quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Resenha literária: "A visita cruel do tempo"


Resenha: “A visita cruel do tempo”/ “A visit from the goon squad”, de Jennifer Egan

O ramo da música está decaindo, mas não é por causa da internet. Pelo menos de acordo com o livro “A visita cruel do tempo”, de Jennifer Egan, a culpa real deste fato é a notória ausência de talento da nova geração de artistas. Não que o seu interesse neste tema seja essencial para que você se apaixone por essa espetacular obra; apesar de ser um dos temas do livro, ele não é, nem de longe, o seu fio de meada. Não: ele, como todas as outras estórias do romance, são apenas formas que a autora utilizou para abordar o tópico real: a passagem do tempo.

                Centrado num conjunto de personagens vagamente conectados (alguns mais do que outros), o livro é contado através de 13 capítulos, sendo o foco interpretativo de cada um centrado em personagens distintos. A estória se passa no decorrer de 40 anos, e prioritariamente na cidade de Nova York. Comumente, cada personagem narrado já foi apresentado anteriormente através dos olhos de outro personagem. O interessante é que sempre que essas personagens são apresentadas pela primeira vez, elas estão em algum ponto confortável de suas vidas; quando o livro decide que é a sua vez de tomar o centro, entretanto, comumente somos levados a um momento turbulento de suas vidas. Não que isto seja uma regra primordial, ou que sempre que acompanhamos alguém, este encontra-se na mais miserável situação de sua vida, não. Mas indubitavelmente, ressalta-se o interesse da autora em aproveitar os conflitos mais significativos de cada um, ao mesmo tempo que assegura-se ao leitor o proveito de uma narrativa bem sincronizada e no ritmo ideal. Quiçá haja leve tropeço no desenvolvimento do último capítulo, que é de longe o mais fictício (tendo em vista que se passa numa Nova York do futuro), isto pode facilmente ser perdoado com o desfecho emocionante da estória.

                Aliás, há no livro um capítulo narrado exclusivamente através de slides Power Point; sim, este instrumento moderno que é, de outro modo, um recurso chato utilizado por gente chata para apresentar conteúdos ainda mais chatos, aqui é posto em ação para contar esclarecer certas dificuldades familiares de uma forma extremamente inocente, tocante e memorável. Aliás, vale dizer: este capítulo em particular ajudou a cercar o livro de um buzz espetacular, atiçando a curiosidade de leitores e críticos em comum.

                Jennifer Egan é brilhante. Sua narrativa, no mais das vezes, segue o estilo de terceira pessoa. Mas capítulos há em que a narrativa é em primeira pessoa. Há um capítulo, inclusive, em que ela narra VOCÊ! Isso mesmo! Narrando as desventuras de Robb, ela trata o personagem por “você”. Isto saltou-me aos olhos de forma agradável e acendeu-me uma curiosidade literária bem forte, coisa que certamente se passou com todos os outros que dedicaram ao fato alguma consideração. Como se vê, a autora não tem medo de esbanjar seu talento, e as narrativas são sempre eficiente e obedecem a um propósito: seja aproximar, seja distanciar quem lê das ações e sentimentos de quem é descrito. Super eficiente é esta artimanha, até mesmo para ajudar o leitor a se apaixonar por Sasha Blake, que, juntamente a Bennie Salazar, são as duas personagens mais bem exploradas pela obra.

                Todas as personagens são ligadas de alguma forma à indústria da música: produtores, assistentes de produtores, músicos, RP’s, jornalistas... Não impossivelmente, atribuo isto ao desejo da autora de imiscuir sua obra com um profundo conteúdo pop, de modo a localizá-la bem num ramo prático, comum e que definitivamente vêm ele próprio recebendo uma cruel visita do tempo.

                “A visita cruel do tempo” recebeu o Pulitzer de 2011, e é uma das melhores obras que eu já li. Fortemente recomendo sua leitura, tanto àqueles que gostam de livros descomplicados quanto àqueles que preferem algo engajado. Não conheço os livros anteriores de Jennifer (o que pretendo remediar nos próximos meses), mas se eu fosse um homem de apostas, apostaria isto: guarde este nome, pois dentro em alguns anos ele será muito reconhecido. Aliás, Egan já foi listada pela Times como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo no ano de lançamento deste livro, mas o que eu quero dizer é que o reconhecimento que ela já tem pouco se compara ao que ela alcançará, simplesmente porque ela é dotada de um talento maduro e acachapante que, se bem explorado, gerará obras que definem gerações; como esta em especial já fez.

               

               

 

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