terça-feira, 30 de março de 2010

Casa de Cartas, Casa de Vidro

""Condenados"", alardeia a capa da última revista veja. ""Agora Isabella pode descansar em paz"".
A menina Isabella vai, de fato, ter um descanso tão agradável quanto
as minhas noites de insônia aguda são revigorantes. Eu não sei de
qual lixo os seres humanos tiram o seu senso de justiça, ou o quão
veementes eles tem que ser nas mentiras que contam a si próprios para
acreditar nessa quimera. Será que é preciso ser um sociopata
rancoroso para aprender a repudiar esse tipo de placebo? Digo, o que
você acha que é Justiça? Atendo-me à Aristóteles, justiça é
equidade. Justiça é manter os lados iguais, não deixar a balança
pender louca. Quando eu tenho os calafrios decorrentes de uma lâmina
gelada perigosamente perto da espinha por causa do iPod que eu ganhei
da vovó porque eu sou um bom menino, a balança não desigualou, ela
partiu ao meio, e mesmo que algum dia meu iPod me seja devolvido, nada nunca vai estagnar a paranóia e o medo do escuro que vão dominar a minha mente nos anos seguintes. Podem me dar dois iPods e deixar o
assaltante apodrecer na cadeia, nada vai voltar a ser o que era. Então a Justiça não é nem reparativa, é restitutiva quando muito.
E o cara que me assaltou vai pra cadeia, porque só os ladrões de
trocados é que fazem uso desses recintos neste país, e ele deixa um
filho em casa com uma mãe despreparada e leva consigo a esperança para dentro dos portões do precinto. E de repente esse moleque aprende a quebrar a noite e as probabilidades de que vai ser ele assaltando o meu filho não são poucas. Mas esse exemplo é o mais agradável, porque se o cara rouba por necessidade ele está sendo apenas racional, mas quando se joga na mistura os agravantes tipo drogas e patologias e ambição, nós temos uma escalação e de repente prisão alguma entra na mente do homem,corrompida pelo vício como ela está.
Mas isso é peixe pequeno, porque os cavaleiros do apocalipse,
Política e Religião, assistem isso de cima, e as cordas que movem as
articulações desses bonecos estão presas nos dedos dos Dois.
Ainda assim, a Justiça nunca vai fazer nada por mim ou por você.
Porque quando ela sai para caçar, a sua licença foi assinada pela
caneta do Executivo, ela vai atrás dos que interromperam a ordem
natural das coisas, das marionetes com as cordas defeituosas.
Você acha que os assassinos de crianças vão para a cadeia porque tem
uma mãe ajoelhada em algum lugar catando os pedacinhos do coração? Não. Eles são alienados por causa de uma coisa que já foi estudada,tipificada e arquivada como crime. O crime não mora mais no peito das pessoas, ele foi catalogado e organizado como um livro de receitas, e agora o Estado é uma mulher gorda tentando fazer o bolo perfeito. O entendimento de Justiça que você tem é o que os seus pais lhe deram para que você pudesse dormir à noite. Papai, e se um bandido entrar aqui de noite? Isso não vai acontecer, meu filho, ele iria preso. Porque existe a Justiça.
Mas acontece que alguém pode muito bem entrar na sua casa, matar cada
membro da sua família à facadas, roubar tudo o que vocês tinham e
sair pela porta da frente; ele pode ser preso, indiciado e
condenado,que ainda assim agora só existem lembranças onde você
deveria estar, um álbum de fotos incompleto. E isso porque a Justiça
compareceu devidademente fardada de terno e sapatos no dia do
julgamento e saiu vitoriosa.
A Justiça não entrou lá por sua causa ou por causa dos que lhe
queriam, mas porque a sociedade está cheia de famílias que nem a sua, com os mesmos medos que os seus, e ainda assim assassinatos acontecem o tempo todo.
A menina Isabella nunca vai descansar em paz. Na verdade, a manchete
se refere ao leitor da revista, que pode virar suas páginas com algum
sentimento de alívio. Ninguém se importa com alguma menina chamada
Isabella que morreu brutalmente. Se alguém se pronunciou em prol da
menina, não foi por causa dela. Foi porque se fosse ele mesmo ali na
capa da revista, ele gostaria que algum barulho fosse feito em seu nome.
Mas não é só a Justiça. É quando você entra num consultório médico e o médico não olha a sua cara, é quando você procura qualquer tipo de solução no meio social e você é tratado como outro nome aleatório. E eu? Eu só posso rir e achar graça, porque a raça que conquistou o planeta não tem a capacidade organizacional de uma colméia. Ah, e eu posso criar um blog. HAHAHAHAHA

2 comentários:

  1. dantes infernus! mano, filosofastes eihn, quem diria xD haroldo abandonou o bom e velho pragmatismo e exercitou a methis, mesmo que por um segundo, pow, eu poderia desenvolver um tratado sobre a alienação e a introjecção de valores, mas creio que não seria muito são, por fim, digo que o post foi muito interessante \o/ é nozes, bro, o alimento do esquilo! ,\,,/ xD

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  2. teu ipod foi roubado? haha, meu celular também ( de novo). Fail high-five o/

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