas. Sim, estou estabelecendo uma nova categoria, me processe. Vejam bem, a partir de hoje, fazer amor é aquela transa com aparência positiva e dignificante, sexo é a transa com aquele viés negativo, mais comum e puramente selvagem, enquanto fornicar é, de agora em diante, aquela transa que não significa mais nada. Nada. Nem positivo, nem negativo, nada. Só “Oh olá, tudo bem? Vamos transar. Sim, tudo bem. Isso, eu gostei, você gostou? Tá bom, beijo me liga!”. Quero dizer, é isso o que eu vejo na escrita do sr. Larsson, personagens que literalmente se apresentam e...transam!
Mas estou me desviando do tópico. Vejam bem, não vou criticar a iniciativa de espalhar homossexualidade pela obra como se fosse um papel de parede bonitinho, até porque a moda hoje é essa (vide novelas da globo). Mas essa da esposa que trai com o aval do marido... Vamos lá, acompanhem meu humilde raciocínio. Casamento, promessa de amor e devoção. Instituição quase tão antiga quando o ser humano, blábláblá. Posso parecer meio conservador demais para um rebelde psicológico, mas eu acredito no Matrimônio. O ser humano sempre vai precisar dessa união. E eu acredito também na devoção entre as partes. Sabe, se a minha esposa viesse com essa de “Oh, eu te amo, mas eu quero continuar transando com o Manolo” (porque é isso que a personagem fala: que ela “ama” o marido, mas que precisa dos cuidados sexuais do protagonista), eu iria calmamente pegar o meu rifle e polidamente perguntar se ela também não está a fim de mais uns buracos pelo corpo para que o Ricardão possa “enchê-la de piroca” com mais eficácia. Aí, eu a chamaria de “Vadia!” e mandaria ela sair da casa, com o cuidado de deixar a aliança na mesa do jantar. Oras, vejam só. Não é apenas a minha insegurança falando (Ih, o Haroldo não confia no taco dele!). Não. A questão é: as regras do casamento são claras. Se você pede para entrar, mas não as cumpre, você não deveria ter pedido para entrar em primeiro lugar! Digo, como pode haver respeito profundo se a mulher fica abrindo as pernas para outro fulano? Se ela passa semanas dormindo com o outro? O que nós temos é uma pessoa que na verdade não quer nada com nada da vida, que quer submeter os outros às suas vontades, manipulá-los até, só para se ver agradada. A parte em que amor é sacrifício e provação não tem lugar mais nessa coisa de modernidade, não é verdade? Agora a onda é “Hey, vamos fornicar! Uhuuul!”

Mas tudo bem. A ausência de comprometimento e de respeito passa batido, beleza. Mas não é nem esse o problema mais sério.

Certa vez, meu pai acordou no meio da noite com uma falta de ar terrível. Dores no peito, na cabeça, não conseguia falar por causa da falta de ar e até para se mexer tinha dificuldades. Mas mamãe estava lá, e o ajudou. Dirigiu-o até um hospital e tudo ficou bem. Isso é um casamento.
E se a dona personagem-da-obra estivesse numa dessas suas noitadas com o seu Número-2, tudo permitido por um marido que realmente a ama ao ponto de sonegar seus próprios sentimentos para que as vontades tolas de sua esposa possam extravasar, e o tal marido, sozinho em casa (porque eles não tem filhos e moram sozinhos) tivesse, digamos assim, a falta de ar que o meu pai teve? Sem uma esposa de verdade lá para ajudá-lo, recuperá-lo e segurar sua mão até o hospital mais próximo? Simples assim, senhores. Ela voltaria para casa e veria solucionado seu problema de bigamia, devido ao paciente cadáver que a esperaria, ainda na cama, em suas roupas de dormir, como a esperou seu marido tantas vezes, tantas noites antes daquela fatídica. Casamento serve para coisas assim. O meu conservadorismo me conduz à pensar em situações assim, oras. O casamento não foi feito para felicidade eterna, porque felicidade é um conceito tão evasivo quanto água corrente, mas para o suporte. Tupac Shakur já abordava o tema em uma de suas belíssimas canções: “Esteja lá quando for necessário me suportar e me ajudar, porque é para isso que você está aqui comigo”. Isso me faz questionar o próprio conceito de divórcio, mas não entremos em águas tão arredias.

É isso aí, certos pontos do modernismo você pode enfiar no cu e girar, ok? A tentativa do sr. Larsson de parecer moderno e livre de preconceitos cansa às vezes, pois ele tem essa mania de levar ao extremo a flexibilidade das coisas. Suas personagens são bem construídas, mas suas ideologias causam choque. Talvez isso seja só mais uma tática para impressionar, para causar frisson, mas é algo que eu acho digno de ser comentado. Afinal, não são poucas as pessoas que vestem a camisa da Modernidade e utilizam o pretexto da “ausência de preconceitos” para extravasar o que há de pior e mais mesquinho no seu ser.

É isso o que eu acho. Não concorda? Me processa.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Promessas que não ficaram

Posso até dizer que a primeira pergunta que me fizeram hoje aconteceu ainda agora; afinal, já era pós meia-noite. Meu amigo vinha me deixar em casa e, enquanto dirigia, coçou a cabeça e, com um fluxo titubeante de palavras, ele me fez a dita cuja. A primeira pergunta do meu dia foi:
Haroldo, o que você acha de promessas?
Essa pergunta segue muitos caminhos. Caminhos que seguem todas as direções; ela é como o ponto central de uma encruzilhada.
Quero dizer, muitas pessoas já me fizeram promessas, e tudo... Promessas que não foram levadas à cabo...
Bem, promessas são assim. Na minha opinião, promessas não existem. Afinal, não existe dever palpável numa promessa, então elas são exatamente iguais à todas as outras palavras que cruzam as nossas bocas continuamente. Mais afundo ainda, digo que promessas só fazem sentido se forem quebradas. Quando uma promessa é cumprida, ela cai no esquecimento, a não ser que vire moeda de troca, o que descaracteriza a própria. Mas se ela é corrompida, ela vira uma lástima. Promessas são feridas esperando para serem abertas, sabe?
Na minha vida, eu fiz muitas promessas que não cumpri. Já prometi estar lá quando precisassem. Já prometi amar. Já prometi não decepcionar. Já prometi mundos. Mas Deus, o homem que serra e martela as tábuas do meu caixão, assiste enquanto essas promessas viram buracos no asfalto. Com o tempo, naturalmente, essas feridas são suturadas. E eu gosto de imaginar que essas promessas são retratos de coisas que nunca ocorreram; retratos cujo filme não foi revelado. Por isso vale dizer que essas promessas quebradas são mãos que moldam o ser que nos tornamos dia após dia.
Uma promessa tem muito mais valor para a pessoa que a elaborou que para a pessoa que a aceitou, a não ser que esta seja uma ingênua. Quando uma promessa é quebrada, quem mais se contunde é o caráter do promitente. Na vida do promissário, a promessa é algo que passou em branco, na vida do promitente, é uma reorganização. Se eu fiz uma promessa, ela é minha.
Mas certas promessas foram feitas para mudar a vida de uma pessoa, e de repente essa pessoa se vê enganada! Isso não é uma promessa, é uma mentira.
A mentira é irmã da promessa. A diferenciação há de ser feita pós-morte. Fiquem atentos.
Promessas, mesmo que no futuro sejam quebradas, exprimem verdades. Naquele momento, a verdade foi dita. Se o futuro vai voltar seu punho contra as vontades em questão, o Coveiro é quem sabe. E se o fizer, a culpa será de ninguém. Mas naquele momento, a promessa é uma verdade séria.
Uau, foi assim que eu comecei o meu dia. Claro que eu não respondi ao meu amigo todo esse raciocínio, até porque já estava em frente de casa. Mas fica aqui o meu pensamento.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Catástrofes Naturais

Tinha uma piscina e uma menina bonita, eu lembro. Tinha eu com 8, 9 anos.
Lembro que reparei antes de tudo no clima; não era esse asco abafado de Manaus. Era um friozinho agradável, um clima de montanha. Porque estávamos, aos olhos de eu pequeno, entre montanhas intransponíveis, lógico. Aos meus olhos de hoje, provavelmente montanhas não seriam, mas deixa ficar, deixa ficar, a prosa fica mais interessante. Lembro que a sensação era de isolamento total do mundo; afinal, sempre morei num lugar quente e plano, e ao chegar nesse novo local, montanhoso e frio, a impressão que tive foi de que estava agora num planeta diferente; no lugar onde as pessoas podem ir para fugir de seus problemas (que nunca subiriam até aquela altura, naturalmente) e simplesmente relaxar. Eu estava de férias, e aquele hotel me seduziu logo nos primeiros momentos.
Lá dentro não tinha carros, não tinha correria, mal pegava sinal de celular. Grandes jardins e cabanas simples, era como uma fazenda no paraíso. Fator que ajudou a me passar uma boa impressão do lugar foi que mamãe me deu liberdade para passear por lá sem necessidade de seus cuidados; me senti senhor de mim mesmo. Era só avisar onde iria que poderia ir onde quer que fosse. Me senti livre pela primeira vez na vida. Lembro também que o hotel tinha um cronograma para recreação infantil, de modo que sempre havia atividades para nos entreter; era só entrar na recepção e olhar para o quadro branco, e logo saberíamos o quê, onde e que horas. Sem necessidade de falar com adultos; tudo muito maduro e independente. Lembro disso porque um dia entrei lá e vi uma atividade de nome muito interessante, que me deixou de imediato curioso: Caça Fantasmas.
Na primeira vez que fui à piscina do hotel, ela parecia enorme e cheia de coleguinhas em potencial. E tinha até uma menininha da minha idade; sempre tem uma menininha da nossa idade nas boas histórias. Ela poderia ser minha namorada se quisesse. Nessa idade, todas as meninas podem ser nossas namoradas; é que tudo parece maior pra gente pequena, então qualquer conversa boba pode ter o mesmo peso que anos de matrimônio, sabe?
Não tardou a ficarmos amigos. Logo éramos velhos conhecidos. Ela falava muito, e eu gostava de escutar (pensando melhor, certas características humanas não mudam, né? ). Ela tinha cabelos negros curtinhos e sorriso fácil, eu acho. Atraído pela nossa fluência, logo um outro menino se juntou à nós. Era legal também, e logo todos já estávamos super à vontade. Depois vim reparar que ele usava só roupinhas tipo "mamãe escolheu", daquelas super arrumadinhas. Eu achava engraçado.
Mais tarde, já de noite, nos juntamos na recepção e fomos participar da tal atividade "Caça Fantasmas". Era assim: alguns funcionários juntavam as crianças num grupo único e levavam-nas numa trilha pré-definida através dos jardins escuros, contando falsas histórias de terror sobre o local. Diziam que se déssemos sorte, veríamos algum fantasma. E de fato eu vi: numa das muitas elevações do terreno, pude avistar, meio ao longe, uma figura branca que se agitava desengonçadamente; um lençól branco com uma pessoa por baixo.
Nem preciso dizer que eu e meus novos amigos ficamos desapontados. Quando terminou o passeio, voltamos para a recepção e ficamos conversando sobre o quão vazio era saber que não tínhamos visto fantasmas de verdade. Mas lembro também que uma pequena parte de minha queria muito acreditar; acreditar no sobrenatural, na existência dos fantasmas, que o mundo era um lugar interessante de verdade. Mesmo assim, estávamos todos muito contentes. Oras, estávamos juntos, de noite, longe das mãos controladores de nossos pais e num lugar tão bonito. Até compramos uma coca-cola, com nosso próprio dinheiro, só pra comemorar o momento. Quer espumante melhor que coca-cola quando se tem 8 anos? Não há, não há. Eu estava muito feliz pela novidade daquela situação, por ter conseguido tão bons amigos,por ter coca-cola, por estar tarde e eu não estar na cama; por estar vivendo!
Ah sim, eu gostei mtanto desse hotel-fazenda que ficamos em Nova Friburgo...
Hoje os jornais dizem que as montanhas caíram. A chuva veio e empurrou a terra, tudo caiu. Sabe as avalanches de neve que vemos nos desenhos animados? Quando um personagem grita muito alto,que logo a neve se parte e rola montanha abaixo, uma massa branca, uniforme, que chega até a ser bonita. Poisé, quase isso; só que ao invés dessa massa branca temos uma marrom, quase negra, úmida, formada por lama, pedras, troncos de árvores e morte.
Me disseram que 3 cidades foram afetadas, mas o meu coração saltou mesmo foi quando ouvi que dentre elas figurava Nova Friburgo. Imagens do Hotel passaram pela minha mente; os jardins, o cheiro de relva pela manhã,o quadro de atividades iluminado pelo sol da manhã, a piscina cheia de coleguinhas... Aquele cantinho de paraíso todo, 4 metros abaixo de lama fria e espessa.
Dizem que a montanha desceu de noite, pegando as pessoas enquanto dormiam. Durante um sonho gostoso, um último sonho que serviu de transição para a sonolência eterna nos leitos da morte. Ou talvez no meio de uma brincadeira de caça fantasmas. Talvez tenham pego de surpresa algum jovem que estava contente por não estar na cama. Talvez ele tenha ouvido tudo, visto tudo. Toneladas de desabamento podem ser um monstro, se é que você me entende. Numa noite de lua nova e aos olhos de uma criança, esse desabamento corre, ruge, procura e mata igualzinho à um gigante em estupor assassino. Ele não deixa nada para trás, suas garras ceifam vidas e desconstroem famílias como uma criança desmonta lego.
Através da janela, por entre a menina de sorriso fácil e o menino de trajes incongruentes, pela janela, ele vê o monstro. Uma sombra tão enorme e truculenta que arrebata de súbito a pulsação do menino. Rugidos e grunhidos, enquanto o monstro engole tudo. O estacionamento, onde ficou o nosso carro, carro que pegamos emprestado de nossos tios que moram no RJ. Ninguém ouviu o alarme tocar, porque o som não se propaga bem embaixo de tanto barro. O caminho de pedras pelo jardim, que está vendo cruzar seu último visitante. A primeira cabana, e logo a segunda, e então a cabana em que está hospedado o menino, pai e mãe ainda na cama, espero que eles não estejam acordados para assistir o horror que contemplo com meus olhinhos; esqueci de desejar boa noite de mamãe e pedir bença de papai, e se tivesse tempo choraria em arrependimento. Agora, foi-se a piscina e o bar, onde ainda deveria ter gente nadando, conversando ou dançando. Um casal ou dois que nunca vão ter um filho, ou nunca vão vê-lo crescer; espero que suas mãos estejam juntas agora, para que a eternidade não os separe. Finalmente, a lama chega atravessando a janela, quebrando a estrutura, estuprando a construção, pondo abaixo toda a madeira, todo o concreto, levando móveis, paredes e...e o menininho. Uma morte que cheira a restos materiais e tem um gosto muito forte de terra.
Agora, me pego imaginando quantos meninos assim não encontraram um desfecho prematuro na boca desse monstro. Quantos não deixaram toda uma vida pela frente, no meio de toda aquela lama. Os jornais alardeiam o número de mortos mas citam apenas um ou outro famoso dentre os números; o resto, que não era famoso, continua sendo apenas um número. Eu não creio isso justo. Agora, se Deus existe, os fantasmas também são reais; tenham sido eles ricos ou pobres, famosos ou anônimos, decentes ou condenáveis.
Meus sinceros sentimentos pelos vitimados nesse desastre natural no RJ.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Cenas de uma viagem- Translação.

Então, Manaus - Fortaleza. Um pouco a contra-gosto, um pouco curioso, eu saio em meio à uma partida de Halo que estava apenas no início, e prometia esquentar; mais ou menos 15 hrs da tarde de quinta-feira, dia 30. Para quem já viu o Sol raiar no meio dos assassinates e dos killing sprees, isso é no mínimo ultrajante. 
Mas tudo bem, tudo bem.
Agora são 20:27 exatamente, horário Manaus, e eu estou no avião. Sem caça-palavras e revistinhas do gênero, que parecem ser os maiores atrativos de qualquer viagem de avião. Vôo pela Gol, e devo dizer que certos pontos do cronograma de bordo são, ao meu ver, comicamente questionáveis.
Por exemplo, antes do avião decolar, o comissário de bordo descreve o tipo de coisa que nós devemos fazer caso enfrentemos qualquer tipo de percalço durante a viagem: qualquer coisa, senhores passageiros, luzes de emergência se acenderão e indicarão o caminho mias certo até a saída de emergência mais próxima. Onde, acho que ele esqueceu de falar, os senhores poderão esticar suas asas e abandonar calmamente a aeronave. Porque, claro, em caso de qualquer coisa no meio do vôo, a minha vontade de correr até a saída mais próxima e abraçar uma queda radical porém fora do avião será irrefreável. Beleza. Eu acho, senhor comissário, que esses procedimentos são meio furados, de boa. Olha, acho que se acontecesse algo grave durante o vôo, o certo seria que a equipe de bordo se apressasse para servir o máximo possível da tripulação com champanhe ou, sei lá, me faz um inferninho aí. Porque cara, se você parar pra pensar, aconteceu algo com uma nave à sei lá quantos mil pés do chão, abraços. Eu ligo o foda-se, e se der tempo ainda escrevo um post pro blog reclamando do atendimento. Que caixa-preta que nada, a culpa é do fdp do piloto lá que esqueceu de passar a marcha, me pronuncio logo.
Depois, eles apagam as luzes, tranquilo, foi passada a sugestão da soneca. Eu aperto logo o botão de reclinação da cadeira, super ansioso,e ela se reclina tipo 1 grau. O quê? Como assim? Já reclinou, ou eu tive um princípio de vertigem? Esse foi o mecanismo de reclinação ou foi o gordo da cadeira de trás que acomodou o joelho? Po, brother. Não me calunie. Sabe o que eles conseguiram, com essa cadeira? Eles acharam a inclinação perfeita, entre o confortável para sentar e o confortável para deitar, isto é, o desconfortável para ambos. Parabéns galera, mais um dia, mais um milagre da engenharia. Porra, próxima coisa que eu sei a Skynet tá ativando os Arnold Schwazinnegers pra me matar. Cadeiras plenamente desconfortáveis são só o primeiro passo no plano das máquinas de subjugarem os seres humanos. Fica pior porque nem travesseirinho eles trazem, de forma que eu tenho que usar as minhas próprias vértebras para acomodar a cabeça, sei lá.
Outra coisa que me chamou atenção foi no horário do lanche. Eu acordo com uma dor grotesca no pescoço, meio que agradecendo por não ter ficado é tetraplégico durante o sono ( o que seria uma vitória para as máquinas), e lá vêm o serviço de bordo, com o abençoado carrinho de gostosuras. Lembro de quando era pequeno, que serviam uns pratos legais de frango com arroz e salada e umas sobremesas bacanas, coisa do tipo. O cara me pergunta então, Algo para beber, senhor? , ao que respondo, peito inflado, sorriso dando a volta na nuca, Coca Cola!, ao que recebo em troca um seco e contundente Só temos pepsi. Nessa hora eu me levanto de supetão e tento imitar o linguajar islâmico enquanto agito a minha bolsa, mostrando que se trata de uma bomba e que tá todo mundo ferrado. Não, é brincadeira; eu guardo essa constatação acerca dos suprimentos bebericatícios do avião bem no fundo do coração enquanto luto para me adaptar a esse novo conceito de realidade imposta. Aceito a pepsi, e espero para ver qual é a próxima tragédia. Não, senhores, eles não me entregam amendoins. Até porque eu gosto de amendoins, e eles tem dever contratual de não agradar os passageiros. Então eles me entregam um pacote do que eu só posso supor que sejam pequenos pedaços de isopor com pitadas de sal. Beleza.
Não se proporcionam mais viagens de avião como antigamente.