quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A tatuagem que eu fiz

As pessoas vêm me pedir para mostrar a minha tatuagem freqüentemente. Algumas, ao contemplá-la, arregalam os olhos e elogiam sinceramente. Outras, ficam desconsertadas e mudam de assunto. Uma até já disse que não gostou, assim, na lata. Acho que elas esperavam algum desenho super elaborado, colorido, rico em detalhes... Mas, ao contrário, encontram um esboço negro, uma sombra no formato de um lobo, com irregularidades descoloridas em seu centro. Decepcionante para alguns, interessante para outros, é isso que eu percebo.
Bem, se tivesse sido meu objetivo retratar algo mais propenso à bel satisfação dos telespectadores, com certeza ela não estaria num lugar de difícil contemplação, e sim nos antebraços ou panturrilhas ou coisa que o valha. Como um dia irei fazer; aguardem que um dia virá algo bem maior e mais colorido e detalhado. Mas por enquanto, primeira tatuagem, eu escolhi algo mais simples.
Aí vem aquela famosa pergunta, que já virou bula de tatuagem: "E tem algum significado?".
“É de um livro que eu gosto muito”, respondo às vezes. “É uma imagem que eu gosto de olhar”, eu respondo outras; já cheguei a dizer até "É que eu gosto de lobos", como se existisse também a possibilidade de eu tatuar uma garrafa de coca cola. A questão é que essa imagem em particular exerce certa fascinação sobre mim, e eu nunca soube explicar por quê. De fato, eu gosto de olhá-la. Quando eu a vejo, uma palavra salta à minha mente: virtudes.
Virtudes.
Quando eu olho para o desenho, eu literalmente tenho vontade de ser uma pessoa diferente, uma pessoa melhor. Pode parecer estranho, mas essa deve ser uma daquelas conexões que a mente faz sozinha, sem pedir o nosso parecer.
A adolescência pode ser um período difícil, e eu admito que a minha só foi difícil até o ponto em que eu me fazia dificultá-la; afinal, nunca nada me faltou. E ainda assim, crescer tem se mostrado uma tarefa complexa, e a maturidade tem sido um cálculo renal duro de expelir. Me assombra o quanto as pessoas notam que eu mudei, mas nem passa perto do tanto que me assusta o modo como eu percebo ter mudado. Os textos desse blog, vocês talvez tenham percebido, possuem um tema implícito recorrente: o amadurecimento. É um tema que eu tenho notado, mesmo sem tê-lo em mente quando escrevo. Talvez porque o meu subconsciente tenha sido incisivo na mensagem: crescer é doloroso. Eu me arrasto por corredores escuros de nostalgia, me afogo em pessimismo e não raro me isolo por pura melancolia.
Crescer é difícil.
As responsabilidades que cauterizam o saudável amadurecimento são uma fera, uma fera cuja face não se pode racionalmente distinguir, então eu a vejo como uma sombra; uma sombra que persegue onde quer que se vá. Um vulto negro que não conseguimos divisar, mas cujos efeitos podemos facilmente sentir. Eu sei que essa fera possui grandes presas, porque são essas presas que causam as feridas que vão me ensinar a caminhar com minhas próprias pernas por onde a vida me levar. Eu sei também que ela possui olhos atentos que estudam, esperam e julgam; é com esses olhos que essa fera me avalia, e é através deles que um dia eu vou aprender a enxergar. Neste dia então, neste longínquo dia em que eu finalmente aprender a extensão de minhas consequências, é que a fera vai me dar espaço para respirar. Não estou dizendo que ela vai me deixar em paz, porque isso jamais acontecerá; os homens tem suas feras, suas bestas e seus demônios acorrentados a si da mesma forma como possuem jeito de falar e maneira de pensar. E, se caso contrário, eu não aprender com suas dentadas corretivas, eu sei que só vai me restar sofrer. Sofrer em solidão com os erros que cometi, quase como um lobo que se afasta para lamber suas feridas.
Essa é a fera à qual devo ficar atento: a sombra de um lobo com a boca arreganhada e olhos bem abertos. Que agora eu carrego no lado esquerdo do peito, um lembrete de tudo o que preciso lembrar. Ele me espreita, me assusta, me aconselha, tudo com um simples olhar. Agora retornamos àquela emblemática palavra que eu mencionei anteriormente: Virtudes. Agora, ela faz sentido: esse lobo que persegue e ameaça só deseja uma coisa; me fazer crescer virtuosamente. Essa figura era o peso na consciência que eu sempre tive, o medo de não estar fazendo as coisas certas.
E algumas pessoas me perguntam por que eu deixei uns espaços em branco no interior do lobo, e acham idiota quando eu digo que não vou preenchê-los de maneira alguma.
Ora, para que serviriam esses pequenos espaços em branco se não para me lembrar de que é possível afastar a presença asfixiante do medo da mudança? De que há luz do outro lado? De que toda mudança pode ser bem vinda? As falhas no lobo são as vitórias que eu já consegui. O lobo, afinal, está em mim porque sou eu.
Ou assim eu gosto de pensar.
E aí, é significado o bastante para você?
P.S.: Só uma coisa me causa estranhamento em relação ao meu lobo. Só uma coisa eu admito que não consigo conceber em relação à ele...
Mesmo após a minha morte, depois dos meus momentos finais, ele vai permanecer lá. Mesmo quando eu me retirar desse mundo, quando daqui saírem todas as pretensões que são minhas, todas as virtudes que eu tive em mim, todo o conhecimento que amalgamei, ele ainda vai estar lá, lançando a sua encarada à quem quiser ver. E talvez seja ele que meus filhos, meus netos, minha família e amigos vão ver ao se despedir de mim. E isso é real, real demais.
Presas expostas e olhos atentos, negro como o desespero, no meu peito, o meu lobo-de-guarda vai lhes lançar um último longo, longo olhar de cautela.
Por algum motivo, esse pensamento trás uma sensação que eu não sei definir. O que é apenas mais um dos mistérios dessa enigmática tatuagem que eu fiz, e cuja beleza eu não exito em confessar que talvez só eu seja capaz de ver.