sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Uma Execução

Hoje foi um dia curioso.
Não curioso quanto ao conteúdo, não. Dessas querelas subjetivas que passeiam pelos calçamentos do diuturno eu me abstenho comentar; quero chamar atenção simplesmente para o dia em si, sua forma.

Quando acordei, fazia tempo agourento: céus fechados e chuva. Quase como uma pessoa, o dia acordou mal-encarado, estressado. As nuvens resguardavam o horizonte como uma alcateia cerca uma presa ferida, enquanto a chuva ameaçava a cidade e dificultava a vida dos que transitavam. Olhar pela janela era um convite à reflexão, uma sedução ínsita à introspecção.

A batalha celestial procedeu sem comprometimentos humanamente perceptíveis, enquanto eu cedia ocasionais lapsos de atenção à pintura que se apresentava.

Mais tarde, porém, um dos lados submeteu-se ao sobrestamento do outro, e as nuvens foram sumindo e sumindo, enquanto a chuva jazia agora unicamente na forma de poças frias e segregadas pelas ruas da cidade.

O sol, magnânimo, surgiu e trouxe com ele uma luz especial. Uma luz que não é a mesma que se vê todo dia. Uma luz que, como os lanceiros em um pós-batalha que atravessam o campo do entrave e perfuram os moribundos, segurou todo vento e afanou toda penumbra. Atirar meu olhar pelas janelas da sala de aula era como encarar retratos: nada que verde fosse movia-se ou agitava-se de qualquer forma. Sempre, é claro, numa cor muito pungente, muito irradiada. Como prisioneiro nu que é torturado por reter informações secretas, o mundo era feito refém. Caminhadas pela floresta revelariam mais e mais desta incômoda imagem; uma imagem de quase violência. Muito próxima, de fato, da obscenidade. Assistir a paisagem conhecida minha de todo dia ser espoliada dessa forma era desconfortável.

E eu assisti enquanto os ponteiros vespertinos percorriam o círculo e tornavam-se crepusculares; foi quando mais deprimido fiquei. O dia agora era posto ao cabo de sua vida, ao fim de sua existência, e de maneira incrivelmente dolorosa. Seu algoz, fosse quem fosse, agora o agredia com algumas nuvens espessas e fazia-o contorcer e espernear de tal maneira que sua dor apresentava-se escarlate à plateia humana que lhe desse vista. Uma agonia púrpuro-inchada, amarelo-náuseada e vermelho-sangrenta. Sofregava o onipotente céu de amor em direção a um inevitável e portentoso fim de gerência.

Lembro que foi do carro que eu assisti aos seus momentos finais de constrição. Enquanto o vermelho-púpuro-amarelo se alastrava pelo seu corpo, o dia finalmente cedeu sem grito ou protesto final, e vazou em líquido viscoso negro. Viscoso e negro como a noite.

O motivo desse espetáculo de violência que foi amostrado, ninguém sabe. Pena, você pode ou não sentir. Mas a questão à que todo este texto se compadece é, em verdade, a da desnecessidade de tudo isso.

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