quinta-feira, 27 de maio de 2010

Vintesete

Eu poderia calçar minhas luvas negras mágicas e criar você. Com minhas mãos eu poderia espalhar todas as células do seu corpo, e com o menear de meus dedos eu poderia proporcionar suas curvas, para que com o meu indicador eu riscasse um sorriso no seu rosto. Poderia dar-lhe músculos e sentidos, e você andaria e correria. Juntos poderíamos compartilhar os arrebóis e quem sabe parar para um sorvete. Mas o calor da vida só é sentido no sangue que vaza dos talhos que o destino abre na nossa felicidade, e fazer-te sofrer seria pior do que nunca ter lhe enchido os pulmões pela primeira vez.

Eu poderia erguer meu lápis negro e desenhar você. Poderia construir a simetria perfeita em seus lábios, poderia calcular o tamanho perfeito de seus braços, quase sentindo o afeto de seus abraços. Eu poderia despejar as tintas e sentir vibrarem minhas emoções só de olhar para as suas cores.E na paisagem ao seu redor, eu faria de tudo para que ela só viesse a realçar você, e todas as qualidades que eu vejo em você. Num momento de exultação incontida, talvez eu pudesse sentir o palpitar de um coração, mesmo que só de mentirinha, na minha folha de papel. Mas desenhos, tanto quanto fotos, são as coisas mais tristes. Lembretes de coisas boas que não vão voltar nunca mais; ou, no seu caso, o desenho na minha parede seria apenas um convite à lembrar que eu jamais iria lhe encontrar de verdade. Aí, eu teria que destruir o papel antes que ele me destruísse. Chega um ponto em que o criador deve escolher entre si e suas criações.

Eu poderia deitar na minha cama negra e sonhar você. Eu poderia me surpreender com as maravilhas que o meu eu interior viesse fazer com a sua aparência e o seu jeito de ser. Ele seria sempre genial, e você sempre mais impecável, já que ele é a idéia das minhas idéias. Você estaria sempre bem, e eu estaria sempre com você. Poderíamos montar um boneco de neve juntos, vestindo roupas de cores contrastantes, e você me maravilharia com a sua precisão com os detalhes, ou quem sabe ainda pudéssemos tentar cozinhar juntos, o nosso gosto exatamente o oposto um do outro, e você me corrigiria nas minhas falhas, sempre sorrindo, e eu me espantaria com a sua paciência inabalável. Mas não, essa opção é apenas a mais devastadora de todas. Como eu acordaria de manhã sem você?O que eu ia fazer? E se me esquecesse esse sonho, e restasse apenas a sensação? Sentir a ausência sem ter do que sentir saudades, isto seria um castigo que esmagaria o resto de meus dias.

E então? Sentado numa de três cadeiras na minha sala de solitude, eu afundo nas mãos a cabeça. O que fazer? O que fazer de você? Você é perfeita porque eu sou imperfeito, e apenas as coisas imperfeitas tem a capacidade de criar coisas perfeitas,e vice-versa. Deus é testemunha. Mas será que eu suportaria viver com você? O meu reflexo no espelho me questiona.

Mas será que eu poderia viver sem você?

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