domingo, 22 de agosto de 2010

Trançado Metafórico

Eu sou o tipo de cara entra no quarto, fecha as portas e as cortinas, e liga o ar condicionado com o controle da televisão. Faço carranca ao não apitar do ar condicionado, e, aperto com mais força o botão de ligar no controle da TV, para então perceber que estou apertando o controle errado. A TV liga, logo após. Eu lanço-lhe um olhar de censura, como se a culpa fosse dela. Desligo a TV e me desfaço do controle,e já que o controle do ar não está em canto nenhum à se achar, sento-me logo na minha grande poltrona amarela, para que minhas ideias possam decolar.
Por que eu peguei o controle da TV? Simples: porque ele estava no lugar do controle do ar condicionado. Oras, como pode o lugar de uma coisa abrigar outra totalmente diferente? Por quê é que eu não abro acidentalmente o armário sempre que vou à cozinha vasculhar a geladeira? Obviamente porque o armário não está no lugar da geladeira. É assim que eu encontro as coisas. Tudo tem seu lugar.
Mas as coisas podem se complicar: eu posso vir a conhecer alguém. Podemos vir a ser amigos, e com o passar do tempo esse amigo adquire seu devido lugar na sua vida. Eu entro pela porta do colégio, da faculdade, do inferno ou do céu, e ele está lá. E aí, tudo bem? Beleza. Anos e anos se passam e eu posso confiar nesse amigo, ele pode confiar em mim, nossos problemas são terras arrendadas da noite para o dia. Mas então, a vida nos entorpece em certas coisas na medida em que nos dá outras, como peças de malabarismo; quando eu menos espero, eu chego, atravesso os portões e me sento. Meu amigo tinha um jeito diferente de ser engraçado, um jeito que, subliminarmente, eu dou por falta. De repente, são outras pessoas, ou são outras coisas, ou é um outro lugar, ou não é nada, sou eu, é tudo.
Você entende onde eu quero chegar? Sem mais jogos de palavras (são as palavras que fazem esse jogo, não eu; sou que não um refém). Onde está aquele amigo? Onde está aquele livro? Onde era aquele lugar? Eu gostava. Tanto. Nem sabia.
Merda, olhem para mim. Não é o meu amigo que não está aqui. Sou eu quem não estou lá, tenho certeza de que ele gostava do jeito como eu tinha uma resposta para tudo. Ou será que é realmente ele que não está aqui? Isso importa? Antes desse amigo, não havia outro? Depois desse, não haverá mais um? Um pé vai para frente, Haroldo, à medida que o outro vai para trás, é assim que se anda. Ah, é? Então é essa a melhor maneira de chegar nos lugares? Bem, não é a melhor; mas serve.
Mas não podem esses três amigos estarem aqui comigo, agora? Claro que não, a vida não é uma confluência. Esqueça o que lhe disseram todos os outros, a vida não tem início, meio e fim. A vida é uma bagunça. Ela simplesmente serve, na medida em que dela são exigidas as circunstâncias. A vida é eterna desavença, de forma que os filósofos vão deixando de estar certos e nós, jovens, vamos ficando mais incontornáveis. Porque tudo é dinâmico. Ocorre então, sob os nossos próprios olhos, uma mudança tão sutil quanto o rolar dos grãos de areia no deserto. Mudam-se perspectivas, mudam-se atitudes. Então, amigos seguem sua irrefreável natureza de transformação em fotos na parede, como outras coisas mais.
De repente, o quê que tem um lugar certo nesse mundão de meu Deus?

Um comentário:

  1. Nestes momentos de tédio existencial as coisas ficam mais claras, não? Alguns temem o silêncio, pois temem ouvir os própios pensamentos e talvez perceber a transitoriedade irremediável da vida, coisas tão sutis são vistas com novas perspectivas, perspectivas estás que nem sempre acariciam o ego, talvez eu possa citar o pessimismo metafísico do Grande Mestre Schopenhauer: a razão está sob a ebulição da vontade, a vontade é caótica, nenhuma escolha é consciente( pense sobre isto, Haroldo); perceber o tempo de forma subjetiva seja talvez a melhor forma de lidar com o porvir.
    Tenho pensado sobre isto também, acredito que seja o impacto do amadurecimento... =)

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