segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Um navio de lego

Eu montei um barco pirata de lego.

Peça por peça. Encaixe por encaixe. Desde as primeiras chapas do casco, até a ponta dos mastros.

Eu sorri para o barco, ao click do último encaixe. Ele estava perfeito, terminado. Pronto para mil aventuras. Cinco bonequinhos são sua tripulação, e há um capitão e uma donzela.

A donzela pode ser enamorada do capitão, e eles podem ser um casal fugido da Inglaterra. A tripulação pode ser uma corja de ladrões, mas daquele tipo de ladrões dos filmes românticos, que são sempre nobres e carismáticos. Eles podem todos ter sido compelidos a escapar do opressor exército inglês por desentendimentos políticos, lutando contra uma Coroa infiel e ambiciosa, e se juntado na missão de espalhar a instabilidade e a insurgência entre as diferentes classes sociais. A caveira na bandeira pode ser o símbolo de uma rebelião histórica. E o capitão e a donzela são charmosos e apaixonados, e no fundo é a sua figura parental que une o grupo instável que é a tripulação do navio, como uma família incomum.

Ou a tripulação pode ser de uma desgarrada estirpe, perseguidos pela boa Justiça e temidos pelos trabalhadores honestos. Isso porque certos homens idolatram a própria imagem e simplesmente não se ajustam à sociedade alguma. Profissão e honra são meios de domar as pessoas, e esses mesmos homens deles fogem como diabos fogem da cruz. A marginalidade é a salvação, e a lâmina fria na garganta do próximo é todo o escapismo que esses insanos necessitam para acalmar o próprio peito. Vontade de sangue, vontade de violência. E a donzela é uma prostituta e o capitão é um refém psicológico, um boneco das vontades da sua incontrolável tripulação. Ou quem sabe, ele é o mais insano de todos, o mais violento e o mais temível. O meu navio pode ser o navio da morte, e a caveira em sua flâmula nada mais é que prenúncio de perdição. Três tiros de canhão na noite, e vários homens bons jamais encontrarão o caminho de casa.

Ou quem sabe, política e sociedade nada tem a ver com a história desse navio; quem sabe a tripulação é de sonhadores e aventureiros. Quem sabe do diário de bordo deles nada conste se não relatos de encontros míticos encantados. Fugas apertadas de ciclopes e encontros avassaladores com sereias. O capitão é um homem sábio e a donzela, sua esposa, mulher cheia de segredos; pode ser então que o protagonista da história seja um dos simples tripulantes, um jovem esperto e sedento por explorar os cantos de um mundo que está só começando. Nada de baleia branca assassina ou de icebergs escondidos; não, só o dia após dia de um grupo de pessoas que tem toda uma vida pela frente.

Eu paro de sorrir. É só um barco de brinquedo que nunca vai deixar a minha sala de estar.

Porque nenhuma conquista mais tem sabor.

Porque tudo se tornou muito complexo.

Porque na mente do homem de hoje, não há mais espaço para Navios Piratas.

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