sexta-feira, 2 de abril de 2010

E a Mentira e a Verdade e o Haroldo

Eu não entendo essa fixação do brasileiro com o dia da mentira. Digo, todo mundo quer pregar um trote no dia Primeiro de Abril. Cara, são milhões de pessoas que mentem 365 dias por ano, de maneira frenética, e quando chega no Dia da Mentira, se empolgam porque vão poder mentir. Ligam para alguém, passam trotes, bolam pegadinhas, todo mundo querendo ser mais esperto que todo mundo.

Deve ser porque ninguém pode deixar transparecer suas mentiras nos outros dias do ano, então quando chega esse dia, eles ficam contentes por poderem mostrar suas cores verdadeiras. Digo, essa paixão que os seres humanos têm pela subversão é fascinante. Quem não se empolga com a possibilidade de fazer qualquer coisa e sair impune? Pode até ser que eles nunca venham a se aproveitar dessa concessão,mas todos se empolgam com a idéia.
Mas ontem eu não me empolguei. Não tentei fazer um trote com ninguém. Porque aos 18 anos, eu já sei que a mentira está fora de moda, o resto das pessoas é que não se deram conta ainda. Ah, a mentira é a esposa do homem. Está com ele 24 hrs por dia. Está sempre para ele na sua cama. Então, como é de se esperar, o encanto que ela apresenta é muito pequeno. A Verdade, por outro lado, é a amante. Ela só está do lado do homem eventualmente. É sempre mais empolgante estar em posse da Verdade do que da Mentira.

Mas essa crença é apenas mais um estágio na digreção humana. No decorrer da vida, o homem vai enxergando as entrelinhas das coisas, e depois as entrelinhas das entrelinhas, e assim adiante. Logo mais, você aprende que Verdade e Mentira são os mesmo lados da mesma moeda, e que às vezes a diferenciação entre os dois pode ser meramente teórica, logo mais o que você chama de verdade pode ser mentira tão facilmente quanto o que você crê que é mentira pode ser verdade. Por exemplo, eu ajudei uma criança pobre na rua, dei-lhe roupas e alimentos. Eu sou uma pessoa que se preocupa mais com os outros do que comigo, certo? Totalmente altruísta. Verdade. Mentira. Eu me sinto bem ajudando alguém, então o bem que eu fiz foi mais para mim do que para o outro. Ele eventualmente vai regressar à situação de miséria de antes. Mas eu vou me sentir super legal para sempre por causa disso. Você consegue enxergar? Tudo o que é de mais sólido se desmancha no ar.

Não existe tal coisa qual uma boa pessoa, não existe tal coisa qual a certeza. O que existe são algumas poucas hipóteses. Eu entro na sua casa e mato você à facadas, eu sou completamente cruel? O quê, vai dizer que você em contrapartida é completamente bom?

Eu sento na minha poltrona em casa com uma expressão pétrea de desgosto, a mão segurando a testa, a testa segurando as idéias, a boca contorcida de forma que quase parece um M, os olhos são dois pontos brilhantes cavadas na superfície indiferente. E eu me pego me prometendo que nunca mais vou fornecer segundos do meu tempo precioso à teorização de coisas tão absurdas quanto valores humanos.

Você poderia, em certa instância dizer que o Haroldo não passou pela terceira vez no teste de direção porque não sabe fazer balizas, e eu ficaria contente com essa mentirinha. Mas eu sei que a verdade é infinitamente pior, porque o Haroldo não passou pela terceira vez no teste de direção porque, apesar de todo instrutor que já tenha entrado com ele no carro concordar que ele dirige impecavelmente, apesar de ele ter provado inequivocadamente à examinadora que ele tinha mais 3 ou 4 cm de espaço, ela ainda assim proclamou que ele estava reprovado por algum motivo que ele sinceramente não compreende. Ele teria podido dormir de noite se soubesse que para passar era só melhorar a baliza. Mas é mais difícil quando ele sabe que fazer uma baliza mais perfeita é impossível, e que ele está só à espera do dia em que uma prova vai se desenrolar sem que ele seja humilhado, enganado, acusado, desrespeitado, injustiçado ou induzido ao erro.
Então de novo eu estou na minha poltrona, o olhar fundo na cara, evitando as grandes questões humanas, porque as grandes questões humanas servem apenas para mostrar a incapacidade da nossa querida raça de ser racional.

Feliz Primeiro de Abril, raça Desgraça.

Um comentário:

  1. Eu me sinto bem ajudando alguém, então o bem que eu fiz foi mais para mim do que para o outro- phoebe buffay feelings

    eu acho que a graça do primeiro de abril é que todo mundo sente que usa máscaras, e pode inventar qualquer coisa, quando na verdade ninguém percebe que todo santo dia colamos várias máscaras no rosto - this message was brought to you by Gabriela, not making any sense since 1991

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