sábado, 24 de abril de 2010

Haroldo no País da Alice

Na última série de terças-feiras, fiz meu caminho às mãos de um livro. Perguntou-me ele se eu era mais um entusiasta das ciências, enquanto tomava seu chá. Respondi-lhe que sim,claro, ser algum pode renunciar da luz das ciências. Ele me perguntou como estava o tempo lá fora. Eu disse que meio nublado, com jeito de chuva. Meio nublado OU com jeito de chuva?, ele perguntou. Bacon, eu respondi. Definitivamente bacon.
O parágrafo anterior é o tipo de lógica que você encontraria nos livros de Alice (Alice in Wonderland e sua sequência, Through the Looking Glass). Eu nunca tive curiosidade real de ler os livros, mas com a aproximação do filme e a minha namorada sendo uma grande fã da série, finalmente me chegou a oportunidade de lê-los. E que surpresa eu tive.
Os livros foram escritos entre 1860/1870, pelo inglês Lewis Carroll (Charles Lutwidge Dodgson), um meio pedófilo e completo maluco. O livro é uma crítica à profunda busca pela razão da época e a influência que isso produzia nas crianças pequenas; era ainda mais uma leitura deliciosa sobre a visão das crianças sobre os modos e costumes adultos. Alice, uma garota de 7 anos, arruma viagens à outras dimensões, e os livros basicamente contam os encontros que ela trava com criaturas e seres estranhos e únicos. Sempre assim se desenrola a história, encontro por encontro, conversa por conversa. Nesses mundos, a lógica (posso assim me referir?) corre de maneira incongruente. Os personagens que Alice vêm a encontrar são todos adultos,humanos ou animais ou cartas ou xadrez ou nada disso, e parecem quase sempre querer irritá-la ou desdenhar de suas maneiras. Temos então temas que correm nas mais distintas direções. Nunca é possível se ler as entrelinhas.O máximo que se pode conseguir é atribuir sentidos.
O sentido da obra é fugidío. É um clássico da literatura non-sense e, claro, da literatura infantil. Não que as crianças à quem os pais lêem as histórias entendam alguma coisa. Inferno, não que os pais entendam alguma coisa. Carroll faz uma referência aqui outra ali, uma lição aqui outra ali. Mais parece uma coleção de ensaios, suas obras, que histórias de verdade. Mas o que nós temos na verdade é uma bíblia da própria introspecção.Digo, o ser humano tem necessidade por encontrar lógica nas coisas. Não podemos ver uma coisa diferente sem procurar nomeá-la, estudá-la e categorizá-la. Diabos, até o crime já categorizamos, o que mais pode faltar? É quando Lewis dá seu grande chute no saco do mundo. Sua obra tem sido estudada ao longo dos séculos por mais cientistas, matemáticos, sociólogos e sabe-tudos-em-geral do que você pode contar, e todos eles trazem alguma coisa à baila. Todos eles acham coisas novas. Mas é isso que o livro é, um estímulo ao próprio raciocínio à partir do choque. É uma grande página cheia de pontos, e você pode conectá-los da forma que bem entender. Oras,coisas novas estão destinadas serem achadas a cada vez que se lê.
Temos momentos clássicos em que a construção textual de Lewis, o simples modo como ele organiza suas palavras, nos deixa mesmerizados. Temos momentos em que a história é tão bem orquestrada que ela ribomba nos nossos pensamentos e somos deixados à simplesmente imaginar o que ele quis dizer com isso. Temos personagens geniais, como o gato de Cheshire e seu sorriso sombrio de orelha a orelha. Temos a rainha de Copas, que NÃO é a Rainha Vermelha, e que pede decapitações como eu bebo coca-cola. Temos o próprio Humpty-Dumpty em sua irrefutável sabedoria gramatical. Temos as intrínsecas análises sociais onde tribunais são satirizados e organizações políticas compostas por animais falantes; o presidente é um rato.
Eu tenho um personagem favorito em especial, e que pouco é comentado e nunca mais citado: o Grifo. Personagem oriundo de “O País das Maravilhas”, a Rainha de Copas leva Alice até ele para que ela possa ser acompanhada até o reduto da Tartaruga Falsa. Assim que a Rainha de Copas se afasta e manda alguém ser decapitado, o Grifo sorri e se explica à Alice: “É apenas engraçado. Tudo é capricho dela: nunca executam ninguém”, ele diz, irrepreendível. Mais adiante, eles se aproximam da Tartaruga Falsa, uma espécie de sábio recluso, e Alice percebe que a Tartaruga parece estar chorando, triste. “Qual é o problema dela?”, pergunta à qual o Grifo permanece taxativo: “É tudo capricho dela: Não há problema”. (Senhores, aviso: as traduções aqui foram feitas por mim, já que nos livros aqui vendidos trocam a palavra “capricho” por “fantasia” no lugar do inglês “fancy”, tradução que eu acho imprópria e até menos interessante). O Grifo me furtou da atenção logo de começo, com seu ar sério, imponente e suas palavras sordida, explicita e quase grosseiramente reais. Ele levantou em mim o mais violento questionamento acerca das futilidades humanas. Quase como se ele chegasse para você e falasse,acerca da sua ida constante ao Café Cancun ou pubs em geral, da maneira mais fúnebre possível, “É tudo capricho seu: não há diversão em boates”. Gente,eu grito à plenos pulmões, OQUEVOCEIAFAZERDASUAVIDA?
Isso quase me deu vontade de mudar o nome do meu blog para Grifo ou algo do gênero, o quê, na minha visão, seria deveras apropriado, não? Mas por imperativo estético, eu creio que nadaDireito é mais interessante.
Alice adquiriu a imortalidade, transcendeu o tempo. E eu acho que essa é mais uma obra que não é apreciada como deveria. Digo, eu acho que todo aficcionado por leitura deveria ter uma edição descansando na sua estante. Eu disse antes que Lewis era meio pedófilo e completamente maluco, mas isso foram preliminares. Lewis era autor, matemático,filósofo sobre a lógica e até fotógrafo. E você aí chupando o dedo indo pro Café Cancun, amassando né? Dizendo que só quer ler Machado de Assis e Shakespeare, nunca entendeu uma palavra.
Mas eu peço encarecidamente dos senhores o seguinte: desconsiderem o filme que chegou recentemente aos cinemas, obra infame e desqualificada do Tim Burton. Sério, o filme é um fracasso. Poderia muito bem se chamar Alice no País de Nárnia, ou algo assim. Alice no País dos Roteiros Repetitivos. Alice no País da Péssima Atuação do Johnny Depp. Alice no País do Vacilo, sei lá. Apenas mantenham isto em mente: O filme não tem bulhufas que ver com os livros consagrados.

2 comentários:

  1. Haha, vc devia me agradecer já que te forcei a ler Alice 8DDD

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  2. Digo apenas: Caralho! Que aqui, aparece como interjeição que representa o estado de choque-reflexão em que me encontro, agora estou babando de tesão, preciso ler este livro imediatamente E digo mais, este pequeno quadrinho de comentários não é capaz de conter toda a massa de reflexões que o seu pragmatismo haroldico gerou, além do mais, creio que você experimentou um pouco do própio veneno, com o Grifo, ele lembra muito a você, na verdade xDD agora, tahqueropariu, você vai me emprestar esse livroo!! Ç_Ç

    E como ainda tive o interesse( até o presente momento) de ler Alice no País das Maravilhas, não posso fazer apreciação sobre o filme e o livro, mas como sabes, toda adaptção será sempre tosca, por melhor que seja dirigida nunca alcançará o status do livro, isso é certo, sofismos à parte, o filme é divertidinho, o velho tio Deep continua impecável, os personagens não foram plenamente desenvolvidos e muitos ficaram fora de contexto, como a Largatinha Chapada de ópio, powha ela sempre owna em todas as versões, o Sorriso( o gato) com certeza é o meu personagem predileto e o chapeleiro deep ficou muito deslocado, parece-me que cenas foram forçadas para que ele( jonny deep) tivesse mais focus, mas como eu disse, Alice está maravilhosa( muito gatinha, noss, gamei) e a jovem(magavilhosaa) que interpreta alice se saiu muito bem. Enfim, um filme demasiado narniano na minha opnião e non-sense, realmente. xDDD

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