sábado, 6 de novembro de 2010

Jogos Pouco Mortais

As pessoas tem essa habilidade especial, cara. Essa coisa pungente e gritante que é a capacidade de estragar as coisas que a gente gosta.

Sabe, eu sempre fui um daqueles adolescentes, de gosto questionável, fã de Jogos Mortais. Eu assisti todos os filmes, acompanhei a história e admirei a máquina de fazer dinheiro que virou a série. E eu até hoje me admiro com a quantidade de coisas que dá para suscitar num filme daqueles. Digo, uma série sobre serial killers que criam armadilhas mortais para, num deturbado senso ético, tentar ensinar o apreço à vida àquelas pessoas que se tornaram cegas ao que há de maravilhoso ao redor é o tipo de sinopse que pode fazer funcionar engrenagens até nós cérebros mais, digamos, limitados. Digo, contrapor a vida à morte é o ponto de partida de praticamente toda a ficção na história humana.

Desde a parábola de Cain e Abel (o primeiro homicídio) até o Crime e Castigo de Dostoiévisky, os seres humanos tem fascinação pela morte e seus efeitos sobre a vida. Surge então a série Jogos Mortais, num brilhantismo cultural que apenas os filmes de terror conseguem atingir. Me explico: você já percebeu como as séries de terror realmente marcam a cultura pop? Sexta-feira 13, Hora do Pesadelo, Halloween, são só alguns exemplos do que esse nicho tem à oferecer. E surgem então os críticos sem visão (que não faltam), e apontam seus pequenos e enrugados dedinhos e criticam todos os detalhes do filme. Mil críticas foram lançadas aos supracitados Slasher Movies. Na época, foram filmes que foram massacrados pelas resenhas profissionais. E são clássicos inquestionáveis do cinema, como pode isso?

Simples. Esse tipo de filme, os de “terror”, surgem para expor o que há de mais paupável na psiquê humana da época. Como você sabe se ele atingiu seu objetivo? Com o sucesso de bilheteria- não de crítica. Duvidam de mim? Hoje, várias obras são redigidas explorando essas películas que marcaram as décadas passadas, e expõem o que o cinema dizia nas entrelinhas aos jovens que o frequentavam, e com ele se identificavam. Percebam como em todo filme do Jason ou do Freddy, por exemplo, tem aquele casal que morre antes ou logo após transar. Parece trash não? Olhe para trás, agora, e me diga se não foi a questão sexual, de libertação jovem e quebra de tabus uma das que dominou os anos 70. O próprio medo inconsciente que tinham os jovens do ato sexual,tanto pela falta de conhecimento, como pelatransmissão de doenças, como por tantas outras coisas. O cinema de terror tem o primor; tem o primor cultural acima de todos os outros gêneros. Afinal, o terror deve ser pop. Peço que vocês atentem para o fato de que todos os grandes diretores modernos começaram escrevendo estórias de terror trash: Steven Spielberg, Peter Jackson, Roman Polanski, James Cameron, etc.

E hoje em dia nós assistimos o levantamento dessa série opulenta que é Jogos Mortais ( não há um só filme na série que não tenha sido um sucesso irredutível de bilheteria; até agora). Nunca vi uma série tão capaz de erguer-se e atingir o genial. Tão capaz de atravessar as barreiras da psicologia humana e mexer com o cerne da moral e da razão. Tão capaz de estipular situações-limite, de puro desespero existencial, onde nós poderíamos ver desabrochar a pura humanidade em meio ao torpe e ao abominável.
Mas temos então Jogos Mortais 7- O Final. Um momento de brilhantismo: o filme é sobre um “sobrevivente” de uma das armadilhas mortais que tenta capitalizar em cima de sua peripécia. O que eu achei simplesmente sagaz, afinal, é o que o ser humano faz nos dias de hoje, certo? Capitaliza em cima de informação. Escreve um livro, como o protagonista do filme. Simplesmente interessantíssimo. Mas, voltando ao meu ponto inicial neste post, os homens tem a capacidade de destruir as boas criações, e o que se vê em seguida é um filme que nem tenta mais. Não tenta ser intrincado, não tenta despistar o telespectador, não tenta confundir e nem chega a ser cruel de verdade. Até hoje lembro de Jogos Mortais 4, e de como aquele filme é realmente cruel com seus personagens. Mas este, ele às vezes parece uma sátira de si mesmo. Um sarcasmo voltado aos outros filmes da série, um Deu a Louca nos Jogos Mortais. Uma armadilha MORTAL em que a vítima tem que arrancar dois dentes com um alicate para sobreviver? SÉRIO? ARRANCAR DENTES? Em Jogos Mortais 2 teve um maluco que tinha que ARRANCAR O OLHO COM UM BISTURI, E NESSE O CARA TEM QUE ARRANCAR 2 DENTES? E se o rapaz tivesse cáries? O serial killer estaria lhe fazendo um puta favor, porra! Dentistas arrancam dentes, serial killers arrancam a mandíbula inteira, no mínimo!

Senhores produtores gananciosos, eu lanço um apelo: parem. Parem de fazer Jogos Mortais. Vamos deixar essa obra intocada por um tempo, sim? Que ela já entrou para a história, sem dúvidas. Agora, vamos deixar que ela descanse. Para que eu possa, daqui a 20 anos, quando eu já estiver velho e chato, assistir o remake. E que seja um bom remake.

Um comentário:

  1. Falou bem, bra! Não sou fan de jogos mortais, porém, nunca deixei de notar a fodalidade das suas histórias, sempre tão complexas e viscerais! A profundidade filosófica das própias armadilhas, onde está?! Aquelas armadilhas que pareciam a própia Esfinge, a nemesis tornada matéria e provocando a liberdade e o desejo de viver, a animalidade que tentamos ignorar, o instinto humano.
    -Live or die, make your choice-

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