Desde
criança, um dos lados mágicos da minha vida foi o cinema. Sempre
gostei de ler, de escrever, de ouvir músicas, assistir TV... Mas
nada se comparava à telona, sabe? Atores e roteiros e diretores e
trailers e filmes, astronautas e dinossauros e robôs e personagens
mundanos e tudo aquilo que dá vida ao Cinema, dão vida também a
mim. E como consequência, desde cedo acompanho a cerimônia de
premiações da Academia.
Não
sei se existe isso de dizer que tal filme foi o melhor filme do ano,
sabe? Mas em algum momento na história o Oscar se tornou um aspecto
poderoso da indústria cinematográfica, e por isso ele deve ser
respeitado. Ele alavanca carreiras, ele constrói credibilidade, ele
cria mitos e ele consegue inserir na sociedade uma consciência
bonita, dando concretude à ficção que nos é apresentada pela
indústria. Então se a Academia vai lá e dá o Oscar para um filme
que não necessariamente foi o melhor filme do ano, por mais que haja
frisson negativo, mesmo assim ela faz um favor a todos os filmes; por
mais que a decisão seja opinativa das pessoas que trabalham dentro
dela. Ressalto, claro, que falo das decisões que, por mais que não
sejam populares, ainda respeitam um mínimo de lógica; às vezes,
não há como negar, a Academia sai do seu caminho e premia de forma
totalmente incoerente (como ontem, quando premiaram como Melhor Atriz
uma atriz coadjuvante em uma atuação não mais do que boa).
O
problema é que muita gente não gosta da Ppolítica que a Academia
exerce. Vale aqui fazer uma diferenciação: falo de Política, que,
em termos amplos, se refere à forma de pensar, ao conjunto de
princípios e valores que arbitram decisões livres; não quero dizer
política, com letra minúscula e que é apenas uma interpretação
restritiva, mera vereda do conceito maior já explicado e que se
remede à política governamental, de partidos políticos e poderes
executivos e governos administrativos. Pois bem, essa Política da
Academia ano sim e outro também cai sob chumbo grosso da mídia
especializada. Melhores Filmes favorecidos ou não, diretores
desnecessariamente indicados ou diretores chutados de lado (olhando
pra você, Quentin; tá passando da hora, né irmão?), etc. Via de
regra, as críticas são sensatas mas não aptas a crucificar a
Academia. Oras, a Academia é uma sociedade privada como qualquer
outra, ela tem direito de formular suas próprias opiniões e premiar
quem lhe agradar mais, e eu sempre entendi isso. Por isso, apesar de
me indignar várias vezes, não costumo atirar-lhe pedras. Respeito a
Academia inclusive por ela ser sensível ao seu lugar na Indústria:
ela é uma sociedade privada intitulada à opiniões, claro, mas ela
tem muito poder e geralmente age ciente disso. Essa característica é
importante pois impõe que suas decisões sejam diferentes do que
seriam se não tivesse os ônus que têm.
Vocês
entendem o que quero dizer? Tenho um exemplo para ajudar: todos os
anos, são premiados Diretores e Melhores Filmes. No caso, o Diretor
sempre sobe para discursar nas duas categorias: na primeira, só, na
segunda, com alguns atores. Mas nem sempre o mesmo diretor do melhor
filme é o diretor premiado. Quem entender de cinema aqui sabe que
isso, no fundo, causa espanto: ser diretor do melhor filme PRESSUPÕE
ser o melhor diretor do ano. Não adianta argumentar: “Nada a ver,
o filme às vezes é o melhor por causa dos atores ou até mesmo do
roteiro, e não só por causa do diretor”, porque esse argumento é
furado. O filme É o diretor, amigos, simplesmente porque o Diretor é
o ÚNICO responsável pelas cenas que você assiste no cinema. O
filme como está na tela foi a forma que ELE visou contar a história.
As atuações são todas influenciadas pela maneira como o diretor
quer seus personagens (como o Tarantino brilhantemente falou ontem em
seu discurso), e o roteiro chega ao telespectador não menos do que
NA FORMA QUE o diretor desejar. O diretor faz o filme, amigos, o
resto do staff, por mais brilhante e importante que seja, é apenas
ajuda (e com isso, eu NÃO QUERO MENOSPREZAR os excelentes trabalhos
que fazem, entendam o que eu escrevo). Amigos, em um plano ideal, não
existe premiar filme sem premiar diretor e vice-versa. Ciente dessa
equivalência, a Academia aproveita para esticar sua Política e
estendê-la, várias vezes, a pessoas diferentes e que mereçam
prêmios. Por isso, prêmio de Diretor para o Ang Lee e de Melhor
Filme para Argo. Simplesmente porque ambos foram os melhores rebentos
do Cinema em 2012, mas por motivos diferentes.
Pois
bem. Dito isto, posso falar o motivo do texto: a Cerimônia ontem foi
o maior fracasso e a maior decepção dos últimos tempos, sem dúvida
nenhuma.
Por
quê? Tudo ia bem, o host estava ótimo, as apresentações também,
os filmes eram bons e merecedores, tudo caminhava bem. MAS a Academia
TINHA que ultrapassar a tênue linha entre Política e política e,
assim, corromper a sua premiação. Ao pedir para Michelle Obama,
esposa do Presidente Obama, fazer o anúncio mais importante da
noite, preterindo Jack Nicholson (um dos mais grandiosos nomes do
Cinema), ela conseguiu manchar a própria reputação. Fazendo isso,
veio à tona a ligação política entre o Governo dos EUA e a
premiação de uma Sociedade que se sabe, antes de tudo, mundial.
Oras, uma das organizadoras do evento, eu fiquei sabendo depois, é
filha de um membro da comissão apoiadora do Presidente, e por isso a
Michelle estava lá, selando a presença da Casa Branca num evento
que não tem absolutamente nada a ver com ela. Eu não deveria saber
disso; isso não deveria importar.
Oras,
na manhã dos Oscars mesmo eu entrei numa discussão com os meus pais
para defender a credibilidade do evento. Minha mãe dizia que a
Academia estava corrompida e que sofria influências externas que lhe
impediriam de realizar a boa premiação. Eu falei que não, que por
mais que às vezes as premiações fossem questionáveis, elas sempre
eram fruto de uma Política válida e que tinham sua própria lógica,
nunca motivadas por fatores externos ocultos. Minha mãe então falou
“E por quê os três filmes favoritos tem o Governo dos EUA como
heróis?”. Eu, sabe-tudo, respondi “Coincidência, oras”.
(Detalhe: entramos nessa discussão porque eu sentia que A Vida de Pi
ou Os Miseráveis devia ser o vencedor, mas que sabia que os
favoritos eram A Hora Mais Escura, Argo e Lincoln).
Como,
amigos, posso olhar para a mamãe agora sem lhe conceder a vitória
na fundamentação, submetendo minha própria argumentação, sabendo
que foi a Casa Branca quem anunciou o melhor filme? (Melhor filme
este sobre atos seus.) Ang Lee recebeu Melhor Diretor, mostrando que,
como eu, havia dissidentes dentro da própria Academia. Mas as
influências externas podem ter falado mais alto, e por isso quem vai
ser lembrado como o Melhor Filme será o escolhido pela Casa Branca.
Por
mais que tudo isto que eu disse possa estar errado e, num plano onde
as verdades reais das coisas sejam realmente auferíveis, Argo tenha
sido o melhor filme, não creio que se possa negar: a impessoalidade,
tanto da Academia como da Casa Branca, foram violadas. E aos olhos do
mundo inteiro, o Oscar, em seus minutos finais, virou O Show do
Governo Americano.
Nunca,
em todos os anos vivi dentro do cinema, vi Jack Nicholson, um dos
meus ídolos cinematográficos, sequer dividir a cena com uma figura
política tão limitada nacionalmente quanto a mulher do Presidente.
Por que, então, tenho que assistir isso acontecer no evento que diz
como são as coisas de cinema na vida real?
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